Alvis Sio

Alvis Sio nasceu em Macau nos anos 1990. Trabalha no sector dos média e é autora da obra The Good Old days of Colonial Hong Kong and Macao.


Livros e criatividade – sobre escrever para uma revista literária (3)

12a edição | 12 2015

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Depois de ter falado sobre mim e sobre os leitores, é altura de alargar a discussão e falar sobre a relação das revistas literárias com as cidades e, em particular, a sua relação com a cultura e a criatividade. A razão para escolher a cultura e a criatividade como meio de ligação entre as cidades e as revistas literárias deve-se sobretudo a todos os tipos de paradoxos associados: não vamos negar que uma cidade tem inquestionavelmente a sua própria cultura específica, e que também as revistas literárias terão de estar associadas à cultura. Mas como é que podemos evidenciar isso? Penso que a resposta poderá ser encontrada ao observar a criatividade e a cultura de uma cidade.


A criatividade e a cultura de uma cidade são reveladoras da situação cultural desse espaço. Elas reflectem a ecologia cultural de uma cidade, e também a forma como as pessoas imaginam a cultura – o grau de importância que atribuem à cultura local e o grau de aceitação de culturas estrangeiras. Por isso, até certo ponto, a nutrição do solo cultural determinará o alcance da indústria criativa e cultural de uma cidade. A condição para cultivar um pedaço de solo cultural adequado ao desenvolvimento da indústria cultural e criativa é compreender de forma clara a natureza da criatividade e da cultura.


Quando pensamos em criatividade e cultura, o que nos vem à cabeça podem ser filmes, peças de teatro, música, desenho, design ou moda – existem milhares de rostos diferentes. Mas essencialmente penso que podemos adoptar como referência a definição da Wikipedia: “Como o nome sugere, a indústria criativa e cultural refere-se a uma indústria que combina a cultura e a criatividade”. Por outras palavras, “cultura e criatividade” são, de facto, “cultura” e “criatividade”. As características destes dois elementos principais são a sua necessidade de absorção, precipitação e transformação – e o mais importante destes é o processo de absorção.


Existem certamente muitos caminhos e fontes para “absorver”, mas a capacidade de imaginar, observar, criticar e ponderar que acumulamos no processo de leitura permite-nos viajar no tempo e ultrapassar barreiras regionais. Desta forma, podemos aproveitar os conhecimentos dos antigos sábios e olhar para além das suas abordagens – entre outros caminhos, este é certamente um bom atalho. Este é provavelmente também o ponto onde as revistas literárias se cruzam com uma cidade, e com a sua cultura e criatividade.


Partindo do princípio que as conclusões acima apontadas estão correctas, a próxima questão que se põe é a mais realista, e também a mais cruel: que impacto poderá ter uma revista literária na promoção da leitura, orientando os leitores para a absorção do máximo possível dos livros que lêem e aplicando o seu conhecimento no mundo da cultura e da criatividade? Especialmente em tempos como estes, em que as pessoas estão sobrecarregadas a “envolver-se” na cultura e criatividade num contexto de declínio da leitura, esta questão torna-se premente. Como editora de uma revista literária, não me vou estar a enganar a mim própria e considerar as revistas literárias importantes promotoras da leitura ou dos índices de leitura da cidade. Sei apenas que o tempo e o trabalho necessários para terminar uma revista literária são muito inferiores aos necessários para acabar um livro e, ao mesmo tempo, a diversidade de informação que figura numa revista literária deve ser maior do que a que está acessível num livro. Se este for o caso, poderemos olhar para as revistas literárias como sendo a “zona com pé” de uma piscina, permitindo às pessoas encontrar os movimentos e o ritmo mais adequados às suas necessidades. Quando estiverem mais acostumadas, poderão prosseguir e nadar em águas mais profundas e em áreas mais vastas. Mesmo que não entrem em águas profundas, terão pelo menos desenvolvido o hábito de nadar e sabem agora como se movimentar livremente na água.


Uma cidade sem cultura não constitui um problema; problemático é se as pessoas nessa cidade olharem de forma depreciativa para a cultura. As pessoas da cidade também podem continuar sem ler, mas não poderão negar o poder dos livros. Apenas compreendendo que a cultura precisa de respirar continuamente, poderão a cultura e a criatividade de uma cidade gerar uma vitalidade inesgotável e continuar a crescer, a consolidar as fundações e a não ser apenas conversa vazia.