Ron Lam

Escritora a residir no Japão, especializada em design, lifestyle e jornalismo de viagem, Ron trabalhou anteriormente como editora das revistas MING Magazine, ELLE Decoration e CREAM.


O boom do regesso às aldeias no Japão

9a edição | 09 2015

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Aldeia de Mishima, na província de Kagoshima.


Mare, uma série de 15 minutos que está a passar nas manhãs da estação NHK, conta a história de Mare, uma aluna do ensino primário que, devido ao insucesso do pai nos negócios, teve de se mudar para uma pequena povoação da península de Noto, na província de Ishikawa. Ao testemunhar a situação difícil em que o pai deixou a família para ir atrás de um sonho, Mare abandona o seu próprio sonho de vir a ser pasteleira e decide manter os pés bem assentes na terra, tornando-se funcionária pública com um salário estável. Mas, depois de se mudar para esta pequena vila, os seus amigos fazem renascer a sua paixão e o seu sonho. Fiquei particularmente impressionado com a primeira parte desta série, em que Mare, que fala a variante oficial do japonês, tenta aprender os dialectos locais para se integrar na vida desta povoação. A família de Mare, que inicialmente é vista como intrusa e não é aceite, vai gradualmente ganhando o reconhecimento dos residentes através do trabalho árduo e contínuo que desenvolve. Mare também começa a amar esta aldeia como a sua própria casa.


Apesar de Mare ser uma história ficcionada, a série reflecte a actual situação de muitas aldeias no Japão. Por um lado, a população japonesa nas áreas rurais está a diminuir devido ao envelhecimento e à baixa taxa de natalidade. Os custos da manutenção de casas desocupadas são elevados e, por isso, quando as pessoas se mudam, acabam por deixar as casas abandonadas. De forma a manter a sustentabilidade das povoações, é inevitável que cheguem novos moradores. Aldeias espalhadas por todo o Japão estão a tentar atrair migrantes de diferentes formas. Por exemplo, a aldeia de Mitsue na província de Nara oferece apoio até um milhão de ienes japoneses a migrantes para renovarem casas desocupadas; quem se mudar para a aldeia Mishima, na província de Kagoshima, recebe uma vaca ao fim de três anos; algumas vilas até organizam blind dates na esperança de que as pessoas da cidade ali permaneçam após casarem com moradores locais.


Por outro lado, desde o terremoto de Tohoku, em 2011, a economia japonesa não tem registado quaisquer melhorias. Face aos desastres naturais inesperados, aqueles que vivem nas regiões metropolitanas começaram a pôr em causa a noção que tinham de um estilo de vida ideal. Muitos começaram a pensar que poderiam ter mais tempo livre se trabalhassem apenas para sustentar as suas necessidades básicas e fossem auto-suficientes, em vez de passarem o tempo a trabalhar com o objectivo de consumir. Por esse mesmo motivo, muitos residentes das áreas metropolitanas estão a considerar viver em aldeias. Hikaru Mimura, que escreve uma coluna para a revista online colocal.jp, mudou-se com o marido e a filha de cinco anos para Hitoyama, na província de Kagawa, após ter abandonado em Outubro de 2012 o seu emprego numa empresa de tecnologias de informação. Mimura começou a aprender a plantar oliveiras e existe procura para os produtos que fornece. Pode parecer a situação ideal, mas a interacção com os moradores locais é complicada.


Existem vários grupos a organizar todo o tipo de actividades para ajudar a construir pontes de comunicação entre os moradores destas aldeias e aqueles que vêm de fora. Por exemplo, a organização Cocolococo dá assistência a povoações do país na organização de actividades externas para resolver questões sociais, e oferece a oportunidade a quem vem do exterior de reforçar o entendimento sobre estas aldeias. Em Junho, realizou-se em Kiso, na província de Nagano, uma aula sobre os raviólis Hobamaki, a iguaria local. No final de Julho, foi organizada a actividade “Tempo para Iwate” em Tóquio, onde os residentes de Iwate promoveram actividades locais entre a população da capital japonesa. Além disso, no site da Cocolococo podem ser encontradas sugestões sobre a forma como as aldeias podem lidar com uma série de questões.


Enquanto procurava informação para escrever este artigo, apercebi-me que muitas das pessoas que optaram por viver em aldeias regressaram à cidade por dificuldades de adaptação ao novo estilo de vida. Outros criaram raízes e, além do trabalho agrícola, também abriram cafés ou pensões. Algumas pessoas sentiam mal-estar nas cidades e redescobriram-se em pequenas povoações; e houve quem tivesse vivido numa aldeia durante um longo período de tempo e optasse por regressar à cidade. Esta cultura migratória veio demonstrar a versatilidade nas vidas dos japoneses, permitindo que pessoas de todos os tipos encontrassem um espaço de maior conforto. Parece que falta a Hong Kong e Macau este tipo de versatilidade.