Ron Lam

Escritora a residir no Japão, especializada em design, lifestyle e jornalismo de viagem, Ron trabalhou anteriormente como editora das revistas MING Magazine, ELLE Decoration e CREAM.


Como gerir um templo?

31a edição | 02 2019

Um projecto de construção em que meu marido estava envolvido ganhou um prémio. Estávamos entusiasmados e vestidos a rigor para a cerimónia de entrega do prémio. 


Os arquitectos, participantes e os clientes dos projectos vencedores tinham de entrar em palco para a apresentação do prémio. Todos estavam vestidos de modo formal. O nosso grupo destacou-se na multidão porque o nosso cliente usava uma batina. O projecto que nos valou o prémio é o Templo Jissou-ji e o cliente é o abade do templo.


1604JISSOJI_L_23.jpg


É muito raro um templo vencer competições de arquitectura moderna. Muitos amantes da arquitectura e estudantes deste ramo realmente visitaram o templo devido à sua reputação. Fiquei impressionada com o Templo Jissou-ji quando o vi pela primeira vez. Um velho pinheiro com séculos de existência está plantado no jardim frontal. Atrás do velho pinheiro, há um salão funerário octogonal. Segundo o arquitecto Yamada Seiichi, a forma octogonal simboliza o universo e o centro do mundo no Budismo. Eu tenho pouco conhecimento do Budismo. Mas, quando entrei no salão funerário, senti uma paz imediata. Mesmo que não houvesse ninguém no salão naquele momento, pude imaginar que Yamada Seiichi e o abade desejariam que os vivos e os mortos pudessem enfrentar o destino final pacificamente, permitindo que as pessoas vivas se sentissem relacionáveis com a morte e a natureza.


O abade tem outra visão para o Templo Jissou-ji, que aborda directamente um desafio que a maioria dos templos enfrenta actualmente no Japão. Os templos costumavam ser o centro das comunidades japonesas. São o lugar onde as pessoas rezam e vão a funerais. Moradores e crianças dos bairros também costumavam ir ao templo para relaxar. No entanto, como os mais velhos agora vivem sozinhos e a família nuclear se tornou a norma dominante no Japão, os templos estão a afastar-se dos moradores. Isto é especialmente verdade para as gerações jovens. Com excepção dos templos turísticos como o Templo Kiyomizu-dera, os jovens mal põem os pés nos templos tradicionais.


Existem três modelos de gestão de templos japoneses. Primeiro, temos os templos danka. Danka refere-se às famílias dos seguidores dos templos. Os templos de Danka geralmente proporcionam aos seus seguidores serviços fúnebres, a maioria dos quais tem o seu próprio cemitério. A principal fonte de rendimentos dos templos Danka depende da doação dos “dankas” e da taxa de administração do cemitério. Em segundo lugar, há templos para seguidores. Este tipo de templo oferece aos seguidores um lugar para rezar e depende das doações e da venda de amuletos e lembranças para poder manter-se. Por fim, temos também templos para o turismo. Templos como Kiyomizu-dera e Jisho-Ji, por exemplo, cobram entrada aos visitantes. Os dois primeiros tipos de templos que dependem de doações vindas dos seguidores têm enfrentado desafios financeiros, já que os templos estão a tornar-se menos importantes na vida das pessoas. O académico Hidenori Ukai explorou esse problema e publicou o livro A Aniquilação dos Templos: o Local e a Religião Desaparecidos (título em japonês: 寺院消滅—失われる「地方」と「宗教」). O livro discute como a diminuição da população japonesa, o declínio das aldeias e a simplificação dos funerais trazem crises de gestão aos templos japoneses. No Japão, existem cerca de 77.000 templos em todo o país. Aproximadamente 20.000 templos foram abandonados devido a falhas de gestão. De acordo com a estimativa de Hidenori Ukai, outros 10.000 templos serão abandonados nos próximos 15 anos. Os proprietários de templos terão de fazer mais esforços para solucionar o problema, como atrair doações, aumentar os rendimentos, etc.


Em 2008, Hideki Hashimoto assumiu a liderança do templo Kensyou-in, localizado na cidade de Kumagaya, na província de Saitama, sucedendo ao seu pai como abade. À época, ele atraiu imensa atenção a nível nacional ao decidir abandonar o sistema danka. Os crentes passaram a ter de pagar 30 mil ienes para colocar as cinzas das suas famílias no templo. O templo também oferece diferentes tipos de serviços funerários. O Templo Kensyou-in também permite que os seus clientes enviem as cinzas para o templo. Outros serviços, incluindo organização do funeral e gestão das cinzas, estão claramente cotados no seu site oficial. Esta decisão ajudou o Templo Kensyou-in a melhorar a sua situação financeira, ganhando três vezes mais que no passado. No entanto, o templo também tem sido alvo de críticas, já que Hideki Hashimoto está aparentemente a comercializar a religião. “O meu pai era abade. Eu também sou casado. Não posso realmente dizer que não sou incomodado por assuntos mundanos como um asceta”, comenta Hideki Hashimoto sobre as críticas. “Estou apenas a fornecer serviços funerários a pessoas que precisam deles.” Faz sentido. Quando se desfruta de um serviço, é preciso pagar. De facto, os templos tradicionais também cobram pela realização de rituais e funerais tradicionais. A diferença aqui é que os templos tradicionais mantêm os preços em segredo. Hideki Hashimoto revelou que no passado recebeu 800 mil ienes por realizar serviços funerários. Depois, teve de pagar 550 mil ienes ao templo, que agiu como uma agência. Na sua perspectiva, são estes preços ambíguos e caros que estão a levar a geração jovem para longe dos tradicionais rituais fúnebres budistas e a contribuir muito para o declínio dos templos japoneses.


Há uma série de santuários em Quioto que se esforçam por ter campanhas de promoção. Temos, por exemplo, o Santuário Kawai, perto do Santuário de Shimogamo. A pronúncia do Santuário de Kawai é muito próxima de “Kawaii”, o que significa “fofo” em japonês. O templo atrai turistas do sexo feminino promovendo o deus da fofura. O Santuário de Kifune-jinja, por outro lado, atrai o público com os seus poemas especiais de adivinhação, que só serão revelados quando embebidos em água. Os templos budistas tradicionais podem ser travados pela bagagem da tradição da abstinência quando enfrentam o dilema de tentar sobreviver. Mas acredito que o mais importante é que a natureza da religião não mude, mesmo que o templo seja modernizado ou que os templos mudem a sua maneira de cobrar às pessoas.