Ron Lam

Escritora a residir no Japão, especializada em design, lifestyle e jornalismo de viagem, Ron trabalhou anteriormente como editora das revistas MING Magazine, ELLE Decoration e CREAM.


Os senpai e os novos artistas

36a edição | 12 2019

No início de Outubro deste ano, eu e meu marido fizemos finalmente a nossa cerimónia de casamento, anos depois de nos casarmos. O casamento foi realizado na Galeria Yamahon, na cidade de Iga, na província de Mie, um dia depois da abertura da exposição do meu marido. Certa vez, proprietário do espaço, o Sr. Tadaomi Yamamoto, ficou ligeiramente bêbado numa festa e disse-nos que gostaria de realizar o nosso casamento. Nós pensamos que ele esqueceria tudo depois de acordar. Mas, para nossa surpresa, ele estava a falar a sério.

O meu marido, Masaki Kanamori, é um artista que trabalha com metais. A maioria das pessoas que convidámos para o nosso casamento eram seus amigos e senpai (idosos) da indústria. O ceramista Ando Masanobu, Kouichi Uchida e o designer de utensílios de madeira Ryuji Mitani, entre outros, são todos veteranos da indústria que cuidam realmente de nós. Depois de receberem o nosso convite, eles arranjaram tempo para nós apesar de terem um horário apertado para assistir a exposições. O casamento foi pequeno mas muito íntimo. Os meus pais, que vieram de Hong Kong até ao Japão, ficaram aliviados ao ver-me rodeada por amigos e famílias. O casamento foi um momento adorável, para recordar. Foi também um acontecimento que me permitiu reflectir seriamente.

O Sr. Ando fez o brinde no casamento. Ao brindar, lembrou ao meu marido que agora é hora de ele assumir a responsabilidade de senpai no sector, uma vez que os senpai esta indústria lhe deram um apoio consistente ao longo da sua carreira. Ele acrescentou também que eu deveria utilizar o meu talento com escritora na divulgação de informação para ajudar a promover a arte, a cultura e a filosofia do estilo de vida do Japão no exterior. Na sua perspectiva, posso usar a as minhas capacidades multilíngues para criar bases para artistas emergentes do sector.

Eu acenei com a cabeça enquanto ouvia o seu discurso. Continuei a pensar constantemente no que ele havia dito no casamento, mesmo dias depois de voltarmos para casa.

O meu marido decidiu seguir o caminho de artista de metais quando já tinha vinte e poucos anos. Ele era aprendiz de artistas que faziam maçanetas de portas, caixilharias, lâmpadas, lanternas e muito mais. Esforçou-se muito para explorar o campo da arte em metal. Tornou-se então um artista de méritos próprios e continuou a explorar o sector. A certa altura, o meu marido ganhou finalmente coragem para ir à Galeria Momogusa, na cidade de Tajimi, para mostrar os seus trabalhos ao Sr. Ando Masanobu, um conceituado artista da indústria, na esperança de obter alguns comentários sobre os seus trabalhos. O meu marido é um pouco diferente dos artistas tradicionais de metalúrgica, pois não busca a perfeição nas técnicas e restringe a sua própria expressão nas suas obras em busca de simplicidade. À primeira vista, pode-se achar que as suas obras são básicas. Mas se olharmos mais de perto, percebemos a estética do meu marido a partir dos materiais que usou e a delicadeza inspiradora mostrada pelos detalhes. Naquela época, o meu marido tinha muitas dúvidas sobre o seu próprio estilo, porque havia muito poucos artistas activos na indústria que compartilhassem expressões artísticas semelhantes. O Sr. Ando olhou para as suas obras e viu potencial no meu marido. Posteriormente, permitiu que o meu marido exibisse os seus trabalhos na galeria, o que foi um ponto de viragem importante para ele.

“A simplicidade é o melhor”, disse certa vez Ryuji Mitani ao meu marido. O seu comentário encorajou o meu marido a seguir a direcção em que estava. O Sr. Kouichi Uchida, por outro lado, convidou-o para uma exposição conjunta. Embora o Sr. Yamahon, da Galeria Yamahon, tenha a mesma idade do meu marido, ele começou na indústria de arte de metal anos antes, o que também faz dele um artista sénior face ao meu marido. Ele foi a pessoa que deu ao meu marido a oportunidade de fazer uma exposição pela primeira vez. Olhando para trás, o meu marido conseguiu subir gradualmente os degraus da indústria com o apoio de outros artistas seniores. Foi só quando ouvimos o brinde do Sr. Ando no casamento que percebemos que também precisamos de nos chegar à frente e assumir responsabilidades, tal como eles fizeram.

Os artistas seniores guiam os recém-chegados pelo caminho certo e oferecem oportunidades a explorar. Em seguida, os recém-chegados tornam-se os seniores do sector e começam a ajudar a próxima geração. Toda a indústria de arte de metal do Japão - seja o sector de arte de metal tradicional ou a arte de estilo de vida em metal que surgiu nos últimos 20 anos - cultiva talentos desta maneira. Na minha perspectiva, a ideia de reciprocidade e comunidade é uma das razões pelas quais a indústria criativa e artística do Japão pode continuar a prosperar.

Mas, como senpai do sector, o que é que podemos fazer exactamente? Deveríamos abrir galerias exactamente como Ando e Ryuji fizeram para oferecer oportunidades a talentos emergentes? Não conseguimos decidir-nos por uma solução concreta.

O ambiente artístico de hoje é bem diferente do de há uns anos. Existe um abundante conjunto de plataformas de exposição para jovens artistas mostrarem os seus trabalhos. Nos últimos dez anos, vários mercados de artesanato apareceram no país. Actualmente, jovens artistas podem também mostrar os seus trabalhos nas redes sociais e ganhar exposição. São até capazes de vender os seus trabalhos através destas plataformas. Isto significa que os jovens artistas já não dependem das galerias como no passado. Por outro lado, além de galerias como a Galeria Momogusa, Galeria Yamahon e a Galeria 10cm, de Matsumoto, a maioria das galerias no Japão não se esforça muito a planear exposições. Funcionam mais como mercearias do que como galerias.

Além de oferecerem um local para o comércio de arte, as galerias também têm a função de cultivar a próxima geração de artistas e público, mapeando o desenvolvimento da estética e documentando-o. É por isso que o meu marido dá prioridade ao seu relacionamento com as galerias e não ao seu vencimento. Ainda estamos a perguntar-nos se teremos capacidade de construir uma galeria que valorizemos e de oferecer uma plataforma para novos artistas mostrarem o seu próprio potencial.