Sio Ng

Escritora de viagem, conhecida em Hong Kong, Macau e Taiwan, criadora em vários campos e professional especializada em cinema, literatura e organização de eventos. Ng percorreu uma distância equivalente à metade da circunferência da terra e por volta de seis continentes e quarenta países sozinha. Publicou “The Heart’s Freedom Lies in the Sky” em 2017, que foi publicado em Hong Kong, Macau, Taiwan e na Malásia.


Mercado implica contradição e escolha

23a edição | 10 2017

Numa era de globalização e internet, as indústrias culturais e criativas não estão mais confinadas à região local. Mesmo alguém que viva num local extremamente pequeno e remoto pode ter um canal para chegar ao mundo desde que tenha acesso à internet. Ninguém poderá ter mais desculpas porque o universo online de 3 mil milhões de utilizadores é um mercado onde cada um pode realizar o seu sonho.


Hoje em dia, as plataformas de rede social tornaram-se no meio preferido para mostrar peças de arte, promover marcas e vender produtos. Filmes podem ser transferidos para o YouTube, e os autores podem receber os bónus da publicidade com base numa taxa elevada de visualizações. Álbuns musicais podem ser colocados nas montras do iTunes, Spotify e Google Play. Trabalhos manuais podem ser vendidos no Etsy. Uma vez tendo sido recomendado pelo Behance na sua página principal, qualquer trabalho de arte de qualquer área pode ser visto como se tivesse recebido um galardão internacional. Desde que um trabalho de alta qualidade seja visto por uma grande audiência, as oportunidades de cooperação do mundo inteiro vão chegar automaticamente. 


Apesar de a porta para o mundo estar sempre aberta, além de uma competitividade forte, o criador tem que ser persistente, paciente e trabalhador, porque se ele ou ela quer que o trabalho seja visto por um mercado de 3 mil milhões de utilizadores, não basta simplesmente confiar no conteúdo. 


Até certo ponto ainda é verdade que o conteúdo é o mais importante. Ainda assim, cada publicação apenas tem dez segundos para atrair a atenção da audiência, e o tópico de discussão irá para o final da lista no espaço de um dia, excepto para os que são realmente bem-sucedidos. Tudo o que é mediano irá incessantemente ser suprimido pela quantidade massiva de informação que o público pode receber, e não podem passar por todos os detalhes. Dá para perceber os títulos ostentosos ou açucarados por todo o lado, tais como “Dez lugares que tens de visitar na tua vida”, “Cinco tipos de homem a que uma mulher não consegue resistir” e por aí fora, só para capturar a tua atenção num instante, e parece que as pessoas estão demasiado cansadas para utilizar o seu cérebro. 


Com o Facebook, Instagram, YouTube ou qualquer plataforma, a regra do jogo para o criador de conteúdos é estar a actualizar constantemente os mesmos, caso contrário a taxa de difusão será mais e mais baixa, ou torna-se necessário pagar a taxa de publicidade para fazer os conteúdos ser vistos. Tal regra, independentemente de ser justa ou não, não pode ser ultrapassada. 


Hoje em dia tens de te servir de plataformas sociais poderosas, independentemente de fazeres trabalho cultural e criativo ou não, ou para o que quer que faças. Se és apenas um indivíduo, é difícil ter um bom equilíbrio, já que a criação requer tempo e irás dar conta que não tens tempo para gerir uma boa presença online. O ciclo vicioso do mercado online é não só um problema que temos de confrontar, mas também uma dor de cabeça para o mundo inteiro. Ainda assim, muitos de nós preferem esperar pelas oportunidades certas ao aguentar a contradição. 


Admiro muito o dono de uma página de fãs. Antes de começar a operação, criou o compromisso com ele próprio de fazer uma publicação às 18h, todos os dias. Agora que dois ou três anos passaram, ele continua a fazê-lo. A sua persistência leva à oportunidade de publicar os seus três livros e à acumulação de 70 mil fãs. Um YouTuber popular, por sua vez, pode estar a editar o seu filme num portátil, mesmo quando está a fazer a sua refeição ou a andar de autocarro, para conseguir apresentar um vídeo novo todos os dias. 


Nas várias plataformas sociais, há muitas pessoas trabalhadoras, ou até mais do que as que mencionei, e os esforços delas parecem ser uma fórmula óbvia para o sucesso. Apesar de estas histórias de perseguição de sonhos serem inspiradoras, também podem ser embaraçosas. Ainda que eu acredite que elas são muito entusiastas com o seu trabalho criativo, será que têm realmente tantas ideias para suportar as palavras positivas que fazem a gigante audiência vibrar todos os dias do ano? Será que não estão cansadas ao pensar 24 horas por dia em conteúdos que a audiência queira ver? Apesar de viver numa contradição, muitas delas lutam de forma consistente, porque acreditam que a contradição em si acarreta esperanças infinitas. 


Todo o mercado é piramidal. Na base estão os conteúdos que a multidão adora, nomeadamente os que chegam de forma massiva, que são mais amplamente reconhecidos. No mercado cultural e criativo, no topo estão os artistas puros que apenas produzem conteúdos para agradar a si próprios, conseguindo assim uma audiência menor. O mercado significa contradição e escolha, mas pelo menos temos o direito de fazer a escolha, ou para criar os próprios conteúdos de acordo com o nosso resultado pretendido, ou para sair de uma contradição que não apreciamos nas nossas vidas.