Erik Kuong: Um produtor deve ajudar os artistas a construírem uma carreira próspera

08 2017 | 22a edição
Texto/Wendy Wong

Erik Kuong é muito activo no teatro e nas trocas artísticas internacionais. Produtor independente reconhecido, produziu uma peça multimédia itinerante bastante aclamada, Playing Landscape, o pouco convencional musical Picnic in the Cemetery e o BOK Festival, em colaboração com o Grupo de Teatro Experimental de “Pequena Cidade”. Aliás, o seu papel assemelha-se mais ao de um agente e ao de um pioneiro. Kuong procura oportunidades para artistas. Mas até onde um artista pode ir depende do esforço que o próprio fizer. “O meu objectivo é ajudá-los a libertar o talento e a fazer aquilo que devem fazer”, declara.


O trabalho de qualidade requer tempo


Tendo trabalhado no governo por dez anos, Kuong foi curador de inúmeros festivais de artes, festivais de cinema e eventos festivos de grande escala. Agora, tornou-se produtor independente e com um objectivo muito claro. “Qualquer organização tem a sua estrutura. Ser independente não significa que eu possa fazer o que quiser, significa que sou mais capaz de pensar fora da caixa e que posso dar prioridade àquilo de que um trabalho mais precisa. O meu papel não é criar uma marca para Macau, o meu papel é fazer um bom trabalho. Desde que tenha qualidade, um conteúdo torna-se, naturalmente, numa boa marca de um lugar”.


Quando estava a trabalhar no governo, os recursos nunca foram um problema. Actualmente, tem de levar em conta a rentabilidade. Kuong admite que, agora, tem de pensar que um projecto é um investimento. “Ou é um investimento de tempo ou é um investimento no futuro. Por exemplo, um produtor deve ter em consideração a parte do investimento teatral que tem de ser suportada por si e que parte deve ser feita mesmo que não haja investidores. Um produtor tem de pesar se o espectáculo justifica o investimento”. Em 2008, Kuong assistiu a um ensaio de Playing Landscape em Taiwan. Concluiu que o trabalho ainda não estava completo e falou com o encenador e com os actores. Kuong considera que uma produção teatral precisava de pelo menos cinco anos para se desenvolver.


Cinco anos soam a luxo para qualquer grupo na área das artes. Mas, para Kuong, desde que haja o devido acordo, cinco anos podem permitir a produção de vários trabalhos de qualidade. Com a sua equipa, ele dedicou dois anos ao teatro experimental. Convidou novos membros – o músico Njo Kong Kei, que vive no Canadá, e a pintora Cindy Ng Sio Ieng, que reside em Pequim – para se juntarem ao grupo e ajudarem a encontrar bailarinos locais adequados. Também os convidou a actuar em Macau e no interior da China. Foram feitos ajustes após cada espectáculo e, em 2011, ficou definido o modelo definitivo. Em 2012, a obra final foi levada à cena no teatro, estando em digressão pela Europa e por África há vários anos. Kuong mostrou que existem muitas formas de apresentar uma peça.


Falta de apoio ao processo criativo


“Quer fazer uma performance ou quer fazer um bom trabalho?” Por vezes, a criatividade das pessoas pode ficar limitada por outros elementos, como a escassez de locais de espectáculo e a pouca disponibilidade de agenda dos mesmos. Mas, para Kuong, o trabalho é sempre o mais importante. A sua principal prioridade não é quando estrear o espectáculo. Para ele, a criatividade não passa por ter um produto acabado mas por o desenvolver. A sua colaboração com o encenador Johnny Tam é disso um bom exemplo. Em 2013, Tam convidou Kuong para produtor de um musical. Kuong dirigiu a Tam a pergunta inicial: “Quer fazer uma performance ou quer fazer um bom trabalho?”. Após ponderar, Tam decidiu que tinha de fazer um bom trabalho.


“As coisas mais importantes nesta fase são: ter um bom guião e compor boa música. Se quiser apenas fazer uma performance, posso coordenar tudo. Todavia, prefiro desenvolver as coisas por etapas. Quando nos candidatamos a subsídios, tendemos a ficar muito orientados para o produto, porque sem ele não há subsídio. Desta forma, fica-se sem espaço para criar. É como um pintor que quer realizar uma exposição e pode obter apoio para imprimir os catálogos e alugar um espaço. Mas… e a sua criatividade? No ano em que esteve a criar os seus trabalhos não teve qualquer apoio. Será que isso significa que um artista cria obras apenas porque quer realizar uma exposição? Acho que isso simplesmente não tem lógica.”


Em 2014, a primeira versão do musical M. Butterfly estava pronta. Então, os artistas começaram a aprender Ópera de Pequim na capital chinesa e mandarim em Taiwan, além de reunirem comentários. Em 2015, o trabalho estava finalizado, sendo rebaptizado como Mr. Shi and His Lover na estreia. O espectáculo foi bastante aclamado no Festival de Artes do Canadá. Todavia, no começo a equipa enfrentou muitas dificuldades. Além disso, as despesas de viagem foram elevadas e o espectáculo teve mais de dez apresentações no festival. Kuong admite ter chegado a pensar que era melhor não avançar, mas ponderou na vantagem de ter mais oportunidades de exibição e aceitou o desafio. “Recebemos alguns subsídios em Macau e obtivemos mais no Canadá. Estes apoios constituíram para cima de metade dos recursos financeiros. Inicialmente, toda a equipa de produção era composta por pessoas de Macau. Mas, com vista à candidatura a subsídios, convidámos pessoas do Canadá. O espectáculo foi um sucesso. Além dos comentários positivos, o resultado mais tangível foi o convite para uma itinerância. Quando o espectáculo acabou e ainda estávamos por lá, já tínhamos sido contactados por outros teatros e organizações de festivais. Vamos voltar ao Canadá em 2018 e 2019, para seis semanas de performances. A peça será incluída na temporada teatral do país”.


A marca Macau é apenas um slogan


Kuong diz com franqueza: “É difícil um grupo de artistas mudar todo o sistema. Apenas posso fazer o melhor possível com aquilo que tenho”. Ele acredita que não é importante se o trabalho representa um produto ou uma marca de Macau. “É apenas um artifício. O que significa ‘marca criativa’ em Macau? Significa que precisamos de destacar que somos as pessoas de Macau? Creio que isso só funciona no início de uma campanha e que a magia se perde depois. Porque é que devemos promover o facto de sermos uma equipa de Macau? É apenas um slogan ou visa obter subsídios? Então, quais são as razões para subsidiar uma produção de Macau? Parece-me que na maioria das vezes as pessoas simplesmente ignoram o facto de que é o trabalho aquilo que realmente interessa.”


A maioria dos trabalhos de Kuong são colaborações multinacionais e transversais, mas ele afirma não se tratar de algo deliberado. “Hoje em dia, muitas são as colaborações cruzadas. Embora eu não seja um artista, tenho vontade de criar algo, pelo que quero seleccionar as pessoas certas para colaborarem comigo. Escolho os parceiros de acordo com o conteúdo do trabalho. Não é que eu não seja capaz de encontrar parceiros em Macau. Limito-me a escolher as pessoas em função do que me parece melhor e a juntá-las.” Kuong também acredita que, se alguém não consegue encontrar um público que goste do seu trabalho, isso não significa que este não seja cativante. Há que procurar oportunidades. Se o público em Macau não é suficiente para apoiar aquilo que se faz, o melhor é procurá-lo noutro lugar.


Ele sublinha ainda que é fácil alguém perder-se se apenas prestar atenção a um conjunto reduzido de audiências. “Do que gosta realmente o público? Criar um trabalho que se adapte ao gosto da maioria das audiências pode não ser o forte de uma pessoa. Assim, o trabalho torna-se tão estranho que não é artístico nem divertido, situação a que se assiste com alguma frequência. Estou a tentar testar as capacidades dos artistas. Que talento têm para oferecer? Até onde conseguem ir? Espero poder ajudá-los a percorrer um longo caminho.”