Comparando os festivais de artes de Hong Kong e Macau

03 2015 | 3a edição
Texto/Bob Leong

Flora Cheung divide o tempo entre Hong Kong e Macau. Ligada à área das artes, já trabalhou em gestão de espaços culturais no Centro Cultural de Macau e no Departamento de Serviços Recreativos e Culturais de Hong Kong, onde teve oportunidade de testemunhar o desenvolvimento dos festivais de artes de ambas as regiões. Os dois festivais ganharam notoriedade no seio das comunidades e vários apaixonados pelas artes viajam de Hong Kong para Macau para assistir ao Festival de Artes, e vice-versa. Cheung é uma dessas pessoas. Com um profundo envolvimento no mundo das artes, qual é a sua opinião sobre estes dois eventos e sobre o impacto que têm um no outro?


Cheung, fiel seguidora dos dois festivais, marca anualmente presença em vários espectáculos em Macau e Hong Kong. Constata que, nos últimos anos, deu-se um aumento do número de espectadores de Hong Kong a assistir ao Festival de Artes de Macau – são atraídos pelos espectáculos de grande escala organizados no território. Além disso, os bilhetes a preços acessíveis tornam a programação ainda mais apetecível. “Pense no exemplo do Cats em 2007. Os bilhetes mais caros custavam 480 patacas, enquanto os bilhetes mais baratos para um espectáculo semelhante em Hong Kong, nos camarotes laterais, custariam 300 dólares de Hong Kong.” Embora este musical não tenha estado em Macau a convite do Festival de Artes, Cheung quer apenas demonstrar a capacidade real que este festival tem em atrair público de fora com os seus preços competitivos. “Além do mais, existe o mérito dos pacotes de viagem, como os que foram desenvolvidos pela primeira vez pelo Venetian Macau e que incluem passagens de barco com desconto e alojamento. Torna mais fácil atrair público de fora.”


Cheung considera que, além do preço dos bilhetes dos espectáculos, há outra diferença entre estes dois festivais: a estrutura administrativa. Com organização do Instituto Cultural de Macau, o Festival de Artes local é financiado pelo Governo. Já a organização do Festival de Artes de Hong Kong está a cargo de uma comissão, sendo o financiamento parcialmente garantido pelo Governo de Hong Kong. O restante financiamento é atribuído pelo Jockey Club de Hong Kong e outros parceiros comerciais. O festival funciona de uma forma auto-sustentável, que depende consideravelmente da venda dos bilhetes. “Basicamente, o Governo e o sector privado são responsáveis por 30 por cento cada no que toca a fundos atribuídos, e os restantes 40 por cento têm origem na venda de bilhetes.”


Cheung nota que, no caso do Festival de Artes de Hong Kong, o mesmo espectáculo pode ser financiado por diferentes patrocinadores em diferentes datas. Este factor revela um modus operandi mais virado para a comercialização e que se adequa ao mercado de Hong Kong. Está também relacionado com o posicionamento do Festival de Artes de Hong Kong. “No fim de contas, o público-alvo do festival tende a ser mais de classe média. Alguns patrocinadores querem convidar os seus próprios clientes para assistirem aos espectáculos que patrocinaram e até organizam recepções e cocktails antes do evento.”


Para Cheung, o Festival de Artes de Macau está ainda a tentar perceber qual o caminho a seguir. “Como o Festival de Artes de Hong Kong depende da venda dos bilhetes, a programação está muito orientada para o público. Por outro lado, em Macau, a missão principal do festival é promover o desenvolvimento das artes locais. Assim, aqui não se debate apenas a questão do público, mas o desenvolvimento a longo prazo dos grupos locais de teatro ou o desafio que é a promoção internacional das artes locais.” Com o aumento do número de espectáculos nos últimos anos, muitos grupos artísticos locais têm estado ocupados a ensaiar para os seus espectáculos mesmo durante o festival. Isto faz com que não tenham tempo para assistir e apreciar as actuações das outras companhias. Cheung acredita que, no mundo das artes, é preciso conhecer o trabalho dos colegas.


A utilização dos recursos disponíveis é outro aspecto que distingue os dois festivais. “Em Hong Kong, a produção do festival pode ser difícil e um desafio. Mesmo contando com ajuda financeira do Governo, o festival envolve inúmeros grupos artísticos e enfrenta forte concorrência. Por outro lado, é um incentivo ver o forte apoio governamental ao Festival de Artes de Macau, o que acaba por lhe conferir influência.” Cheung também assinala que um público cada vez mais exigente em Macau significa maiores expectativas. “Seja uma actuação de um grupo local ou de fora, não é um pequeno feito organizar três apresentações do mesmo espectáculo no Centro Cultural de Macau. Esta situação resulta, sobretudo, do facto de o mercado de Macau ser menor. Neste contexto, os decisores devem conhecer a dimensão do público em Macau, a fim de delinear estratégias adequadas e continuar a expandir o mercado”.