Ron Lam

Escritora a residir no Japão, especializada em design, lifestyle e jornalismo de viagem, Ron trabalhou anteriormente como editora das revistas MING Magazine, ELLE Decoration e CREAM.


Ver uma região a partir de um pedaço de tofu

45a edição | 08 2021

Um amigo meu, proprietário de um restaurante localizado em Tóquio, insiste em não se mudar de Okayama e conduz, uma vez por mês, 16 horas para Tóquio. A viagem é tão longa que, por vezes, vem a Nagoya para nos visitar e fazer uma pausa. Sempre que vem, traz-nos presentes especiais, todos relacionados com comida, claro.

 

Mais recentemente, trouxe um tofu produzido por uma loja em Hiruzen chamada Koyazuka Tofu. Como eu tinha vivido em Quioto durante muitos anos, cidade particularmente exigente com este tipo de cozinha, já tinha comido muito tofu tradicional feito, por lojas antigas, com água de nascente. Por isso, pensei que tinha demasiado conhecimento sobre esta comida para ficar impressionado com o presente. No entanto, quando o tive à minha frente, os meus olhos ficaram maravilhados antes mesmo de a minha boca o provar—a embalagem era tão bonita.


Os ingredientes do tofu são simples e constituídos apenas por grãos de soja e coagulante (feito com pó de gesso ou sal). Uma técnica de venda para os tofus alinhados nos frigoríficos dos supermercados é mostrar a origem dos grãos de soja e a ausência de aditivos químicos, etc. Outra técnica especial de venda é a reputação do nome da cidade de “Quioto”. Isso quer dizer que, mesmo que o tofu não seja produzido em Quioto, parece puxar pelo paladar dos consumidores com as palavras “ao estilo de Quioto” impressas na embalagem. Todavia, em geral, tanto os ingredientes como o estilo de embalagem dos produtos de tofu são semelhantes; os ingredientes mencionam, geralmente, o local de origem da produção, enquanto a embalagem é apresentada, principalmente, sob a forma de impressão de uma imagem do grão de soja na embalagem, ou, como no caso da Otokomae Tofu Shop, que é popular tanto no Japão como no estrangeiro, utilizando uma foto dum prato de tofu e uma ilustração dos tempos antigos em que um vendedor de tofu empurra um carrinho de madeira (encerra, portanto, em si, uma longa história).

 

Os tofus produzidos na Koyazuka Tofu não são vendidos em supermercados, mas apenas por encomenda. Além disso, a embalagem é um pouco mais sofisticada, com uma textura rugosa no papel da embalagem exterior, que é impresso, em pinceladas, com as seguintes palavras: “Método da cozinha a lenha da Koyazuka Tofu, Hiruzen Shimojiya”. Acima dessas palavras, estão impressos anéis anuais de crescimento de árvores. A simplicidade da embalagem revela a importância, para além dos grãos de soja, do fogo no processo de cozinhar tofu na Koyazuka Tofu que não utiliza gás para cozinhar, mas sim lenha.

 

Esta loja, situada em Hiruzen na província de Okayama, deixou-me uma boa impressão, difícil de descrever em palavras. Pensei que a razão pela qual o proprietário se tinha mudado de Tóquio para uma cidade desconhecida para fazer tofu era devido às belas paisagens naturais de lá. Mais tarde, quando soube da marca de alimentação Arte de Cultivar de Hiruzen (nome original japonês: Hiruzen Kou Gei), que é designada pelo nome da própria cidade, o meu interesse em conhecê-la tornou-se ainda mais forte.

 

Em 2011, o casal Yukarin mudou-se para Hiruzen e aprendeu, passo a passo, os métodos agrícolas naturais de cultivar arroz e outros produtos agrícolas sem o uso de pesticidas ou fertilizantes. O caracter de “arte” em chinês evoca imagens de obras de arte, mas, na realidade, o ideograma antigo do caracter retrata o cultivo humano da terra. O casal vê as terras agrícolas como um ponto de encontro entre o homem e a natureza, e acredita que o cultivo de comida deliciosa na beleza natural é também uma busca da beleza, daí ter nascido o nome Arte de Cultivar de Hiruzen.

 

No início da criação da marca, a Arte de Cultivar de Hiruzen apenas cultivava arroz e fazia bolos de arroz, mas nos últimos anos, tem adicionado outros produtos como o molho de soja, a farinha de soja e o esparguete. A embalagem de cada produto é bastante simples, tal como o logotipo da marca, ambos dos quais são impressos com pinceladas. Da margem das palavras dessas pinceladas, parece emanar um perfume espiritual de Hiruzen.O folheto promocional concebido pelo designer Aobato contém fotografias com ambientes tranquilos que ligam a natureza, as terras agrícolas, os ingredientes da comida e as pessoas de uma forma subtil. Nunca estive em Hiruzen, mas já imaginei tantas coisas bonitas sobre ela.

 

Kenya Hara entrevistou o artista Hiroshi Sugimoto no seu canal Podcast e começou a entrevista com as palavras: “O Japão é apenas um país que parece mais interessante para os forasteiros.” Senti uma pausa no meu coração quando ouvi isso—um mestre de design altamente renomado a ser tão directo nas suas críticas sobre o Japão. Numa retrospectiva posterior, o que ele disse soou a um comentário negativo, mas, por outras palavras, foi uma homenagem aos designers japoneses, aos artistas, e a todos aqueles que exportam a cultura japonesa, que pegaram nas coisas boas do Japão e as transformaram em obras de arte atractivas que fazem o país parecer mais interessante ao olhar do público à distância. Tanto um pedaço de tofu como uma tigela de arroz branco podem levar as pessoas a querer pisar um lugar.


Hiruzen também é um lugar que “parece mais bonito ao olhar dos forasteiros?” Ou há algo mais profundo e interessante em si próprio? Decidi ir descobri-lo quando a situação da pandemia acalmar um pouco.


林琪香_配圖.JPG

Tofu produzido pela Koyazuka Tofu; design da embalagem pela empresa de design com sede em Tóquio Eding:post.