Cheong Sio Pang

Cheong vive em Pequim, trabalha em investigação académica e gosta de escutar música clássica. As suas publicações incluem An Oral History of the Concert Band in Macao. Ele é também o autor de Macau 2014 – Livro Musical do Ano e Macau 2015 – Livro Musical do Ano. Cheong adora aprender.


O Legado do Amor

18a edição | 12 2016

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Retrato de Giacomo Puccini


Há uns meses, tive o privilégio de assistir a Turandot, a gala de ópera que abriu o 30º Festival Internacional de Música de Macau. Tratando-se da derradeira peça operática de Puccini, Turandot tem subjacente o tema da fé. Ainda que Puccini não tenha conseguido terminar esta obra no seu tempo de vida, o suspense que esta peça contém leva os espectadores a reflectir sobre o significado do próprio trabalho. Na verdade, cada elemento do público pode escrever o seu próprio fim para esta história, um processo artístico que dá ao observador um papel activo no que toca a experienciar e interpretar este trabalho. No espectáculo a que assisti, Rudy Park foi o tenor masculino, a personagem Calaf, cuja voz imensamente rica e profunda assombrou a audiência. Igualmente impressionante foi a prestação do Coro Nacional da Coreia do Sul: uma performance incrivelmente tocante marcada pela excelente articulação, musicalidade expressiva e sentido de harmonia. A juntar a isto, Lan Kos, que interpretou a personagem Liu, esteve magnífica ao cantar Quel Nome. A sua performance traduziu para música o valor que Liu dá ao amor, e deu vida a uma personagem tão disposta a sacrificar-se pelo seu amor não correspondido.


Adoptando o final escrito por Franco Alfano, o terceiro acto no qual Liu protege o amado com o seu próprio sangue culmina com um momento dramático e tocante. O sacrifício que faz por amor e os seus ideais nobres revelam as grandes expectativas e esperanças amorosas do mundo de Puccini. Um final deste género é bastante típico nestas obras. Na narrativa, Calaf comove o coração de Turandot, e os dois amantes decidem dar o nó. A história capta a pureza e a perfeição da humanidade, ideais que verdadeiramente vale a pena perseguir.


Por outro lado, o final escrito por Luciano Berio em 2002 oferece um final de suspense, mais elusivo. Esse final revela-se ao nascer do dia, quando Turandot está completamente sozinha, e não há qualquer pista sobre o que irá acontecer. Seja como for, podemos pensar que Turandot foi alienada da sua família e amigos. A escolha dos interlúdios músicas reflecte as subtis mudanças emocionais de Turandot, e o uso de elementos de música contemporânea destaca os diferentes efeitos do coro, revelando avanços artísticos alinhados com as preferências de Puccini em relação a estilos musicais.


Seria difícil comparar e classificar os dois finais. Pelo contrário, ambos os trabalhos de criação são fiéis aos desejos de Puccini, e têm o seu respectivo mérito. O final de Alfano é certamente mais ao género dos contos de fadas, e pode parecer irrealista. No entanto, a caixa de Pandora percebeu o conceito de esperança na vida das pessoas. Acredito que apesar da natureza irrealista deste final de conto de fadas, é justificável retratar a esperança como um elemento importante da vida. Pode parecer um cliché, mas também tem um quê de verdade.


Na performance apresentada em Macau, foi possível perceber que a organização apoia os grupos artísticos e artistas locais, tendo comissionado uma série de músicos para actuarem como convidados. Ao mesmo tempo, actores locais tiveram a oportunidade de estar em palco. O desempenho destes artistas locais sairia beneficiada com mais prática e mais treino que lhes permitisse atingir os standards internacionais. Contudo, é essencial dar a estes artistas oportunidades amplas para participarem e mostrarem o seu trabalho, para que possam continuar a melhorar. Talvez não recebam papéis principais no começo mas, desde que trabalhem afincadamente e retirem o melhor dos seus papéis em palco, o público terá sem dúvida o discernimento de reconhecer os seus esforços. Por exemplo, no segundo acto em que os três ministros – Ping, Pang e Pong – fazem a sua retirada, pudemos ver um empregado que empurrava uma caixa, e os seus passos estão sincronizados com a música de fundo. Esta harmonia entre música e gestos dramáticos torna-se num diálogo musical entre o elenco e a audiência. Deste modo, mesmo não sendo as personagens principais do espectáculo, os bons detalhes da sua actuação deixarão uma impressão forte e, a seu tempo, prepará-los-ão para papéis mais importantes.