Ron Lam

Escritora a residir no Japão, especializada em design, lifestyle e jornalismo de viagem, Ron trabalhou anteriormente como editora das revistas MING Magazine, ELLE Decoration e CREAM.


Livrarias Secretas de Quioto

14a edição | 04 2016

A Tsutaya Books abriu uma filial perto do Santuário de Heian, em Quioto. A livraria está localizada no antigo Kyoto Kaikan, um edifício projectado pelo falecido arquitecto Maekawa Kunio. A abertura rapidamente se tornou tema de conversa na internet. Localizada numa tão relevante zona histórica, a livraria possui uma secção que vende livros sobre a arte em Quioto e sobre artesanato tradicional, história e cultura do Japão. Eu não estou entusiasmado por aí além com a loja e ainda não fiz planos para uma visita. Talvez porque existem, em Quioto, livrarias independentes interessantes em número suficiente para me manter ocupado.


Uma das que visitei recentemente é a Daiki Bookstore, que fica mesmo ao lado da Gojo Dori e é gerida por um arquitecto. Na Daiki, os livros giram em torno dos temas da arquitectura, fotografia e lifestyle. Este pequeno espaço em forma de L está dividido em duas partes: um escritório e uma livraria. A área de venda de livros é um cubículo. A selecção das obras é pequena mas de excelência. Existem apenas duas estantes ao longo das paredes, mas com livros suficientes para se ficar a ler durante uma tarde inteira. Se o seu interesse for a história da arquitectura japonesa e o design de jardins, a Daiki é aonde deve dirigir-se.


Outra livraria que recomendo é a Hohohoza, em Shirakawa Dori. Se é um bibliófilo e já esteve em Quioto antes, certamente ouviu falar da Gake Shobo, uma livraria localizada perto da Universidade de Arte e Design de Quioto e que tinha, como parte da decoração, a dianteira de um automóvel a sair do edifício. O dono da livraria, Yamashita Kenji, é o proprietário da Hohohoza. O ano passado, Yamashita encerrou a Gake Shobo. Uniu esforços com o seu amigo Matsumoto Shinya para gerir a Kotobayonet e alugou o rés-do-chão do antigo edifício onde esta funcionava. Depois, juntou os dois espaços e baptizou a área resultante de Hohohoza. O rés-do-chão vende livros novos, enquanto o primeiro andar vende livros em segunda mão e artigos em cerâmica, entre outras coisas.


Yamashita aplicou o mesmo modelo de negócio a este novo estabelecimento. A grande mais-valia de Hohohoza é a sua extraordinária colecção de zines locais e bugigangas feitas por malta nova. Além de vender livros e outras coisas, a Hohohoza também funciona como editora independente. The Day We Started a Coffee Shop, o primeiro livro a que deu chancela, está em exposição na estante perto da entrada principal da livraria. O volume reúne histórias sobre cafés em Quioto, bem como entrevistas a mulheres que procuram uma vida melhor. Faça uma visita à Hohohoza e verá como ela nos recorda o poder da edição de autor no Japão.


A Seikosha é uma livraria fundada o ano passado por Horibe Atsusi, que antes dirigira a Keibunsha, e está situada num bairro do distrito de Kawaramachi Marutamachi. Horibe tem uma abordagem única ao mercado livreiro. Quando assumiu o comando da Keibunsha, decidiu que não ia seguir o processo de aquisição convencional. Recusando-se a contar com os distribuidores, preferiu contactar directamente as editoras. Ao fazê-lo, não apenas reduzia substancialmente o custo dos livros como obtinha uma diversidade de obras superior à que conseguiria através dos distribuidores. Isto porque, normalmente, os distribuidores apostam em livros que são best-sellers nas grandes cadeias livreiras, com as quais as pequenas livrarias têm dificuldade em competir. Assim, Horibe pediu a todos os funcionários que assumissem o papel de clientes e seleccionassem livros e outras coisas que gostassem de ver à venda naquele espaço. Agora que tem a sua própria livraria, continua a encomendar directamente aos editores.


Embora as cadeias livreiras possuam uma selecção de livros mais vasta, não oferecem o ambiente acolhedor das livrarias de bairro. O futuro das livrarias no Japão está em perigo. O número de livrarias em todo o país é actualmente de 13.000, menos um quarto do que há dez anos. Curiosamente, apesar de as livrarias estarem em declínio, vão surgindo livreiros independentes. Talvez o que Horibe disse seja verdade: as livrarias secretas vão sobreviver desde que exista uma nova atitude, e continuarão a apoiar a comunidade.