Johnny Tam

Realizador teatral e director artístico do Grupo de Teatro Experimental de Pequena Cidade. Viveu e trabalhou em Xangai e Berlim. As obras recentes incluem O Sr.Shi e o Seu Amante Lungs.


Porque não podemos contornar o “comercialismo”?

41a edição | 11 2020

Lembro-me de que quando estava a estudar na academia de teatro, muito poucas pessoas falavam em público sobre o aspecto comercial da arte, porque era crença geral que a arte deveria ter um estatuto superior e não poderia ser medida por valor comercial. Mas, secretamente, estão todos, na verdade, a perguntarem-se: “Porque é que não sou eu quem é famoso, se actuo melhor que ela?” O meu trabalho não está directamente relacionado aos palcos, mas, se conseguir especializar-me na teoria desta área, talvez possa ajudar as pessoas à minha volta a evitar um desvio? No entanto, no final, descobri que não tinha quase nenhuma compreensão da área. Quando se sai da escola e entra-se no mercado de trabalho, conhecem-se mais investidores e produtores, e percebe-se que a maior parte dos parceiros está, de facto, interessada no seu valor comercial. Uma vez que o talento é resultado de cultivo pessoal, a verdadeira habilidade é aquela que permite transformar o talento em valor. O talento é valioso, e a capacidade não tem preço—ambos são dons inestimáveis, mas são poucas as pessoas que possuem ambos. No entanto, a nossa sociedade está em busca de tais artistas, e quanto mais plataformas fazem da arte um critério, mais nos preocupamos com a assistência. Na maioria das vezes, referimo-nos às relações comerciais com expressões mais agradáveis ao ouvido, mas no final é a mesma coisa.


A comerciabilidade é um conceito muito importante na nossa sociedade, não apenas na arte mas, também, quando compramos um vestido, um par de sapatos, ou vamos a um cabeleireiro para cortar o cabelo, cada julgamento está ligado a esse valor. Sabe quantas projecções são feitas pelo nosso cérebro quando olhamos para algo e pensamos: “Gosto mais desta, parece-me que me fica melhor?” Frases como “Faz-me parecer mais fresco; faz-me mais jovem; faz-me mais enérgico” significam uma forma de olhar para as coisas que valorizam a pessoa, uma máquina que classifica constantemente as coisas, uma teoria que classifica as coisas numa escala.


No entanto, como deve ser entendida a natureza comercial da arte?


Penso que o aspecto comercial da arte tem determinados níveis, e o mais fácil de se entender é como o trio “qualidade—embalagem—comercialização” pode tornar algo valioso para que mais pessoas possam ver. Os valores de que aqui falamos não fazem distinção entre bom ou mau, desde que se trate de algo que se pense ser valioso. Tomemos como exemplo o teatro. Quando falamos de um guião, não é suficiente arranjar um bom actor para o representar, nem é suficiente encontrar alguém que saiba actuar bem e tenha bom aspecto, é preciso encontrar, para o papel, um actor que, para além de actuar bem e ser bonito, seja também famoso. Este processo é a embalagem. Após a embalagem, há que se comercializar bem o produto; a etapa a seguir é a chamada estratégia de marketing, em que se busca enfatizar o produto por meio do exagero (hype). Na minha opinião, quase todas as considerações que não se referem à qualidade, referem-se à embalagem, e todas as considerações que não se referem a embalagem já não têm nada a ver com a arte, nem deviam ter nada a ver com o artista. Se a obra tem mais atributos comercializáveis ou ideais para as estratégias de marketing, de tal forma que redesenham os detalhes da qualidade, esse é o aspecto comercial da arte. 


A seguir, gostaria de falar sobre o porquê de precisarmos do comercialismo.


“Nenhum homem pode viver ou trabalhar sem os seus próprios desejos.” Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas de Dale Carnegie


Para falar sobre esse tema, talvez tenha que voltar aos instintos humanos e considerar porque temos necessidades, porque nos tornamos viciados em algo. Talvez seja um desejo? Qual é, então, a causa do desejo? Muitas experimentos psicanalíticos mostraram que as pessoas são mais influenciadas pelas suas emoções do que pelo seu raciocínio. Mesmo que não se precise, necessariamente, de algo, seremos instigados ou encorajados a crer que precisamos e, quando isso acontece, escapa-nos ao controlo do intelecto. Assim, quanto mais compreendemos as fraquezas humanas, mais compreendemos as fraquezas do público, e mais compreendemos o que o público quer. Esse ponto de vista pode ajudar-nos a responder, a nível psicológico, porque não conseguirmos contornar o lado comercial das coisas.


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A Evolução do Amor, dirigida pelo próprio autor em 2021.