Tracy Choi

Realizadora. Ganhou em 2012 o Prémio do Júri do Festival Internacional de Cinema e Vídeo de Macau com o documentário “Aqui Estou”, o qual foi exibido, a convite, em vários festivais de cinema na Ásia e na Europa. Posteriormente, a realizadora frequentou o curso de mestrado em produção cinematográfica na Academia de Artes Performativas de Hong Kong, tendo a sua obra “Sometimes Naive”, resultante da graduação, sido seleccionada para competir no Festival de Cinema Asiático em Hong Kong em 2013. Por sua vez, o documentário “Farming on the Wasteland” foi galardoado com a Menção Honrosa do Júri no Festival Internacional de Cinema e Vídeo de Macau 2014. A sua recente obra “Sisterhood”, seleccionada para competir no 1.º Festival Internacional de Cinema de Macau, conquistou o Prémio do Público de Macau e foi nomeada para dois prémios na 36.ª edição dos Prémios Cinematográficos de Hong Kong.

 


Hobby e trabalho

33a edição | 06 2019

É muito gratificante poder transformar o nosso próprio hobby no nosso trabalho. Ouvimos este tipo de comentários o tempo todo. Mas vale a pena discutir de um modo mais profundo sobre se é verdade ou não.

 

Voltemos atrás no tempo e falemos sobre os meus dias na universidade. Eu era uma rapariga bastante rebelde naquela época. Pouquíssimas pessoas pensavam que a indústria cinematográfica de Macau poderia ser realmente qualquer coisa naquela época. Dito isso, ninguém achava que fosse possível ganhar a vida a fazer filmes. Mesmo hoje, ainda é relativamente difícil ter rendimentos suficientes ao trabalhar simplesmente nesta indústria. Mas já não é impossível. À época, eu tinha ideias ingénuas para mim mesma. Sentia que se não pudesse fazer filmes depois de me formar, deveria pelo menos passar quatro anos da minha educação universitária a estudar algo de que gostasse. Pensei que isso poderia aproximar-me mais dos filmes. Olhando para trás, essa decisão beneficiou-me. Como tinha a impressão de que não seria capaz de fazer filmes no futuro, eu tinha uma mentalidade aberta a tudo na universidade. Durante a minha licenciatura, levei todas as disciplinas muito a sério. Eu era curiosa sobre tudo o que se relacionava com filmes e estava fortemente motivada para aprender mais. Não me sentia cansada. Quer fosse a apreciar filmes, a analisá-los ou a estudá-los, tudo me entusiasmava. Não precisava de nenhum outro incentivo para continuar.

 

Agora, ocasionalmente dou aulas em algumas universidades como professora em regime part-time. Às vezes a atitude dos alunos na sala aula decepciona-me. É claro que não estou a ensinar alunos que estudam cinema. Mas presumo que os alunos estão interessados em fazer filmes ou frequentaram uma licenciatura relacionada com cinema, já que decidiram escolher a minha disciplina. Talvez não seja assim tão importante se eles prestam atenção na aula ou não. A decepção vem do facto de eu não conseguir ver o seu desejo de aprender. É como se eles fossem forçados a estar ali e a obter uma educação universitária. Acho que isto não faz qualquer sentido. Se estes estudantes só vão para a universidade para conseguir um diploma e ter algum tipo de reconhecimento social, então a experiência universitária será certamente dolorosa para eles. Mas por vezes também sinto que entendo estes alunos. Afinal, nem toda a gente pode descobrir rapidamente aquilo de que gosta. Também é verdade que nem todos estão em posição de poder estudar o que querem. No entanto, a vida é curta. É realmente um desperdício passar quatro anos sem qualquer noção na universidade.

 

Depois de começar a trabalhar, entrei numa realidade diferente. Voltei para Macau e trabalhei numa estação de televisão por um curto período de tempo depois de me formar na universidade. Também fiz trabalhos de publicidade antes. Os trabalhos que estava a fazer parecem ser relevantes para quem trabalha em cinema. Mas eu não estava feliz. Às vezes perguntava-me por que ainda achava difícil desfrutar do que estava a fazer, embora tentasse transformar o meu hobby num trabalho. Uma vez ouvi que existem vários elementos-chave para um “bom trabalho”. Um “bom trabalho” deve proporcionar um salário alto e um bom pacote de benefícios. Não deve consumir a nossa vida e deve ser agradável. Além disso, deve dar às pessoas uma sensação de propósito. Geralmente, é positivo se o nosso trabalho tiver um ou dois destes elementos. O trabalho na estação de TV tinha um bom salário e bons benefícios. E eu tinha também muito tempo para poder desfrutar fora do trabalho. Mas eu não gostava. E também não me dava uma sensação de propósito. Essa foi a razão pela qual comecei a considerar se aquele trabalho era realmente adequado ou não para mim. Comecei a pensar se havia coisas que eu realmente quisesse fazer. No final, cheguei à conclusão de que fazer filmes era o que realmente desejava. Queria poder ter um trabalho relacionado com a indústria cinematográfica. Depois de muita consideração, decidi ir para Hong Kong e fazer um mestrado em estudos de cinema.

 

A minha vida de estudante de pós-graduação em Hong Kong foi óptima. Como disse antes, eu era como uma esponja, ansiosa para absorver todo o conhecimento que pudesse vir parar às minhas mãos. Mas tinha ainda questões muito práticas a considerar depois dos meus estudos de pós-graduação. Não posso ganhar a vida a fazer filmes em Macau. Então, tive de mudar a minha própria mentalidade no começo. Para continuar a fazer filmes, tive primeiro de fazer outros trabalhos para me sustentar. Os dois primeiros anos foram difíceis. Às vezes não tinha sequer cem patacas na minha conta bancária, então não conseguia sequer levantar dinheiro. Quando as coisas estavam muito difícil, às vezes considerei encontrar um trabalho a tempo inteiro e adiar a minha carreira cinematográfica. Mas naquela época eu estava à espera da oportunidade para fazer a minha primeira longa-metragem. Se começasse a trabalhar a tempo inteiro, não seria capaz de preparar-me completamente para isso. Também seria injusto para o empregador que estaria a pagar-me. Por fim, decidi continuar a fazer diferentes trabalhos.

 

Quando finalmente tive a oportunidade de fazer um filme, ficou claro para mim como é realmente transformar um hobby em trabalho. Produzir um filme não é tarefa fácil. Na fase inicial, é preciso estar preparara para todos os tipos de coisas e procurar investimento. Durante o processo de filmagem, é preciso aguentar uma grande pressão. Depois de terminadas as filmagens, preocupa-nos que produto final seja mau. Mas gostei realmente do processo, especialmente quando precisei ver vários filmes para recolher informação relevante. Naquele momento, senti que era um grande privilégio poder fazer da realização de cinema a minha carreira, uma vez que é algo que amo tanto.

 

É por isso que acho que transformar o nosso hobby em trabalho nos faz felizes. Mas não é certamente fácil conseguir um trabalho assim.