Un Sio San

Un obteve a dupla licenciatura em Língua Chinesa e Arte (produção de cinema e televisão) da Universidade de Pequim e o duplo mestrado em Estudos da Ásia Oriental e Estudos da Ásia-Pacífico da Universidade de Toronto nas áreas de investigação em literatura e cinema. Ganhou o prémio de Henry Luce Foundation Chinese Poetry & Translation e foi poeta residente no Estúdio Criativo de Vermont nos EUA. Foi convidada a marcar presença em vários festivais internacionais de poesia tal como o festival realizado em Portugal e trabalhou como letrista da primeira opera interior original de Macau “Um Sonho Perfumado”. Publicou algumas colecções de poemas nos dois lados do estreito e tem-se envolvido no meio académico e em publicação por muito tempo, além de escrever colunas para meios de comunicação em Taiwan, Hong Kong e Macau.


Estrelas, luzes de rua e promoção profunda da cultura—o caso das livrarias abertas em áreas rurais

42a edição | 12 2020

Foi com grande entusiasmo que fui para a cidade antiga de Shaxi. Enquanto única cidade mercantil do milénio sobrevivente da rota antiga do comércio de chá, além das características antiga e simples, encontramos também a recém-inaugurada Livraria Shaxi Baizu da Librarie Avant-Garde.


A livraria fica na área de residência do povo Bai, a uma distância de meia hora do centro histórico da vila. Ao longo do caminho, apenas riachos e campos de arroz, nenhum comércio. De vez em quando, podem ver-se hipsters e estrangeiros a passear no caminho de “peregrinação”, algo a que os aldeões já estão habituados.


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Livraria Shaxi Baizu da Librarie Avant-Garde


Postes de iluminação vs. estrelas: a disputa entre o desenvolvimento e a proteção do renascimento rural


Desde 2014, a Librairie Avant-Garde, originária de Nanjing, abriu sucessivamente várias livrarias em aldeias remotas com uma longa história: a Livraria Bishan no condado de Yixian, província de Anhui, a Biblioteca Yunxi em Tonglu, Zhejiang, a Livraria Chen dos Civis em Songyang, Zhejiang, e a Livraria Shuitian em Pingnan, Fujian; a Livraria Shaxi Baizu, em Shaxi, Yunnan, é a quinta livraria a abrir numa área rural.


A “localização” é a chave para o sucesso das livrarias rurais, não se trata apenas de abrir a livraria propriamente dita mas é também necessário uma investigação e revitalização profundas, reconstruindo o espaço público com as livrarias e integrando as bibliotecas comunitárias e os centros de actividades culturais. A selecção do livro, a estratégia de apresentação e o desenvolvimento dos produtos criativos culturais da livraria rural também devem basear-se no critério da “localização”. Além de usar as palavras-chave com os elementos de Yunnan, como “Jianchuan”, “Dian” e “Nanzhao”, para rotular e classificar os livros, a Livraria Shaxi Baizu também transformou os típicos Baizu Jiama (uma xilogravura folclórica de Dali, Yunnan), gato de barro e tecidos tingidos em lembranças turísticas.


Não há nenhuma dúvida de que a pandemia dificultou a sobrevivência das livrarias físicas. A Livraria Eslite Dunnan em Taipei fechou, a DUKU está a vender os seus livros em promoção e a One Way Street Library pediu ajuda em crowdfunding. Até as livrarias independentes famosas como a Strand em Nova Iorque, a City Lights em São Francisco e a Shakespeare em Paris estão, igualmente, em risco de falência...Assim, perante esta conjuntura, será possível obter lucro ao abrir livrarias em zonas rurais? 


Desde a segunda metade do século XX, os intelectuais de todo o mundo começaram a utilizar o ideal “retornar para o local natal” como um meio de movimento social ou de experiência utópica. São exemplos disso o movimento “voltar à terra” (back-to-the-land movement) dos hippies americanos, a revivificação da terra da Echigo-Tsumari Art Triennale no Japão e até mesmo, nos últimos anos, o aparecimento de jovens agricultores e o cuidado pelo mundo rural em Taiwan e Hong Kong.


O “Projeto Bishan”, liderado pela famosa estudiosa cultural Ou Ning e lançado em 2011 no Interior da China, é uma continuação das experiências rurais de Yan Yangchu e de Liang Shuming e do pensamento anarquista de Kropotkin; é, assim, um representante do reinício da vida rural pública. No contexto da crise provocada pelo desequilíbrio da relação urbano-rural e do capitalismo agrícola global, este projecto tenta encontrar uma forma de revitalizar as zonas rurais através da literatura.


O que as experiências rurais frequentemente enfrentam é o dilema entre o desenvolvimento e a proteção—os moradores querem a modernização, querem construir postes de iluminação pública e receber mais visitantes, enquanto os turistas querem a preservação do meio ambiente, observar as estrelas e sentir-se num mundo idílico. O “Projeto Bishan”, que sofreu intervenção governamental e desconfiança por parte do público, também terminou, e com polémica, depois de vários anos. Felizmente, o projeto da livraria nas aldeias ainda está a correr bem.


Promoção profunda da cultura com base na continuidade


A maior surpresa que a Livraria Shaxi Baizu me deu foi a tradução chinesa do Memorial do Convento do escritor português José Saramago, com curadoria e publicação de Macau, que encontrei na caixa registradora. O livro faz parte da “Biblioteca Básica de Autores Portugues” lançada conjuntamente pelo Instituto Cultural de Macau ainda antes do regresso de Macau à Pátria e pela Editora de Literatura e Arte de Huashan, sendo a primeira publicação que introduziu obras literárias portuguesas de destaque no meio chinês. São livros antigos de há 24 anos e que têm recebido pouca atenção em Macau.


Perguntei ao funcionário: “Como está a vender este livro?”


“Sabes bem, irmão! Todos os funcionários têm um! Tem boa reputação e há muita gente que vem à sua procura”.


Quem teria pensado que as áreas rurais de Yunnan, Macau e Portugal, com mil milhas de distância, iriam estabelecer assim uma relação silenciosa de livros com a circulação de apenas um? Se calhar, isto é o charme dos livros. A publicação dos livros não é para fama pessoal, mas para a disseminação do conhecimento e a promoção cultural baseados na continuidade.


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Tradução chinesa do Memorial do Convento publicada em Macau


O dono da Librarie Avant-Garde, Qian Xiaohua, disse uma vez: “Cuidar das zonas rurais é cuidar da China” e “Quanto mais local, mais internacional.” Do ponto de vista da “promoção cultural”, não é difícil entender a razão de abrir livrarias, e não cinemas ou teatros, em aldeias remotas mesmo correndo o risco de perder dinheiro.


No contexto da antiglobalização e da antiurbanização, será que as questões urbanas e rurais não são importantes para a gente de Macau e que estes só sabem “regressar ao campo para visitar os familiares”? Não estará já iminente a concretização do plano da Grande Baía que potenciará o desenvolvimento da região de Hengqin, a ajuda a Macau e o desenvolvimento tanto das cidades como das aldeias?