Durante a pandemia: indústrias culturais e criativas lutam por sair da crise

06 2020 | 39a edição
Texto/Ariel Law

À medida que a pandemia da COVID-19 se disseminou pelo mundo, os governos incentivaram os seus cidadãos a ajudar na contenção do vírus ficando em casa. Consequentemente, as galerias foram encerradas e os festivais de arte cancelados ou adiados. Não há dúvida de que as indústrias culturais e criativas foram duramente afectadas pela pandemia. Contudo, os desafios geraram inspirações. E as indústrias culturais e criativas de Macau estão a inovar para superar as dificuldades decorrentes da crise.

 

Cruzamentos que ajudam a conter a COVID-19

 

Enquanto permanecemos em casa a dar o nosso contributo para o combate à COVID-19, também as indústrias culturais e criativas de todo o mundo ajudam, cada uma à sua maneira. Por exemplo, a marca de alta-costura LVMH Group anunciou a conversão das suas fábricas de perfumes para a produção de desinfectantes para as mãos, enquanto a Dior começou a produzir máscaras faciais. Durante a quarentena em casa, concluímos que não apenas necessitamos de alimentar o corpo como de nutrir o espírito com produções advindas das artes e do entretenimento. Por isso, alguns artistas decidiram colocar os seus trabalhos online e partilhá-los com o mundo. Veja-se o exemplo do Social Distancing Festival. A iniciativa desafiou artistas de todo o mundo a enviarem os seus trabalhos para a Internet, de modo a chegarem ao público. O Repertory Theatre de Hong Kong também lançou o programa “Reviewing Classics”, que permitiu às pessoas votar na peça clássica que mais desejam rever. A peça com mais votos ficou disponível para streaming a 21 de Março. Por seu lado, o Smithsonian American Art Museum concebeu a iniciativa “Experimente a arte americana em casa”, para permitir ao público ver exposições online.

 

De offline para online

 

As indústrias culturais e criativas de Macau também decidiram inovar ao enfrentar os desafios da pandemia. A Associação de Representação Teatral Hiu Kok partilhou online o seu trabalho February 29 no dia 1 de Março. A companhia adiou ou cancelou mesmo a apresentação de peças como Same Time, Next Year, revelou Hui Koc Kun, o director artístico da companhia, que originalmente planeava realizar seis a oito espectáculos entre o final de Fevereiro e Março no Centro Cultural de Macau. A companhia teatral previa, inclusivamente, abordar algumas empresas no sentido de estas ajudarem a promover a venda de bilhetes. No entanto, vários equipamentos culturais tiveram de fechar portas devido à pandemia, forçando Hiu Kok a adiar os seus planos. “Se a ideia funcionasse, continuaríamos nessa linha de negócio e até levaríamos à cena novas produções. Não precisaríamos de recorrer ao apoio do governo. Todavia, perante a situação, agora não temos nenhum espectáculo para apresentar. Nem teremos no segundo semestre do ano. Mesmo que pudéssemos ter acesso a algum local para levar as peças à cena, muito dificilmente contaríamos com o patrocínio de empresas, dado o impacto económico da pandemia no tecido empresarial. Quem nos ajudaria a promover as actuações?”


IMG_4333.jpg

O teatro Hiu Kok partilhou a sua sessão de February 29 com o público na Internet  

Foto cedida pelo entrevistado

 

As digressões de Hiu Kok a outros destinos, como o interior da China ou o Brasil, foram todas canceladas por causa da pandemia. Mas, “quando há um desafio, há também uma oportunidade”, sublinhou Hiu. Assim, durante esse período especial, Hiu Kok reflectiu sobre o desenvolvimento da indústria do teatro e decidiu disponibilizar o trabalho February 29 na Internet. Um gesto pioneiro por parte de uma companhia teatral macaense. “Não foi propriamente uma acção estratégica. Estávamos a pensar que não podíamos limitar-nos a esperar sentados. Tínhamos de fazer alguma coisa”, recordou. “Então, decidimos pôr February 29 online. Não estou preocupado com o número de visualizações que vamos obter. Desde que haja quem aprecie este nosso trabalho, já ficamos satisfeitos.”


83310462_2655304997891663_8666260636205842432_n.jpg 83320773_2681941965227966_2072777489364549632_n.jpg

A peça de teatro Same Time, Next Year foi adiada devido à pandemia da COVID-19  

Foto cedida pelo entrevistado

 

Segundo Hiu, a colocação de produções na Internet gerou um debate de opiniões entre os seus amigos, com alguns a sugerirem actividades alargadas ou um esforço na recriação das histórias. “Alguns amigos mencionaram a possibilidade de ser disponibilizado conteúdo suplementar, como críticas ao trabalho apresentado, ou outras actividades que tornassem o teatro divertido para o público neste diferente contexto”, declarou o responsável. “Eu fá-lo-ia, mas apenas futuramente, uma vez que, de momento, conto com pouco tempo e com poucas pessoas. Porque isto pode, de facto, ser mais significativo. Ou seja, não nos limitarmos a colocar trabalhos na Internet, mas aproveitarmos os benefícios desta tecnologia para impulsionar o desenvolvimento da arte.”

 

Melhorar o design e ficar preparado

 

Enquanto as companhias de teatro começavam a trabalhar activamente para expandir os seus canais, também as lojas de souvenirs procuravam adaptar-se à situação causada pela pandemia. De acordo com o proprietário da marca de lembranças O-Moon, Jet Wu, uma série de planos foi adiada devido ao vírus e várias lojas em áreas turísticas foram significativamente afectadas pela COVID-19. “Às vezes, tínhamos apenas um volume de vendas de dois dígitos. Nalguns dias as vendas foram nulas. Noutros casos, concretizámos apenas algumas centenas ou menos de cem patacas”, revelou Wu com um sorriso amargo. “Às vezes, as vendas atingiam os quatro dígitos aos fins-de-semana. Antes da pandemia, o desempenho das vendas era muito melhor.” Actualmente, a marca O-Moon conta somente com uma loja aberta em Macau. A loja de Taipa só abre aos fins-de-semana, dado ser necessário reduzir os custos e porque alguns funcionários ainda não regressaram a Macau para trabalhar. “Abrir todos os estabelecimentos agora seria pura e simplesmente um desperdício de dinheiro, uma vez que não há clientes”, explicou Wu.


1-2-1000x750.png

A O-Moon lançou uma promoção de oferta de um artigo na compra de outros dois, em resposta ao impacto da pandemia da COVID-19 no negócio.  Foto cedida pelo entrevistado

 

Para mitigar o impacto da pandemia da COVID-19, a O-Moon lançou uma campanha em que, na compra de dois artigos, há oferta de um, como forma de atrair a clientela. Do ponto de vista de Wu, medidas de estímulo ao consumo do tipo cartão-presente podem não se mostrar eficazes, dado que os residentes tendem a dar prioridade à aquisição de bens que suprimam as necessidades diárias, em detrimento de lembranças. Mas Wu também vê um lado positivo no quadro da pandemia. “Temos de ser optimistas e prepararmo-nos para o crescimento exponencial quando a situação melhorar. Não podemos deixar que o desespero nos vença”, disse Wu. Por exemplo, embora a pandemia tenha realmente reduzido as oportunidades de negócio, ela veio facultar aos designers mais tempo para se inspirarem e dedicarem a novas criações. Agora, há tempo suficiente para as marcas planearem em detalhe os seus passos futuros. “Estamos a ponderar transformar o nosso negócio de lembranças numa marca de moda. Queremos passar gradualmente dos cartões postais e cintos de bagagem para as bandanas e malas. O objectivo é produzirmos artigos que sejam para todos, não apenas para os turistas.” Além disso, várias empresas e organizações, caso da Orbis, estabeleceram parcerias com a O-Moon em projectos de design de promoções. “Como não é um bom momento para o mercado grossista, estamos a aproveitar para trabalhar com outras empresas e organizações no sentido de reforçar a nossa reputação. Após a pandemia, havemos de recuperar!”, assinalou Wu.


60088060_870026413350163_1140241378169585664_o.jpg 74908158_1012566879096115_3290024766408228864_o.png

A O-Moon lançou uma promoção de oferta de um artigo na compra de outros dois, em resposta ao impacto da pandemia da COVID-19 no negócio.  Foto cedida pelo entrevistado

 

No entanto, Wu não tem certezas quanto ao futuro. “Tudo é ainda muito incerto. Mesmo que façamos uma planificação perfeita, pouco pode ser posto em prática enquanto a pandemia decorrer. Isso significa que, neste momento, o que mais importa é saber quando estaremos livres dela!”, concluiu.


66648692_915906825428788_6982428015003172864_o.jpg

A O-Moon lançou uma promoção de oferta de um artigo na compra de outros dois, em resposta ao impacto da pandemia da COVID-19 no negócio.  Foto cedida pelo entrevistado