Rai Mutsu

Poeta, romancista e colunista de Macau. Os seus trabalhos publicados incluem Passagem de Ano no Largo de São Domingos, uma colecção de contos, Roda Gigante e Um Mundo Ficcional, uma colecção de poesia e prosa; e uma série de vídeos promocionais sobre a literatura de Macau, publicada em conjunto com o poeta Cheang Ga Aya.


A importância do cinema comercial

10a edição | 10 2015

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No filme El Espinazo del Diablo (2001) do consagrado realizador Guillermo del Toro, há uma cena em que Carlos, a personagem principal, vê um menino a desenhar e diz-lhe: “Já que gostas tanto de desenhar, vou escrever histórias para que no futuro as possas desenhar.” O jovem rapaz responde que não precisa das histórias de Carlos porque pode desenhar as suas próprias histórias.


E por que razão mencionei assim do nada o filme produzido pelo realizador espanhol Pedro Almodóvar Caballero? Vamos voltar ao tema deste texto – a relação entre os romances, o cinema, a promoção e o marketing.


Aqueles que têm acompanhado o desenvolvimento do cinema actual de Macau acreditam certamente que os argumentos são relativamente fracos. O ritmo lento e a utilização infeliz de bandas sonoras para despertar emoções entre o público são os principais problemas na fase inicial de desenvolvimento em quase todos os sítios e, por isso, não é razão para nos preocuparmos. Todos os filmes têm como objectivo introduzir melhorias, mas o público pode não crescer juntamente com elas. Por isso, dominar a linguagem cinematográfica através do cinema comercial é a única saída. Já a forma como seguir o caminho artístico, aprofundar certo tema ou romper com as rotinas básicas da linguagem cinematográfica e do cinema comercial, essa é uma história que fica para mais tarde. Nem todos gostam das obras espirituais e radicais do mestre progressista e do free jazz John Coltrane, mas como o músico conquistou inicialmente os corações dos seus fãs com músicas líricas antes de regressar ao seu género favorito, a atenção que recebeu é inigualável. Isto vem demonstrar mais uma vez que romper a ligação com os trabalhos comerciais para explorar e praticar a criação de pós-arte é uma escolha e não uma impossibilidade.


Hoje em dia muitas pessoas são criticadas por se defenderem em nome da arte quando não conseguem criar algo que vá ao encontro do gosto do público. A verdadeira questão é que estas pessoas não têm nenhum trabalho comercial que prove as suas competências. Mas será que estas pessoas precisam mesmo de provar alguma coisa? Neste mundo orientado pelos currículos de cada um, nada pode ficar por provar e desempacotar, especialmente nas indústrias culturais e criativas. Uma pessoa precisa de pelo menos um “sucesso comercial” e um prémio na área da arte para ser credível. Em última instância, o que é que se pretende alcançar com os trabalhos produzidos? Por outro lado, quando um trabalho está terminado, como pode ser reconhecido? Estas questões envolvem muita análise e tratamento profissional antes e depois do nascimento de um produto.


A população de Macau não poupa na compra e consumo de filmes, especialmente nesta era digital. Basicamente, as pessoas compram um bilhete para ver qualquer coisa que tenha sido aclamada pela crítica. Por exemplo, a peça Lungs foi considerada altamente emocionante. E claro que as pessoas começaram logo a comprar bilhetes para assistir ao espectáculo. A denominada avaliação técnica da indústria e o reconhecimento artístico não têm o mesmo impacto do que quando os internautas vão passando a palavra, dizendo que este é “um bom espectáculo”. Mesmo que este não seja considerado um sucesso comercial em Macau, se conseguir movimentar um público profissional, como escritores e críticos, vai pelo menos dar que falar e ganhar reputação, o que é benéfico para qualquer peça que venha a seguir.


Portanto, voltando ao El Espinazo del Diablo, qual foi exactamente o elemento incorporado que lhe valeu a fama? Em primeiro lugar, o núcleo da história não está relacionado com espíritos – basicamente centra-se na natureza humana e o método de apresentação é bastante artístico. Mas as histórias sobre espíritos atraem multidões. Incluir fantasmas nos argumentos é uma vantagem ao nível do conteúdo e ajuda a gerar uma resposta do mercado. Existem formas de tratar temas mais profundos com técnicas comerciais? Existem formas de criar conteúdos mais pessoais com maior tensão dramática e valores universais? Isto não é um imperativo, mas se for alcançado então o produto final obterá uma melhor resposta.


(Série “Quando a literatura se encontra com o cinema; quando o cinema se encontra com a literatura” – parte I)