Un Sio San

Un obteve a dupla licenciatura em Língua Chinesa e Arte (produção de cinema e televisão) da Universidade de Pequim e o duplo mestrado em Estudos da Ásia Oriental e Estudos da Ásia-Pacífico da Universidade de Toronto nas áreas de investigação em literatura e cinema. Ganhou o prémio de Henry Luce Foundation Chinese Poetry & Translation e foi poeta residente no Estúdio Criativo de Vermont nos EUA. Foi convidada a marcar presença em vários festivais internacionais de poesia tal como o festival realizado em Portugal e trabalhou como letrista da primeira opera interior original de Macau “Um Sonho Perfumado”. Publicou algumas colecções de poemas nos dois lados do estreito e tem-se envolvido no meio académico e em publicação por muito tempo, além de escrever colunas para meios de comunicação em Taiwan, Hong Kong e Macau.


O valor artístico da estrada

27a edição | 06 2018

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As pessoas de Hong Kong e Macau adoram viagem individual. Nos últimos anos, acima de tudo os mais jovens gostam de viajar de carro para outros lugares, com maior liberdade e flexibilidade, para poderem conduzir até àqueles lugares secretos e pequenas cidades encantadoras mas mal servidas de transportes públicos. Recentemente, viajei de carro com amigos pela Tasmânia, foi uma verdadeira road trip. Visitámos e provámos comida em castelos, jardins de amoras vermelhas e quintas de produção de queijo ao longo da estrada, fizemos o que em Hong Kong e Macau é normalmente descrito como “sou gaai” (provar todas as comidas de rua). Poder conduzir autonomamente alterou a viagem e a impressão do viajante em relação aos lugares que visita. Também promoveu o aparecimento de produtos culturais alternativos, por exemplo no caso do Guia Michelin, que começou por ser um guia para circular nas estradas e fez com que uma empresa de pneus se transformasse numa autoridade global no que toca à gastronomia. 


O conceito de “road trip” é relativamente estranho para as pessoas de Macau, que vivem num território pequeno, com imensos carros mas estradas limitadas. No entanto, em zonas menos povoadas como a Austrália ou os Estados Unidos da América (EUA), esta é uma importante experiência de vida, que estimula um grande número de produtos culturais. Tal como Ronald Primeau escreveu em Romance of the Road: The Literature of the American Highway, desde há muito tempo que os carros nos EUA não são apenas um tipo de veículo, mas um símbolo de classe, sucesso, sonho, aventura e género. Há muita literatura “on the road” a despontar na literatura contemporânea norte-americana (a obra mais famosa é On the road, de Jack Kerouac), envolvendo peregrinação, crescimento, vagabundagem, o urbano e o rural, a autodescoberta, o transcendentalismo; os road movies de Hollywood (como Thelma & Louise, Elizabethtown, Due Date, etc.) são clássicos muito conhecidos. Os cenários ao longo da estrada também motivam criações de artistas plásticos e fotógrafos. Highway Photography é provavelmente o exemplo mais espectacular. Os trabalhos de Dorothea Lange, Robert Frank, Stephen Shore, etc., não só registam os cenários das estradas mas incluem também os seus derivados, como grandes cartazes publicitários, postos de combustível, restaurantes e motéis de estrada. A “Route 66” tornou-se num símbolo importante dos EUA, fazendo surgir muitos produtos culturais (como sinais de estrada feitos de modo criativo e até um museu privado). 


Limitada pelas suas condições geográficas, é fácil perceber por que Macau não tem “literatura on the road” e “road movies”. Todas as cidades têm os seus problemas de tráfego. Grandes “cidades automóvel” como Pequim e Los Angeles também sofrem com engarrafamentos (no começo do filme La La Land, as pessoas que estão presas no trânsito não conseguem deixar de cantar e dançar para passar o tempo). Em contrapartida, Macau tem igualmente muitos problemas de tráfego. Também já se transformou numa “cidade automóvel” e “cidade de autocarros de casinos”, em vez de “cidade de peões” e “cidade de motas”; isto além da construção do metro de superfície aguardada há muito, projectos de engenharia e escavações infinitas, o Grande Prémio anual, as repetidas violações cometidas pelos táxis, a finalização da ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau e a integração da Grande Baía do Delta, que tornará mais frequente a circulação de veículos entre as diferentes regiões (poderá haver uma série de viagens intitulada “Cidade Gastronómica Mundial Macau-Shunde”). Além das queixas diárias sobre engarrafamentos e a insuficiência de lugares de estacionamento, será que os fazedores da literatura de Macau poderão “apreciar” o valor deste tópico “on the road” e transformá-lo num milagre? 


Na verdade, algumas pessoas já consideraram a possibilidade de criar arte a partir do tema “estrada”, tal como o dramaturgo Lawrence Lei escreveu em Acção Incómoda: “Macau raramente tem grandes assaltos, porque as estradas são muito congestionadas e os ladrões não poderiam fugir”, o que fez o público rir. Recentemente, a exposição “Joy in Misery─Trabalhos de Lin Ge e Fatty Ho” também faz algumas alusões humorísticas ao conceito de “estacionamento backpack”. 


Quem disse que no século XXI as estradas e auto-estradas perderiam definitivamente o seu charme? Em anos recentes, as vozes contra a globalização tornaram-se mais audíveis. Comparados com o avião e o comboio de alta velocidade, que são símbolos da globalização, os materiais artísticos que as estradas e auto-estradas oferecem estão mais próximos das nossas vidas e não podem ser subestimados.