Ho Ka Cheng

Supervisor da Associação Audio- Visual CUT, Ho é um dos realizadores do projecto Macau Stories 1 e esteve também envolvido no Macau Stories 2 – Love in the City e no Macau Stories 3 – City Maze. Macau Stories 2 – Love in the City recebeu uma menção especial no festival português de cinema Avanca e foi mostrado nos festivais de Tóquio e Osaka.

Filmes que têm por base a literatura

9a edição | 09 2015

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Imagem do filme When Felicity Calls  Foto cedida por Emily Chan


Um bom argumentista distingue-se ao criar histórias através das palavras; um bom realizador distingue-se ao contar histórias através da objectiva. A responsabilidade dos argumentistas e dos realizadores está dividida, cada um tem as suas funções. Mas alguns realizadores também gostam de assumir o papel do argumentista—aqueles que são bons nas duas coisas poderão provavelmente ser considerados génios. Mas quantos desses génios andam por aí neste mundo?


Quando um jovem realizador de Macau também assume o papel de argumentista e de produtor ao mesmo tempo, é geralmente porque o reduzido orçamento atribuído à equipa o força a assumir as três funções, independentemente de se tratar de uma curta ou longa-metragem. Outro motivo prende-se com o facto de Macau ter menos argumentistas de talento do que realizadores. Por isso, os realizadores não têm outra opção a não ser escreverem o argumento. Claro que não se pode deixar de mencionar o facto de algumas pessoas pensarem que são “extremamente talentosas”: “Se eu posso fazer um filme, claro que consigo escrever um argumento”. Para um desenvolvimento a longo prazo do cinema de Macau, esperemos que esta situação não continue assim.


Porque o cinema tem origem na literatura, e a literatura origina o cinema.


O cinema, uma jovem arte com apenas um século de história, está intimamente ligado à literatura antiga. Esta relação entre imagens e palavras reflecte-se em filmes que vão buscar referências à literatura. Por exemplo, a técnica narrativa, o estilo da estrutura e as práticas de apresentação da ficção oferecem ricos ingredientes para o cinema; as conotações profundas e abundantes manifestações nos trabalhos literários serviram de referência para a expressão de uma linguagem da câmara nos filmes. Na história global do cinema, muitos filmes são adaptações de trabalhos literários, e quase todos os filmes que foram adaptados de obras-primas da literatura clássica são hoje grandes preciosidades do cinema.


Posto isto, os filmes de Macau relacionam-se com a literatura de Macau? Claro que sim. Nos anos 1980, uma série dramática do interior da China foi adaptada do trabalho The Crossings do veterano ficcionista Chou Tong; o filme A Trança Feiticeira foi uma adaptação do romance do consagrado escritor macaense Henrique de Senna Fernandes. Diago, que foi lançado em Macau e em 20 províncias no interior da China pelo 10.º aniversário da transferência de soberania de Macau, baseou-se num livro de ficção de minha autoria. One More Week, lançado posteriormente, foi uma adaptação do trabalho do dramaturgo Lei I Leong; Streets of Macao foi filmado há dois anos por realizadores de Hong Kong e Macau e era composto por sete curtas-metragens, uma das quais foi adaptada da obra de um escritor local, Leong Sok Kei.


O actual micro-filme do ano When Felicity Calls é uma adaptação do romance com o mesmo nome de Rai Mutsu. O filme foi lançado conjuntamente pela Associação dos Escritores de Macau e pela Fundação Macau. A palavra “literatura” foi promovida porque a história gira à volta de um sonho literário—um jovem que vai atrás do sonho de se tornar escritor a tempo inteiro; e muitas personagens foram desempenhadas por escritores de Macau convidados. Mais importante, o objectivo de fazer este filme era promover o Prémio Literário de Macau, organizado bianualmente, além de dar mais visibilidade ao evento “Escritores de Macau vão às escolas”, que permite aos alunos do ensino secundário ficarem a conhecer escritores e obras literárias de Macau.


Os escritores de Macau acalentam sonhos literários; os realizadores de Macau acalentam sonhos no mundo do cinema. Ambos podem trabalhar em conjunto para criarem uma melhor combinação, que possa resultar em filmes expressivos, maduros e comercializáveis.


Normalmente, um realizador dedica-se em primeiro lugar ao guião literário, criado pelos argumentistas através das linguagens literárias. Quando a criação do cinema de Macau enveredar pelo caminho de referência, como poderão os nossos realizadores competir lá fora se lhes falta realização literária e se não sabem como absorver “o alimento artístico” dos trabalhos literários?


Cineastas, por favor, quando tiverem tempo consumam a literatura de Macau que está mais próxima de vocês, aprendam como é que os escritores de Macau contam histórias de Macau e tomem como referência as técnicas narrativas e a capacidade que estes escritores têm de dar forma a uma personagem. Desta forma, poderão reforçar os vossos recursos artísticos.


(O cinema e o desenvolvimento das indústrias culturais e criativas em Macau—série 3)