Lio Chi Heng

Lio é escritora e a adaptação ao cinema do seu romance Diago esteve em competição na Selecção Oficial do Festival Internacional de Cinema Karlovy Vary em 2010.

Contar uma boa história sobre Macau

8a edição | 08 2015

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Nos últimos anos, cada vez mais cineastas têm escolhido Macau como cenário para os seus filmes, na esperança de transportar para o cinema o deslumbrante Cotai Strip e a singular paisagem urbana. Nestes filmes, Macau é frequentemente utilizada apenas, e só apenas, como pano de fundo.


Alguns filmes captam elementos de Macau de uma forma mais abrangente, apresentando, cena após cena, lugares que nos são familiares, enquanto contam de forma séria histórias da cidade. No entanto, a cidade descrita nestes filmes não é de todo aquela onde vivemos. O que é transportado para a tela de cinema anda à volta de temas inebriantes como o jogo, prostituição, tráfico de droga, roubos ou homicídios. Para fazer um filme tipicamente intrigante, ao estilo das melhores histórias de Macau, é essencial um elenco com estrelas, embora um orçamento elevado seja apenas facultativo.


Estes filmes têm capacidade para se virem a tornar sucessos de bilheteira. No entanto, é muito provável que as imagens da nossa cidade captadas pelos cineastas sejam para nós motivo de descontentamento. Não é que não queiramos compreender este “lado negro” de Macau, mas mais do que sentir que esta cidade está a ser explorada, sentimos que a imagem que se está a fazer passar é falsa. Então, de que forma é que os realizadores devem abordar o assunto para nos convencerem de que a Macau que retratam se aproxima da realidade? Por exemplo, deve ser pelo menos evocado o estilo de vida da população de Macau. Escusado será dizer que o nosso ethos pode ser resumido a “um encontro das culturas orientais e ocidentais” – este é o poder da nossa cidade. No entanto, como as mais emocionantes histórias se inspiram na vida, os elementos culturais incorporados neste “lugar de encontro de Oriente e Ocidente” são apenas entendidos como um sentimento ou uma memória, nada mais.


A série Macau Stories (que por si só já se tornou quase numa “marca”) ilustra o percurso destas curtas-metragens sobre Macau, que começaram por ser iniciativas imaturas, mas que foram adquirindo uma estrutura cada vez mais disciplinada, seja a nível da técnica de filmagem, seja no método de narrativa das três histórias. As curtas-metragens que mais impressionaram os espectadores são aquelas que não precisam de exagerados floreados para contar a história. Tudo se resume a um bom argumento – principalmente quando ainda temos de desenvolver algo a que possamos chamar nosso, contar uma história genuinamente boa que capte a essência de Macau é particularmente importante.


Participei em Maio no segundo programa de intercâmbio de cinema entre Guangdong, Hong Kong e Macau, onde ouvi mais de dez cineastas de Hong Kong e Macau contarem histórias sobre o planeamento das suas filmagens. Para ser honesta, fiquei horrorizada com a forma pomposa e desajeitada como se expressaram – pareciam estar perdidos num mundo de faz-de-conta. Embora quisessem ter uma abordagem global, não foram capazes de contar convenientemente as suas histórias. O moderador deu apenas cinco minutos para fazerem as suas apresentações. Aqueles que falharam, justificaram-se com a falta de tempo, enquanto três jovens cineastas de Macau conseguiram contar as suas histórias na perfeição. Não consegui deixar de aplaudir a determinação dos seus discursos elaborados com desenvoltura e, mais do que tudo, as histórias realistas que contaram e com as quais a maior parte do público se consegue relacionar.


O filme Passing Rain, de Chan Ka Keong, apresentou, através de seis personagens, a ideia de que tudo o que o ser humano ganha ou perde é, em última análise, efémero. Choi Ian Sin evidenciou a aliança estabelecida entre as “meninas das massagens” que trabalham num ramo complexo, enquanto Emily Chan contou a história de um alegre romance e da adaptação da sua curta de 40 minutos, Yesterday Once More, a uma longa-metragem de 90 minutos. A realidade de Macau presente nessas três histórias não é “fabricada”; pelo contrário, ela surge na sequência de eventos que acontecem na vida dos cineastas. A rápida leitura da sinopse deste filme é o suficiente para ficarmos impressionados. O cinema é uma forma de arte imaginativa. Os enredos crescem na louca imaginação do escritor mas, independentemente do alcance da imaginação, este deve manter os pés firmes na terra para que possa dotar a ficção de sentido.


Por outras palavras, precisamos de ter bons guiões que revelem sensibilidades locais. Um bom guião significa pelo menos duas coisas: que existe uma história válida e uma personagem sólida de Macau. Em primeiro lugar devemos contar uma história através da nossa própria perspectiva, para depois a transformarmos num bom filme. Apenas os filmes que carregam tais sensibilidades conseguem competir no mercado.


(O cinema e o desenvolvimento das indústrias culturais e criativas em Macau – série 2)