Ling Lui

Jornalista de Actualidade Informativa em Hong Kong, interessada em viagens e com um fraco por palavras.

Deixem a música tocar – como a Islândia renasce das cinzas do colapso bancário

3a edição | 03 2015

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Foto cedida por Ling Lui


Não sou especialista em economia mas lembro-me do que aconteceu a um país que foi à falência. Fiz uma viagem pela Islândia em 2010, dois anos depois do país declarar bancarrota nacional. Ao levantar coroas islandesas numa caixa automática, recebi uma pilha gigante de notas. A moeda tinha desvalorizado significativamente – uma queda de 70 por cento. Quer isto dizer que, cada vez que pagava em dinheiro, tinha de contar maços de notas. Quando deixei o país, esqueci-me de trocar as coroas islandesas que sobraram da viagem. Foi uma dor de cabeça, já que em nenhuma outra agência de câmbio europeia encontrei quem estivesse disposto a trocá-las.


Lembro-me de pensar: é o fim do crescimento económico para a Islândia. Mas, estava errada. Para reestruturar a economia nacional, o país apostava já nessa altura nas indústrias criativas, tornando-se mesmo num destino apetecível e falado. De tempos em tempos, várias revistas na área da literatura, música e arte vão apresentando as últimas novidades da Islândia. Denise Ho, artista cantopop, disse uma vez que seria uma grande honra se fosse convidada para actuar no festival islandês Airwaves.


 Podemos agradecer, em parte, a Jóhanna Sigurðardóttir, a primeira mulher a ocupar o cargo de primeira-ministra na Islândia e a primeira chefe de governo assumidamente homossexual. Na minha opinião, todas as mulheres que saíram do armário são dotadas de uma verdadeira coragem e determinação.


A economia islandesa dependia sobretudo da atividade piscatória e do sector bancário. À medida que a crise económica se abateu sobre o país em 2008, o valor do mercado bolsista caiu 90 por cento. O colapso do sistema bancário levou a Islândia a um descalabro financeiro. No ano seguinte, Jóhanna Sigurðardóttir tornou-se primeira-ministra do país. Desta mulher era esperado um “Toque de Midas” para revitalizar a frágil economia. No entanto, Sigurðardóttir insistia que o desenvolvimento de uma economia criativa era o caminho a seguir. Enquanto o Governo questionava “por que razão dar dinheiro aos artistas”, Sigurðardóttir recusava-se a trilhar outro caminho, mantendo-se firme na sua opção.


Um das primeiras coisas que Sigurðardóttir fez como primeira-ministra foi cortar a despesa estatal e racionalizar as operações governamentais, reduzindo o quadro de pessoal. Parte do erário público foi canalizado para iniciativas culturais, geridas conjuntamente pelo setor privado e público em prol da educação na cultura. Várias centrais elétricas desactivadas foram transformadas em vibrantes distritos artísticos e tornaram-se incubadoras para a inovação.


A Islândia dispõe de um conjunto variado de talentos na área da música. Estima-se que 80 por cento dos adolescentes e jovens adultos do país aprendem a tocar instrumentos musicais ou têm educação em musicologia;  artistas nacionais como Björk ou Sigur Rós ganharam reconhecimento mundial. Mas, com uma população de apenas 320 mil habitantes, a Islândia poderá não ter um grande público a apoiar esta indústria. Durante o mandato de Sigurðardóttir, foram criadas iniciativas para promover a música islandesa no estrangeiro. Por exemplo, aos artistas foi dada a possibilidade de se candidatarem a subsídios, subvenções ou apoios de viagem cedidos pelo governo,  pelos municípios ou pela companhia aérea estatal Icelandair. Em 2012, 43 bandas islandesas actuaram no estrangeiro no âmbito destes programas.


A primeira edição do Festival Airwaves realizou-se em 1999. A partir de 2010, a Iceland Music Export – parceria público-privada – tomou as rédeas deste festival, assegurando profissionalismo na organização e permitindo que este evento de projecção internacional crescesse em paralelo com a economia local.


Nos últimos três anos, o festival atraiu milhares de visitantes estrangeiros – um elevado crescimento de 66 por cento. O evento é também responsável por um aumento de 46 por cento das despesas estrangeiras feitas no país.


 A Islândia é hoje um enorme palco de música. O calendário cultural está repleto de eventos como os festivais Aldrei Fór Ég Suður, Eistnaflug, LungA ou o Extreme Chill, que atraem fãs de todo o mundo. Backpackers vêm de fora, montam tendas nos relvados islandeses e juntam-se ao público local para dançar e cantar. São várias as empresas na área da hotelaria e da restauração que beneficiam com estes eventos musicais. A Islândia provou que está a renascer das cinzas. E tudo graças ao poder da música.


Sigurðardóttir não só apoiou a indústria musical desde a turbulência financeira na Islândia, como também contribuiu para o desenvolvimento do cinema e do sector dos jogos. A Islândia tem hoje uma taxa de desemprego de 5,7 por cento –  mais baixa que no Reino Unido e nos Estados Unidos da América. As indústrias culturais e criativas tornaram-se no segundo sector que mais contribui para o crescimento do PIB, somando mil milhões de euros por ano.