Un Sio San

Un obteve a dupla licenciatura em Língua Chinesa e Arte (produção de cinema e televisão) da Universidade de Pequim e o duplo mestrado em Estudos da Ásia Oriental e Estudos da Ásia-Pacífico da Universidade de Toronto nas áreas de investigação em literatura e cinema. Ganhou o prémio de Henry Luce Foundation Chinese Poetry & Translation e foi poeta residente no Estúdio Criativo de Vermont nos EUA. Foi convidada a marcar presença em vários festivais internacionais de poesia tal como o festival realizado em Portugal e trabalhou como letrista da primeira opera interior original de Macau “Um Sonho Perfumado”. Publicou algumas colecções de poemas nos dois lados do estreito e tem-se envolvido no meio académico e em publicação por muito tempo, além de escrever colunas para meios de comunicação em Taiwan, Hong Kong e Macau.


Wuzhen: usar a cultura da lentidao para impulsionar a indústria cultural e criativa

33a edição | 06 2019

O tempo era mais lento no passado / Carruagem, cavalo, correio, precisam de um pouco de tempo / amar uma pessoa vai levar toda a tua vida ─ Dias Lentos no Passado, Mu Xin

 

Fui a Wuzhen no sudeste da China, não para o festival de teatro mas por causa do famoso artista chinês Mu Xin, que viveu lá. Do meu ponto de vista, o festival de teatro é apenas um evento anual que faz de Wuzhen um destino da moda durante apenas alguns dias. Mu Xin, no entanto, fez de Wuzhen a Cidade Sagrada de Meca, usando a sua influência literária entre os jovens hispters chineses, deixando um impacto duradouro na cidade.

 

Nascido em Wuzhen, Mu Xin foi um artista cultivado e eloquente que passou por uma vida difícil. Foi preso durante a Revolução Cultural na China e foi condenado a um campo de trabalho para reeducação. Em 1982, mudou-se para os Estados Unidos da América e começou a escrever livros e a ensinar a história da literatura mundial aos jovens artistas que viviam no exterior, em Nova Iorque (as suas lições foram documentadas pelo estudante Chen Danqing no seu famoso livro Literature Memoirs). Em 2005, Mu Xin foi convidado a voltar à sua cidade natal, Wuzhen, para desfrutar dos seus anos de crepúsculo. Depois da sua morte, o elegante Museu de Arte Mu Xin foi construído na zona ocidental de Wuzhen para comemorar Mu Xin. A antiga residência de Mu Xin na zona oriental foi também reconvertida numa pequena sala memorial, que atrai milhares de fãs como eu, que vêm até aqui para ter um vislumbre da vida passada do famoso artista.

 

Mu Xin chamou novamente a atenção da sociedade chinesa por causa da cultura de vida lenta que tem vindo a tornar-se cada vez mais popular nos últimos anos. O poema de Mu Xin Dias Lentos no Passado é agora lido e apreciado por uma grande audiência, fazendo de Mu Xin um porta-voz da cultura de vida lenta. Há muitas cidades ribeirinhas no sudeste da China. O que diferencia Wuzhen de todas as outras são as suas vantagens culturais na cultura de vida lenta e o seu posicionamento como a cidade sagrada dos jovens hipsters. Wuzhen oferece aos visitantes hostels locais com características únicas de cidade ribeirinha, sob uma gestão padronizada e central, e é também casa de muitas lojas culturais e criativas, bem como de lojas antigas e revitalizadas. Wuzhen é agora um destino obrigatório para os jovens hispsters na China.

 

Mesmo os visitantes que não conheçam Mu Xin de antemão ficarão intrigados com as citações engraçadas do autor exibidas no Museu de Arte Mu Xin. “Tu não és uma lâmpada que economiza óleo, e eu também não sou o óleo que economiza a lâmpada”, pode ler-se. “Se não apareceres em breve, eu vou nevar.” As famosas citações de Mu Xin foram impressas em t-shirts brancas, guarda-chuvas, lápis, postais, etc. São os produtos culturais e criativos mais vendidos em Wuzhen. Se dizemos que a literatura pode mudar o destino de alguém, então é justo dizer que Mu Xin mudou o destino de Wuzhen.

 

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Wuzhen é uma das poucas cidades ribeirinhas no sudeste da China que são capazes de conseguir um equilíbrio entre comercializar o seu valor literário e os festivais culturais, enquanto permanecem fiéis à sua cultura da lentidão. A cidade de Zhouzhuang, uma cidade ribeirinha extremamente popular na China que fez uso da famosa literatura da escritora Sanmao para se tornar glamorosa, é agora uma armadilha para turistas que muitas pessoas se sentem relutantes em visitar.

 

Macau costumava ser famosa por ser lenta, no último século. Macau era lenta quando comparada com a vida agitada e os serviços públicos altamente eficientes da vizinha Hong Kong. Desde a revolução industrial, a lentidão tem sido percebida como ineficiência, atraso e incompetência. Mas uma mudança interessante ocorreu quando entrámos no século XXI, que tem sido caracterizado pelo rápido desenvolvimento da Internet, produção de um volume massivo de informação, transportes mais rápidos, urbanização e globalização. Agora, viver um estilo de vida lento é visto como ter uma vida luxuriante e de bom gosto.

 

Levou apenas alguns anos até que Wuzhen canalizasse os seus recursos culturais e criativos para uma indústria real. Comparativamente, Macau, que se posiciona como uma cidade internacional, tem vindo a contrariar a tendência global de abrandamento e abandonou o seu potencial da cultura de vida lenta depois de o governo ter acabado com o monopólio da indústria do jogo. Desde então, Macau tem investido uma grande quantidade de dinheiro na construção de arranha-céus e infraestruturas, tornando-se finalmente na cidade apinhada e movimentada de hoje. Muitos dirão que Macau tem desvantagens naturais no sector cultural e criativo e que há falta de grandes marcas em Macau. É por isso que se deve pensar mais sobre as direcções que a outrora “lenta” Macau está a tomar com as suas políticas de desenvolvimento urbano e turismo. A literatura pode tornar uma cidade mais charmosa e poética. Mas isso não pode ser alcançado quando apenas afirmamos ser algo que realmente não somos.

 

A dificuldade em usar a cultura da lentidão para impulsionar o desenvolvimento do sector cultural e criativo está em alcançar um equilíbrio entre dar mais liberdade ao mercado e ter mais controlo sobre ele. Viver um estilo de vida lento e descontraído é uma filosofia de vida assente na ideia de que ter menos é ter mais. A prosperidade pode ser construída com os esforços conjuntos das políticas governamentais e do mundo dos negócios. Mas uma cultura da lentidão não é algo que se possa replicar facilmente. Veja-se o caso de Wuzhen. A sua cultura da lentidão é o charme único da cidade antiga (semelhante à cultura de café dos italianos e à cultura do chá dos britânicos). Pode ser entendida como um património cultural intangível que não pode ser replicado. Neste sentido, valerá a pena apreciar, preservar e revitalizar a cultura da lentidão de Macau.