Lam Sio Man

Nascida em Macau, atualmente a viver em Nova Iorque. Dedica-se a exposições independentes, à escrita e ao trabalho em educação artística. Em 2019, foi curadora da Exposição Internacional La Biennale Di Veneza, inserida nos Eventos Colaterais de Macau, China. Trabalhou no Departamento de Assuntos Culturais da cidade de Nova Iorque, no Museu dos Chineses na América e no Instituto Cultural do Governo da RAEM. É licenciada pela Universidade de Pequim em Língua Chinesa e Artes, e mestre em Administração de Artes pela Universidade de Nova Iorque.

A arte de reutilizar e reutilizar arte durante a pandemia de COVID-19

39a edição | 06 2020

À medida que a pandemia de COVID-19 atinge o mundo, os recursos e produtos médicos tornam-se cada vez mais escassos internacionalmente. Como resultado, as linhas de produção industrial foram convertidas e reutilizadas para produzir produtos médicos como desinfectantes, máscaras faciais e ventiladores. Hotéis estão a ser usados como centros de quarentena. Até a marca francesa de luxo LVMH converteu a sua linha de produção de perfumes para produzir desinfectantes e outros esterilizantes. No entanto, estes produtos não têm estampado o logótipo da LVMH.

A conversão e reutilização destas linhas de produção e espaços de negócio lembram-nos a escassez de provisões em tempo de guerra. Na Segunda Guerra Mundial, a linha de produção da fabricante de automóveis americana General Motors foi convertida para fabricar armas e tanques. O governo americano apelou ao seu povo para que recolhesse materiais como metal, papel e plástico para apoiar o exército americano. Esta conversão estava por toda parte, no estilo de vida dos americanos, nos seus lares. Casacos feitos para homens foram refeitos e tornaram-se sapatos e casacos para mulheres. Às vezes, desastres e crises podem inspirar as pessoas a serem mais criativas e a fazerem uso de recursos limitados.

Durante o surto de COVID-19, várias organizações de arte e cultura que suspenderam as suas operações, especialmente organizações de artes performativas, também têm estado a ponderar como utilizar os seus recursos. Num momento em que é impossível realizar performances ao vivo e offline, muitas apresentações e espectáculos foram filmados e colocados na Internet, proporcionando ao público uma experiência alternativa. Agora, há uma variedade de performances de dança, peças de teatro e espectáculos na Internet, que os utilizadores podem ver gratuitamente. De alguma forma, o público beneficia da pandemia.


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A reutilização de conteúdo é uma táctica fácil para a indústria cultural artística responder à pandemia. As organizações culturais e artísticas também precisam de reutilizar o seu pessoal, à medida que é preciso tirar o maior partido dos recursos. Um caso interessante foi o do National Cowboy & Western Heritage Museum, na cidade de Oklahoma, nos Estados Unidos da América. O chefe de segurança do museu, Tim, recebeu uma tarefa extra que exige que ele administre as redes sociais do museu. Tim é um novo utilizador do Twitter. Ele costumava fazer piadas sobre o seu Twitter por causa da sua falta de experiência em redes sociais. Muitos dos seus tweets são engraçados de ler. Por exemplo, o neto de Tim tentou ensiná-lo a usar hashtags. E Tim escreveu “hashtag nos seus tweets, em vez de usar #. Isto fez com que ganhasse mais seguidores, transformando-o num influenciador na Internet. O número de seguidores da página do museu naquela rede social subiu de alguns milhares para mais de 200 mil em 15 dias.

À semelhança de outros negócios, a reutilização dos recursos existentes não apenas garante a continuidade da operação, mas também mantém os empregos para os funcionários. Os talentos profissionais da indústria cultural e artística foram dos mais atingidos pela pandemia. Muitas empresas no ocidente tiveram de demitir um grande número de funcionários para reduzir custos. Até o Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, que tem uma fundação de mais de mil milhões de dólares, rescindiu contratos com toda a equipa do departamento educativo no início de Abril. Não é claro se estas organizações culturais consideraram a possibilidade de reutilizar e redistribuir os recursos existentes. Como apontou um dos educadores cujo contrato foi rescindido, a educação pode ser ainda mais importante quando as galerias estão fechadas.

Outra discussão importante da perspectiva dos profissionais da cultura é se a arte pode ser reutilizada. Ou, por outras palavras, pode a arte tornar-se mais útil durante a pandemia? A resposta pode ser decepcionante. Os artistas podem ser capazes de usar a sua criatividade e produzir novos conteúdos reutilizando materiais existentes. Mas a arte em si não tem fins lucrativos. Isto significa que a arte é “inútil por natureza. Quando algo é “inútil, não podemos reutilizá-lo. Na minha opinião, a maior função da arte durante a pandemia de COVID-19 tem sido a sua capacidade de ajudar as pessoas a escapar de temas pesados, como as consequências sociais e económicas. A arte continua a ser “inútil como sempre foi e, portanto, não pode ser reutilizada para outros fins importantes. Mas a inutilidade da arte dá-nos a possibilidade de recuperar o fôlego, escapando da ansiedade e do tédio que sofremos durante a pandemia, oferecendo-nos momentos de paz.