Luzes e sombras na cidade: Um olhar sobre as oportunidades para o cinema de Macau

01 2015 | 1a edição
Texto/Allison Chan, Johnson Chao, Wendy Wong, Bob Leong

A indústria cinematográfica de Macau não pode almejar a filmes de grande orçamento como os de Hollywood, ou a produções com as das indústrias cinematográficas do Interior da China e de Hong Kong, com financiamentos avultados. Mesmo assim, desde a época em que Macau estava sob administração portuguesa até aos dias de hoje, com o actual governo da RAEM, a cidade tem tido sempre gente apaixonada e dedicada ao cinema, que trabalha nesta indústria e reconta as histórias de Macau através de imagens em movimento. Falámos com vários cinestas e pessoas, de diferentes gerações, cujas reflexões deixam um olhar sobre o passado e pistas para o futuro do cinema na região.

 

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 O papel do governo no desenvolvimento do cinema de Macau




Começar do nada: Choi On On e Ho Fei partilham as experiências de duas gerações de cineastes

 

Agora com mais de 70 anos, Choi On On é um dos mais conhecidos veteranos cineasta de Macau. As rugas que lhe sulcam o rosto contam a sua experiência de vida, e sua expressão e voz ainda se iluminam quando nos fala sobre o sonho de fazer cinema. Para Choi, o primeiro marco no cinema de Macau data de 1989. À época já existiam salas de cinema na cidade, mas não havia produções locais. Foi então que decidiu fundar a Choi Brothers Film Company Ltd. e fazer o seu primeiro filme, Night Robbery, em 1989. Foi a primeira obra produzida por um cineasta local e, embora a narrativa não estivesse ligada à cidade, tratou-se de um gesto pioneiro na história do cinema de Macau.

 

Antes da transferência de administração de Macau, Choi tomou uma decisão que haveria de mudar a sua vida: decidiu vender os seus bens para poder investir e fazer cinema. O seu filme A Trança Feiticeira, estreado em 1995, é uma adaptação do romance homónimo do escritor macaense Henrique de Senna Fernandes. Conta a história de amor entre um homem de uma família aristocrática portuguesa e uma mulher chinesa de classe desfavorecida, que vende água de porta em porta em Macau dos anos 1930. Este foi considerado o primeiro filme com enredo baseado na cultura de Macau.

 

A Trança Feiticeira foi um grande sucesso e recebeu inúmeras distinções, incluindo um prémio especial na 25ª edição do Festival de Cinema da Figueira da Foz e uma menção honrosa no Festival Internacional de Cinema de Filadélfia, nos EUA, em 1998. Apesar dos prémios, o filme não foi um êxito de bilheteira e a sua produção teve custos elevados. “É difícil explicar as dificuldades por que que passei naquela época. A partir daquele momento comecei a fazer outros trabalhos que me davam um rendimento mais estável, como por exemplo séries televisivas, documentários e filmes temáticos”, conta Choi.

 

O realizador acredita que o desenvolvimento da indústria cinematográfica depende em grande medida do investimento do governo. “A indústria de cinema em Macau assiste actualmente a um segundo ponto de viragem, já que o governo arrancou com um programa de apoio à produção cinematográfica. Espero que isto possa revitalizar a indústria. No entanto, o governo deve focar-se em apoiar alguns filmes de excelente qualidade e ajudar à sua divulgação, em vez de conceder subsídios de forma genérica, que podem levar à produção em massa de filmes sem qualquer impacto.”

 

Além disso, Choi considera que os cineastas de Macau deveriam adoptar uma perspectiva mais abrangente. “Investir a Norte [no mercado do Interior da China] tornou-se numa tendência importante para o desenvolvimento de Hong Kong e Macau, e a indústria cinematográfica não é excepção. Embora actualmente os filmes de Macau só possam entrar no mercado chinês através de co-produções, esta situação pode alterar-se quando mais cineastas profissionais das gerações jovens começarem a surgir. Nessa altura, filmes com as características únicas de Macau vão destacar-se”, afirma o cineasta.

 

Isto significa que a indústria do cinema em Macau dificilmente consegue sobreviver sem o apoio do governo? E que os cineastas que não olham para fora de Macau dificilmente poderão atingir os seus objectivos?

 

O realizador Ho Fei pertence à geração pós-1980 e considera que a indústria de cinema de Macau ainda está a tomar forma, apesar de terem começado a aparecer cada vez mais produtoras nos últimos anos.

 

“A população de Macau é de apenas 600 mil habitantes. Mesmo que 1/10 da população fosse ao cinema, o total de audiências seria de 60 mil pessoas. Na realidade esse número é muitas vezes inferior a 60 mil, por isso ao fazer-se um filme mal se consegue cobrir os custos de produção. Muitas produtoras sobrevivem trabalhando em spots publicitários e apenas fazem filmes quando dispõem de tempo e recursos extra”, diz Ho.

 

O cineasta realizou vários filmes independentes focados nas especificidades de Macau, por exemplo Find a Way, A Letter, e The Memories, todos exibidos nas salas de cinema locais. No entanto, Ho considera que o mercado de Macau dificilmente consegue ser rentável para filmes comerciais. Para pensar em desenvolver produções de maior dimensão é necessário olhar para mercados fora da região e chegar a público no estrangeiro.

 

No ano passado, Ho teve a oportunidade de conhecer alguns investidores do Interior da China e Hong Kong na Feira de Investimento na Produção Cinematográfica entre Guangdong-Hong Kong-Macau. Ali, percebeu que há interesse de investidores estrangeiros por projectos de cineastas de Macau.

 

“Muitos filmes de Macau são de cariz local, tendo em conta os antecedentes históricos e culturais únicos da cidade”, diz Ho Fei, que acredita que isso também explica o interesse de potenciais investidores. Rodar um filme leva em consideração vários aspectos, incluindo a imagem, a narrativa, a música, e a direcção artística. Basta um destes segmentos falhar para que a obra seja menos apelativa. “É muito difícil, em Macau, encontrar profissionais de iluminação, figurinistas, designers de cena ou aderecistas”, lamenta. Ho e Choi têm a mesma opinião sobre o papel do sector público: “Se o governo pretende apoiar a indústria cinematográfica, deve concentrar recursos e apoiar um ou dois realizadores para que possam fazer bons filmes, em vez de repartir esses meios e acabar por enfraquecer o seu impacto”, acrescenta Ho Fei.