Em 2021, a pandemia de COVID-19, apesar de assolar o planeta há dois anos, não conseguiu impedir a realização das feiras do livro artístico no Interior da China, onde teve lugar a primeira feira do livro artístico chinesa “abC—Feira do Livro Artístico de Pequim” (abC Art Book Fair Beijing) e a “UNFOLD—Feira do Livro Artístico de Xangai” (UNFOLD Shanghai Art Book Fair), sendo ainda inaugurada, em Novembro, a primeira “BONJOUR—Feira do Livro Artístico de Shenzhen—BABF 2021”. A 22 de Dezembro, foi realizada em Pequim a primeira “Feira do Livro Artístico GUARDIAN”, uma feira de livros de colecção que estabeleceu os mais altos padrões para o sector no país. Já no dia 23 do mesmo mês, foi a vez de inaugurar oficialmente a “BIGGER—Feira do Livro Artístico de Guangzhou”, na cidade menosprezada de Guangzhou. A feira teve a duração de quatro dias e reuniu mais de 130 expositores, difundindo o seu lema em voz alta junto do público: “O pensamento é maior do que um livro”.
A “BIGGER—Feira do Livro Artístico de Guangzhou” teve uma duração de quatro dias, sendo dividida em quatro áreas (A, B, C e D) e abrangendo exposições, sessões de conversa e workshops.
Em 2006, a Sendpoints Publishing foi fundada em Hong Kong, com enfoque na representação de livros estrangeiros e na publicação de livros sobre arte e design. À data da fundação da editora, a publicação de livros de design visual no Interior da China dependia sobretudo das grandes editoras estatais, cujos livros se caracterizavam por uma certa homogeneidade a nível do seu conteúdo e formato. A Sendpoints apressou-se a estabelecer canais de cooperação e comercialização com várias editoras no Reino Unido, em França, nos Estados Unidos, na Alemanha e no Japão, tendo, em 2012, criado a BranD, uma revista independente de design de marcas, cuja equipa executiva foi crescendo ao longo de nove anos, acumulando experiência em diversos âmbitos, desde a edição de livros à realização de feiras. Nesta edição da C2, apresentamos uma entrevista especial com Nicole Lo, a chefe de redacção da BranD e também um dos elementos fundadores da “BIGGER—Feira do Livro Artístico de Guangzhou”.
Editar livros com seriedade e não admitir quando “se perde”
O ano de 2012, ano de fundação da revista BranD, foi um período de transição, no Interior da China, em que os meios de comunicação tradicionais deram lugar aos novos média. A rápida evolução dos smartphones levou a uma mudança de hábitos de leitura por parte da população, a qual passou a recorrer muito mais a aplicações de divulgação de notícias e a contas do WeChat no telemóvel, cuja avalanche de informação fragmentada foi, lentamente, submergindo o seu tempo de lazer. Em 2014, Nicole regressou à BranD e descobriu que os leitores andavam, nessa altura, insatisfeitos com a acumulação de informação, preferindo temas e conceitos de cariz mais exploratório. Entretanto, o número de leitores foi aumentando e o mercado foi-se tornando cada vez mais diferenciado. “Na era dos novos média, a comunicação já não é unilateral, sendo necessário assegurar aos leitores e entrevistados a oportunidade de interagirem e de se expressarem.” Segundo Nicole, a era dos novos média não permite que nos fechemos em nós mesmos. É essa a percepção e o rumo da transformação da BranD ao cabo de dez anos de crescimento.
Nicole Lo, chefe de redacção da revista BranD e um dos elementos fundadores da “BIGGER—Feira do Livro Artístico de Guangzhou”.
Como revista independente, a BranD concentra os seus esforços na criação de conteúdos e na distribuição, tendo vindo, nos últimos anos, a experimentar várias abordagens criativas, incluindo aprofundar um tema com base num livro; realizar uma exposição temática em colaboração com uma livraria de Nanning; criar uma colecção exclusiva de chás para a Naiyuki; criar uma livraria efémera (pop-up) em Xangai; e promover uma série de artigos, como canecas, cobertores, toalhas e lenços, em associação com a Yongpu Coffee. No entanto, Nicole sabe muito bem que, por mais criativa que seja a forma dos produtos, o que importa no final de contas é a edição de livros. “Não desenvolvemos produtos simplesmente pela sua beleza. Quer se trate de canecas, cobertores, ou toalhas, o nosso objectivo é desenvolver produtos noutro domínio, sendo necessário acertar muitos detalhes durante o processo de criação. Tudo o que fazemos anda em torno dos livros. Nunca nos desviamos muito desse desígnio”.
A BranD é uma revista independente criada com mente aberta, sendo naturalmente orientada por uma curiosidade sem limites e expandindo-se de forma criativa. Nos últimos anos, as feiras do livro artístico têm vindo a popularizar-se na China, proporcionando aos editores e ilustradores independentes uma plataforma de intercâmbio e exibição de talento. Muitos ilustradores notáveis foram descobertos no âmbito de feiras do livro, tendo colaborado com marcas de referência e conquistado uma comunidade de fãs considerável. Após contratarem os seus próprios agentes, foram gradualmente ganhando o estatuto de artistas-celebridades. Como revista independente, a BranD tem estado atenta a este grupo de jovens criativos, tendo lançado o Programa de Apoio a Jovens Artistas, um programa destinado a financiar a edição de livros da autoria de jovens artistas de talento, dando origem a publicações artísticas criativas com base nas obras apresentadas pelos artistas e no recurso a novas abordagens visuais e a novas formas de diálogo. Após um período de preparação, o Programa de Apoio a Jovens Artistas da Sendpoints já resultou na edição de três livros, incluindo Manual de Passeios de Zakuro e Eventos no Meu Universo de Wang Mengsha.
Seguindo o princípio “Não Só”, a Sendpoints seleccionou mais de uma centena de livros artísticos de todo o mundo, dando a conhecer aos leitores a versatilidade deste género de livros, tanto a nível dos conteúdos como do design.
Da representação de livros estrangeiros à criação da revista independente BranD e ao Programa de Apoio a Jovens Artistas, a Sendpoints tem desenvolvido uma grande variedade de projectos ao longo dos seus 15 anos de existência. Durante este período, assistiu-se a um grande desenvolvimento das feiras do livro artístico no Interior da China, desde os tempos em que as editoras chinesas participavam anualmente em feiras do livro no exterior até ao momento em que começaram a virar-se para o mercado doméstico. “Uma cidade precisa de uma feira do livro. As feiras do livro proporcionam aos jovens um palco para exibirem o seu talento, constituindo igualmente uma interessante plataforma de venda para o sector editorial.” Nicole considera que a sociedade moderna não se deve deixar influenciar pelos valores das gerações anteriores. Não existe uma visão de futuro para a edição de livros, tal como esta é geralmente praticada em Guangdong. É necessário actualizar essa visão. Foi com o objectivo de contribuir para melhorar as práticas editoriais que a Sendpoints Publishing organizou a “BIGGER—Feira do Livro Artístico de Guangzhou” em 2020.
Pensar em grande, todos juntos e felizes
A fim de assegurar o sucesso da primeira edição da “BIGGER—Feira do Livro Artístico de Guangzhou”, a equipa executiva da BranD realizou múltiplos testes em 2021, incluindo testes de campo, testes da capacidade de execução da equipa organizadora, etc. Em Abril, foi realizada a “Exposição Conceptual de Fontes Tipográficas e Corpos” em Guangzhou, inspirada no livro Fontes Tipográficas Bizarras, o qual explora a questão deste tipo de fontes tipográficas da perspectiva dos designers. Entretanto, Nicole apercebeu-se que a maioria dos visitantes da exposição tinha apenas como objectivo marcar presença e publicar a sua localização nas redes sociais, dado que o espaço é considerado um ponto de referência para os aficionados da fotografia. “A publicação da localização (check-in) é uma forma de ocultação, fazendo-nos esquecer as nossas verdadeiras aspirações espirituais e redundando numa auto-ostentação vazia.” Em Setembro, a equipa da BranD organizou uma “Feira dos Maus Livros” na Galeria Fei, no bairro de Dongshankou, em Guangzhou, mas, dado que a feira se encontrava no piso -1, foi necessário optar pela realização do evento online, para fazer face à situação pandémica. O conceito de “feira dos maus livros” deriva do contexto dos livros raros. A ideia é dar uma nova vida a muitos livros defeituosos, que seriam, à partida, deitados fora, e vendê-los como raridades na Feira. A princípio, as expectativas eram muito baixas. Era impensável que as vendas pudessem vir a ultrapassar os RMB100.000. Nicole concluiu: “A maioria dos consumidores na Feira eram jovens com um poder de compra médio de RMB100 a 200, mas descobrimos que alguns clientes eram também proprietários de marcas locais ou gestores de vários espaços em Guangzhou, que precisavam de livros artísticos como artigos de exposição.”
Após vários testes, Nicole compreendeu a importância de investir na qualidade do evento. A fim de potenciar a sofisticação da BIGGER, a equipa convidou o conceituado ilustrador japonês Nimura Daisuke para conceber o logótipo da Feira. Nas palavras de Nicole: “A BranD chegou a publicar vários trabalhos do Prof. Nimura, cujas personagens e ilustrações primam pela sua expressividade e pelo seu humor. Descobrimos que as feiras do livro do Interior da China ainda não tinham IP (Intellectual Property), pelo que esperamos assistir a novos avanços a nível visual.” Para além dos trabalhos preparatórios, o maior desafio da BIGGER prende-se com a angariação de expositores. Nicole admite: “O que distingue uma boa feira do livro são os livros dos seus expositores. Actualmente, as feiras do livro artístico encontram-se disseminadas por todo o país, mas, se todas reunirem o mesmo conjunto de expositores, tanto os livros expostos como os clientes serão sempre os mesmos, fazendo com que as feiras deixem de ter sentido.” Com vista a assegurar a qualidade da BIGGER, a equipa organizadora abriu stands gratuitos para expositores de alta qualidade. A exposição intitulada “O Mais Belo Livro da Holanda” tem vindo a ser organizada pela Fundação dos Melhores Designs de Livros Holandeses, apresentando mais de uma centena dos mais belos livros da Holanda no âmbito de quatro edições da Feira, de 2015 a 2019.
A Área C é reservada a exposições de arte e a várias apresentações especiais, apresentando obras dos artistas holandeses Sigrid Calon e Rick Fraterman, do estúdio de design Asian Food Travel, da designer Sohee Kang, entre outros artistas.
A 23 de Dezembro, realizou-se oficialmente a primeira edição da “BIGGER—Feira do Livro Artístico de Guangzhou”, a qual contou com mais de 130 expositores, divididos em quatro áreas (A, B, C e D). Ao longo de quatro dias, foram realizadas múltiplas actividades, incluindo exposições de arte, lojas de arte efémeras (pop-up), apresentações especiais, sessões de partilha, sessões de autógrafos e workshops de tipografia. A feira reuniu o Artron Art Group, a editora independente Steppyplus, o Be Water Journal e a Editora de Arte Cui Ying, tendo ainda trazido a Guangzhou alguns expositores de Xangai e Shenzhen. A fim de potenciar a singularidade das sessões de partilha, a equipa organizadora planeou várias conversas com expositores, como, por exemplo: “As dores de cabeça de uma antiga gráfica quando se depara com um fotógrafo vanguardista”, no âmbito da sessão “Artron Art Group X LIVE! Discussão sobre a Verdade da Edição de Livros”. A programação da Feira abrangeu ainda workshops de ilustração de livros e de tipografia.
“O encanto das editoras independentes tem a ver com a criatividade que estas projectam e com o seu encorajamento mútuo.” Na opinião de Nicole, “o consumo cultural em Guangzhou tem ainda muito potencial de desenvolvimento, sendo necessário que em cada cidade haja pessoas com coragem para apostar nessa área. Havendo um grande número de editoras independentes, também haverá naturalmente uma proliferação de livrarias independentes.” À questão sobre qual a sua cidade preferida na Grande Baía, Nicole responde instintivamente: “Macau! Temos uma óptima relação com muitos designers de Macau. Macau tem a Semana do Design, festivais de cinema, editoras independentes, pequenos teatros em antigos edifícios de ruas históricas...É o conjunto de todas estas coisas que dão à cidade a sua vitalidade e o seu charme.”