O “brilho fraco” da comunidade de artistas a tempo inteiro de Macau—o percurso da evolução criativa de Lai Sio Kit

11 2020 | 41a edição
Texto/Catherine Ho  Foto cedida por Cora Si

Depois de se formar no Mestrado em Pintura a Óleo da Academia Central de Belas Artes de Pequim em 2009, Lai Sio Kit regressou a Macau e iniciou a sua carreira como artista a tempo inteiro. Nos últimos 11 anos, imbuído de um forte entusiasmo criativo, viu obras suas serem premiadas e outras adquiridas por várias entidades quer locais quer de fora de Macau. Em Agosto deste ano, organizou a “Exposição de Obras de Lai Sio Kit—Brilho Através da Sombra”, exibindo a mudança do brilho e a sombra do sol que se projectam na floresta. Parece que os artistas a tempo inteiro são também como um “brilho fraco” em Macau onde a estrutura económica é uniforme. Como é que Lai pode manter o seu brilho artístico em Macau? E qual é a sua ideia sobre o desenvolvimento das artes em Macau?


06.jpg

Lai acredita que a imensa alegria trazida pela criação artística é suficiente para ele continuar a seguir o seu percurso enquanto “artista a tempo inteiro”


J: Jornalista da Revista C2 

L: Lai Sio Kit


J: Decidiu regressar a Macau logo depois da sua formatura?

L: Na verdade, eu tinha a intenção de ficar em Pequim quando me formei. Voltei a Macau porque aqui havia mais oportunidades de trabalho a tempo parcial para sustentar as necessidades básicas de um artista a tempo inteiro. Mas, à medida que a minha família envelhecia, eu passava cada vez mais tempo em Macau, e no final, já não tinha tempo para voltar a Pequim.


J: Considera-se um jovem slashie?

L: Não me considero isso. Em primeiro lugar, não tenho assim tantos “slashes”; o meu trabalho a tempo parcial centra-se sempre na educação artística. Em segundo lugar, após a minha formatura, decidi logo ser um artista a tempo inteiro, e a criação é sempre o mais importante para mim. Logo depois do meu regresso a Macau, procurei um lugar apropriado para abrir o meu estúdio. Foi aí que, nos últimos 11 anos, mergulhei na criação, 8 horas em média por dia, ao mesmo tempo que os trabalhos a tempo parcial me permitiam ser um verdadeiro “artista a tempo inteiro”. Não me sobrava energia para ter outros trabalhos a tempo parcial, e, por outro lado, também não queria ter um emprego estável a tempo inteiro. Claro que a situação ideal para um artista a tempo inteiro será viver da sua própria criação, mas isso é algo difícil em Macau.


02.jpg

O estúdio é a segunda casa de Lai, onde ele passa a maior parte do seu tempo, excepto para descanso e trabalho a tempo parcial.


J: Os seus rendimentos eram incertos quando acabou de se formar. Porque é que tinha essa determinação tão inabalável de ser “artista a tempo inteiro”?

L: Já ouvi muitas perguntas semelhantes. Mas porque não podemos ir por este caminho? O meu plano de carreira é totalmente normal, uma vez que passei 8 anos a aperfeiçoar os meus conhecimentos e habilidades profissionais, não para trabalhar, mas sim para criar, e por isso, não ser um artista a tempo inteiro é, de facto, anormal. Em Pequim, ao escolhermos esta profissão, estamos destinados a ser artistas a tempo inteiro. Eu ainda tenho alguns trabalhos a tempo parcial, mas muitos artistas em Pequim nem sequer os têm, e isso é bastante usual. A zona empresarial de comércio e artes em Pequim é bastante desenvolvida e madura, e os estudantes que por lá ficam podem arrendar juntos uma casa com pátio onde desenvolver a criação artística. Por causa dos limites espaciais de Macau, continua a não se desenvolver esse tipo de ambiente, desde a minha formatura até aos dias de hoje. Por isso, a minha escolha é normal, e não estranha ou anormal, porque, enquanto artista, devo viver assim.


05.jpg

Após a sua formatura, Lai montou um estúdio para se empenhar na criação de obras de arte.


J: Quais acha que são as razões pelas quais a indústria de artes visuais em Macau não se desenvolve?

L: Há vários factores que contribuem para isso, e a falta de determinação por parte do Governo para desenvolver a indústria de artes visuais pode ser um deles. Ou seja, não sabe por onde começar. É uma pena que o Museu de Arte de Macau não tenha promovido nenhuma coleção artística estratégica por ocasião do vigésimo aniversário do regresso de Macau ao Interior da China. De facto, para apoiar o desenvolvimento da indústria, não é necessário que o Governo aja enquanto entidade oficial. Pode ser apoiada a criação de artistas locais a tempo inteiro através da orientação de políticas ou do encorajamento ao apoio por parte das indústrias mais importantes e das entidades competentes. Por exemplo, o Governo pode aprender com as experiências de Singapura ou de Taiwan, exigindo, através da regulamentação das políticas, a cooperação entre artistas locais e certos projectos, ou destinando uma determinada percentagem do orçamento de projectos para a compra de obras de arte locais. Pode, ainda, seguir o exemplo dos Estados Unidos, concedendo um benefício fiscal às empresas que comprem e colecionem obras de artes. Contam-se pelos dedos de duas mãos o número de artistas contemporâneos a tempo inteiro em Macau, e calcula-se que sejam ainda menos depois da epidemia. Perante este reduzido número de artistas, o Governo precisaria de mobilizar relativamente poucos recursos para alcançar uma maior eficácia nesse apoio.


J: Nos últimos anos, não só o Governo tem organizado vários eventos artísticos, como tem também havido muitas actividades privadas ao nível de exposições e espectáculos artísticos. Isso tem ajudado no desenvolvimento da indústria?

L: A verdade bastante cruel é que a actual atmosfera artística que parece próspera “não apoia os artistas, mas sim esgota-os”. Os eventos artísticos organizados pelo Governo centram-se nas artes performativas, enquanto as exposições privadas é que ajudam a aumentar a fama do artista; no entanto, o elevado custo na sua realização não lhes permite usufruir de qualquer tipo de retorno fundamental.


J: Qual é a mudança que o seu estilo de criação tem tido nos últimos anos?

L: Como, no passado, várias das minhas criações tinham tido como tema a “cidade”, surgiu-me a ideia de mudar. Logo em 2015, comecei a trabalhar no tema da “floresta”, mas foi só a partir do ano passado que a criação ligada a esta nova temática se desenvolveu realmente em grande escala. Há cerca de 5 ou 6 anos, tive várias oportunidades de ir a diferentes florestas, e, de cada vez, sentia-me profundamente impressionado. Gradualmente, ganhei o hábito de procurar florestas onde quer que viajasse, e as ideias no fundo do meu coração acumulavam-se cada vez mais. No ano passado, realizei a minha primeira exposição sob o tema da “floresta”, e, comparando com a exposição de “brilho”, esta é em maior escala. Embora ainda não tenha qualquer plano de exposição para o próximo ano, vou continuar a pintar “florestas”, pelo que ainda tenho muitas ideias para pôr em prática.


01.jpg

“Floresta” é o próximo rumo da criação de Lai Sio Kit


J: Encontrou alguma dificuldade logística para apresentar “Brilho” em grande escala?

L: Tenho sempre o desejo de experimentar apresentações em grande escala, mas não é fácil fazê-lo em Macau devido às pequenas dimensões dos espaços para exposições. A maioria das obras em “Brilho” eram de 2m por 1,5m, que é o tamanho máximo que pode ser transportado por escadas e elevadores. Tive de desmontar cuidadosamente as obras maiores e voltar a montá-las e a enfeitá-las já no local da exposição. Devido às limitações do espaço para a exposição, nove quadros não puderam ser expostos, incluindo os utilizados para a capa do álbum e para o convite, dois dos quais nunca tinha pensado que acabariam por não ser expostos. Crio o que quero, mas planear uma exposição requer ter em conta o local e o efeito final, pelo que normalmente preparo mais obras que possam ser efectivamente expostas. Adaptei consideravelmente uma das salas desta exposição mas, mesmo assim, acabei por reduzir o número de obras expostas mais do que esperava. Aliás, o número total de obras não exibidas quase que dava para fazer outra exposição.


J: Acha que há necessidade de estabelecer uma academia de artes em Macau?

L: Tínhamos apresentado uma proposta desse género, mas o Governo rejeitou-a imediatamente. A razão é que o Instituto Politécnico de Macau já oferece cursos semelhantes, embora, na realidade, esses cursos sejam demasiado extensos. As autoridades esperam que Macau possa diversificar as suas indústrias, mas a criação de uma academia de artes e a diversificação das indústrias constituem uma questão de “Quem veio primeiro, a galinha ou o ovo?”. Macau parece ter saltado por cima da “cultura” directamente para a “indústria” na sua constante procura de “valor de produção”, mas poderemos assim ter uma indústria artística sem ser baseada numa verdadeira noção de cultura? A cultura pode embalar uma cidade, como se fosse a sua roupagem. Durante o período inicial de desenvolvimento, a sociedade não pode esperar muito em retribuição, no entanto, deve investir nos recursos para esse desenvolvimento. A sociedade de Macau não atribui importância suficiente às artes. As pessoas procuram carros de luxo, carteiras de marca e abunda a especulação imobiliária, mas raramente coleccionam obras de arte, o que é o resultado de múltiplas deficiências.


04.jpg

Lai refere que muitos excelentes artistas em Macau optam por desenvolver a sua carreira no estrangeiro, mas o custo de aquisição de materiais criativos em Macau é mais baixo, o que é mais conducente à sua criação contínua.


Instagram de Lai Sio Kit: siokitlai