Alvis Sio

Alvis Sio nasceu em Macau nos anos 1990. Trabalha no sector dos média e é autora da obra The Good Old days of Colonial Hong Kong and Macao.


Entre a calma e a paixão – sobre escrever para uma revista literária (I)

10a edição | 10 2015

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“Uau, tu trabalhas numa revista literária? Deves adorar ler.” Isto é o que as pessoas dizem sempre que me apresento – e deixa-me ligeiramente desconfortável.


Pode estar a pensar, mas não é verdade? E mesmo que seja, porque é que isso é estranho? Sim, a verdade é que adoro ler, mas gostar de ler ou trabalhar como editora literária não é apenas um caso simples em que se soma dois mais dois. Existem questões que vão surgindo, por exemplo que dizem respeito à distância que separa a esfera pessoal e profissional.


Um intermediário adequado


Ler é algo pessoal. Podemos ter as nossas próprias preferências e gostos, e ler livros por paixão. Mas trabalhar numa revista literária é algo público. Somos o intermediário entre os leitores e os livros, e precisamos de dar um passo atrás e utilizar uma perspectiva racional para interpretar e escolher livros diferentes, e depois pensar como apresentar esses livros na revista. Iniciei este trabalho em 2012 e pelo caminho fui ganhando algumas competências que me alegro de partilhar convosco.


Uma revista literária é uma revista, mas não é algo que esteja direccionado para as massas. Também não é uma publicação académica obscura. Tem de estar aberta ao público, mas não pode ser popularucha; como editor, tem de se ter em consideração os interesses dos leitores. As pessoas gostam de romances, biografias, literatura clássica, banda desenhada e todos os tipos de livros. O trabalho de uma revista é equilibrar o interesse de todos estes para criar uma espécie de “menu” de livros. O editor também tem de aproveitar o interesse num determinado livro ou numa publicação da moda para maximizar o interesse dos leitores, para que estes peguem nesse livro e o leiam. Mesmo que se sinta sob pressão, não esteja familiarizado com esse livro ou autor ou simplesmente não goste da obra, tem ainda assim de seguir em frente. Lembro-me de uma vez ter marcado uma entrevista com um especialista em artes marciais e, depois da entrevista estar confirmada, corri para uma livraria para ler sobre todos os aspectos das artes marciais. Felizmente, no final, penso que correu tudo bem.


Conhecer os meus ídolos


Além destas limitações, trabalhar para uma revista literária tem uma série de vantagens. Para uma apaixonada por livros, a maior é o acesso que tenho em primeira mão a novas obras e o encontro com os meus autores favoritos, mesmo que muitas destas pessoas se tenham retirado da vida pública e recusem entrevistas ou estejam simplesmente muito ocupadas. A profissão permite que utilize o trabalho como justificação para convidar autores que admira para uma conversa; às vezes pode até nascer uma amizade. Já vi isso a acontecer muitas vezes.


Esta espécie de indefinição da fronteira entre o pessoal e o privado deve ser o sonho de muita gente que trabalha, e é nisso que me tento focar sempre que tenho dificuldades no meu emprego, oscilando entre a calma e a paixão. Estes encontros da vida real recordam-me que não estou sozinha neste vasto mundo literário.


Agora que partilhei algumas reflexões sobre a transformação de um leitor em editor, da próxima vez contarei alguns episódios de trabalho numa revista literária em Hong Kong.