Ron Lam

Escritora a residir no Japão, especializada em design, lifestyle e jornalismo de viagem, Ron trabalhou anteriormente como editora das revistas MING Magazine, ELLE Decoration e CREAM.


Ser curador numa galeria de artesanato

22a edição | 08 2017

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Kyoto 27


Inesperadamente, tornei-me a gestora de uma galeria de artesanato em Quioto. O dono da galeria é Alan Chan, um proeminente designer em Hong Kong. Na década de 1990, Alan ficou encarregue de alguns projectos de grande escala no Japão. Ele estabeleceu um forte vínculo com o território, por via profissional ou pessoal, o que o levou a criar a galeria Kyoto 27 em Quioto, cidade pela qual nutre um profundo carinho, com vista a promover artes e ofícios japoneses. Tendo tido a oportunidade de assumir o cargo de gestor da galeria, estou encarregado de quase tudo, da definição dos objectivos do espaço, da sua manutenção diária e da curadoria.


A maior dificuldade que enfrentámos na fase inicial foi definir a identidade da galeria. Existem inúmeras galerias de artesãos em Quioto. Como a nossa, muitas delas especializam-se em mostrar artesanato relacionado com a vida quotidiana. O “artesanato de estilo de vida” é uma expressão cunhada por artesãos como Mitani Ryuji e Ando Masanobu há mais de uma década, em resposta às artes e ofícios tradicionais. No passado, os ceramistas no Japão apenas faziam artigos relacionados com a cerimónia japonesa do chá, caso de tigelas de chá e recipientes ikebana. O conceito de “artesanato de estilo de vida” inclui todos os objectos de uso quotidiano na esfera das artes e ofícios. Devido ao movimento “estilo de vida”, hoje os fabricantes de loiças também são respeitados como artesãos.


Uma galeria especializada em “artesanato de estilo de vida” geralmente apresenta loiças e talheres. Um prato concebido para servir caril pode custar menos de mil ienes. Ele é exibido respeitosamente na prateleira com uma descrição ao lado, indicando o nome do fabricante. Os responsáveis por galerias em Hong Kong e Macau podem achar essa prática bizarra porque, geralmente, apenas os objectos com preços excepcionalmente altos são considerados arte. Mas o “artesanato de estilo de vida” contraria a ideia. Tanto os objectos como o seu preço são realistas.


As galerias Yamahon, Ikuichiri, Utsuwa SaiSai e Second Price estão entre as várias dezenas especializadas em artesanato deste género. Elas já satisfazem as necessidades do mercado. Por isso, encontrar novos clientes é uma dor de cabeça. Mas isso fez-me manter em mente uma questão: o que pode uma galeria dirigida por pessoas de Hong Kong com experiência em design e jornalismo fazer pelos artistas? Como podemos diferenciar-nos das nossas congéneres?


Quando estava a trabalhar no meu novo livro, All About Tableware and Its Makers, conheci muitos ceramistas. Entre eles encontra-se Yajima Misao, com quem tive uma conversa particularmente memorável. Segundo ela, como artista especializada em cerâmica, o mais fácil é fazer utensílios de mesa, que são mercadoria vendável, estando as galerias geralmente dispostas a colaborar com quem os cria. Porém, quando o artista recebe uma encomenda, ele tem de fazer o mesmo produto 100 vezes e desenhar o mesmo padrão de forma mecânica, um tipo de trabalho repetitivo que mata gradualmente a criatividade dos criadores.


O que Yajima disse revela a realidade que estas galerias enfrentam no Japão. Para bem do negócio, o espaço deve apresentar os produtos com maior procura. Alguns dos artesãos, a fim de ganhar a vida, também trabalham arduamente na elaboração de objectos lucrativos. Eles talvez tenham outras preferências no que toca à criatividade, mas não conseguem encontrar galerias que comprem as suas ideias. Isto é perfeitamente compreensível na medida em que o artesanato visa servir as pessoas, enquanto a arte é mais introspectiva. O papel de uma galeria é transmitir ao público as ideias do artesão e do artista, e a mensagem deve ser claramente comunicada para alcançar os clientes certos. Como os artesãos e os artistas têm preferências totalmente diferentes, as galerias necessitam de adoptar abordagens distintas quando comunicam essas mensagens. Esta parece ser a lacuna que podemos preencher no sector das galerias em Quioto.


Trabalhei durante anos como editora de revistas. Não tenho confiança quando se trata de gerir comercialmente uma galeria, mas acho que sou bom em comunicação. Além disso, Alan tem uma equipa realmente forte. Eu acredito que vamos encontrar uma forma esplêndida de mostrar os trabalhos dos artesãos e tornar as suas mensagens compreensíveis.


A colaboração com Alan está repleta de momentos confortáveis e prazenteiros. Ele tem um grande coração. Conquanto isso esteja ao seu alcance, ele está disposto a ajudar os artesãos a concretizar as suas ideias. A gestão de uma galeria é uma operação comercial. Alan está satisfeito desde que a Kyoto 27 se possa auto-financiar. Liberal e de mente aberta, ele deu-me carta branca para curar exposições. Assim, tenho tido tempo para conversar com os artesãos e compreendê-los melhor. Juntos poderemos, enfim, apresentar planos para futuras exposições.