Ron Lam

Escritora a residir no Japão, especializada em design, lifestyle e jornalismo de viagem, Ron trabalhou anteriormente como editora das revistas MING Magazine, ELLE Decoration e CREAM.


Fisicamente limitados mas livres na mente – A Arte dos deficientes mentais e físicos

34a edição | 08 2019

Um amigo meu do sector de moda upcycling em Hong Kong recebeu recentemente financiamento para estudar técnicas criativas de reutilização para design de moda no Japão. O meu amigo abordou-me para pedir recomendações sobre onde ir e o que visitar no Japão. O primeiro lugar em que pensei imediatamente não foram as lojas antigas transmitidas e geridas por várias gerações, mas o Shobu Gakuen, um centro especial para pessoas com deficiências físicas e mentais em Kagoshima.

Vi pela primeira vez as peças do Shobu Gakuen numa loja seleccionada chamada 22, em Nagoya. A dona da 22 é uma senhora elegante na casa dos 50, 60 anos, sempre vestida com roupas da estilista italiana Daniela Gregis. A sua loja vende roupas de Daniela Gregis, peças de cerâmica do ceramista sul-coreano Hono Kim e livros de arte em segunda mão de todo o mundo. Entre as suas colecções, há também artesanatos feitos por alunos do Shobu Gakuen, como o wagami (papel tradicional japonês), peças feitas em laca, etc. Originalmente, eu não sabia que estes artesanatos eram todos feitos por pessoas com deficiências físicas e mentais. As peças tinham um aspecto em estado bruto mas poderoso para mim, radiantes de imprudência e espírito livre. Não oferecem funções convencionais que as pessoas normalmente esperam. Mas dão aos apreciadores um entretenimento inexplicável. Havia na loja uma pilha de wagami com o tamanho de cartões-de-visita. Estes wagami eram tão grossos que não era sequer possível dobrá-los. A superfície áspera do wagami também tornava impossível que as pessoas escrevessem neles. Mas isto não faz com que as pessoas se afastem. Ao contrário, a espessura significa qualidade e é o que torna estes wagami especiais. Os objectos em laca do Shobu Gakuen são igualmente matéria bruta, drasticamente diferentes das delicadas peças de laca que o Japão possui. Mas o wagami e os objectos em laca são apenas uma pequena parte das obras produzidas pelos alunos do Shobu Gakuen. Eles também pintam, fazem trabalhos em madeira, cerâmica, costura e muito mais. As suas obras são todas vibrantes, com uma energia avassaladora.


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O Shobu Gakuen foi fundado em 1973. O actual presidente da academia é Shin Fukumori. Depois de suceder ao seu pai na liderança da academia, o Shobu Gakuen passou por uma série de mudanças importantes. Nos centros convencionais para pessoas com desafios físicos e mentais, os alunos são obrigados a produzir artesanatos que estejam de acordo com os padrões convencionais. No Shobu Gakuen, porém, os alunos não têm de costurar linhas rectas em tecidos ou embalar um número exacto de doces num saco. Não há trabalhos repetitivos, como por exemplo colocar pauzinhos descartáveis em sacos. Fukumori era visto como um rapaz rebelde no passado. Ele discordava fortemente da gestão disciplinar nos centros convencionais para pessoas com deficiências físicas e mentais. Na sua perspectiva, estes centros não devem apenas atribuir trabalhos repetitivos aos seus alunos e definir um horário fixo que lhes diga quando tomar banho e quando ir para a cama. A lógica por trás disto é muito simples: ele próprio também não pode seguir estritamente esses horários. Fukumori acredita que o estilo de vida ideal para os alunos é poderem fazer as coisas de que gostam e viver livremente. É por isso que ele organiza gradualmente oficinas de artesanato na academia. Por exemplo, agora decorrem oficinas de marcenaria, cerâmica, costura, wagami e pintura na academia, para os alunos participarem. Além disso, ele montou uma galeria para mostrar as peças de artesanato feitas pelos alunos, além de ter aberto uma padaria, um restaurante de soba, um restaurante de massas e uma loja de artesanato na academia. Há também uma grande pastagem e uma fazenda com animais agora disponíveis para visita pública na academia. Este centro para pessoas com deficiências físicas e mentais tornou-se desde então um destino de caminhadas para os moradores das comunidades vizinhas e visitantes de outras cidades do Japão.

Qualquer pessoa ficará impressionada com a força criativa que o Shobu Gakuen possui quando se vem aqui pela primeira vez. A oficina de costura é a mais impressionante para mim e ainda me lembro de como uma sensação avassaladora me atingiu quando a visitei pela primeira vez. Cerca de 20 estudantes do Shobu Gakuen estavam ocupados com o trabalho de costura. As suas técnicas de costura não seguem regras específicas. Eles simplesmente costuravam da maneira que gostavam. Alguns usavam fios grossos de algodão e faziam uma costura crua. Alguns estavam obcecados com as borlas. Eles acariciavam as borlas enquanto faziam pequenas bolas de farrapos, chamando-as de neko (gatinhos). Quando os alunos estão a fazer artesanato, não têm uma visão particular do processo de produção. Eles fazem aquilo simplesmente porque estão obcecados com os movimentos. Eles continuam apenas a fazer passar o fio pelo tecido, costurando fios de cores diferentes. Através deste processo, eles criam obras impossíveis de definir.


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Na verdade, há também outros centros no Japão que se dedicam a encorajar pessoas com deficiências físicas e mentais a estabelecer um carácter e a criar livremente. Há, por exemplo, a Academia Nemunoki na Prefeitura de Shizuoka e o AtelierCORNERS, que foi impulsionado pelas mães de pessoas com deficiências mentais em Osaka. Além disso, há também Diversity in the Arts, uma organização focada em ajudar pessoas com deficiências físicas e mentais a publicar os seus trabalhos. A Diversity in the Arts abriu várias galerias no Japão.

Obras criadas por estudantes de organizações como o Shoubu Gakuen, a Academia Nemunoki e o AtelierCORNERS foram exibidas por galerias de todo o mundo. Por exemplo, os trabalhos do Shobu Gakuen foram exibidos na Galeria Shishido de Tóquio, no Museu de Arte Teien da Metrópole de Tóquio, no Museu Metropolitano de Arte de Tóquio, etc. O artesanato de pessoas com deficiências físicas e mentais atrai naturalmente os visitantes. Mas os elementos mais atraentes são a expressão genuína de arte em estado bruto e a personalidade irradiada por essas obras. Estes são os traços de carácter que a maioria dos artistas e criadores gradualmente perdem à medida que progredirem na sua carreira.