Ron Lam

Escritora a residir no Japão, especializada em design, lifestyle e jornalismo de viagem, Ron trabalhou anteriormente como editora das revistas MING Magazine, ELLE Decoration e CREAM.


Visitar bibliotecas

32a edição | 04 2019

Quando eu tinha apenas dez anos, já me esgueirava para as secções de adultos das bibliotecas. Não tenho certeza se as regras são diferentes agora. Mas, naquela época, apenas jovens com mais de 11 anos podiam entrar na secção adulta da Biblioteca Tuen Mun. 


À época, eu estava obcecada pelos romances de Chiung Yao e não conseguia deixar de me esgueirar para ali. A secção infantil era muito barulhenta, enquanto a secção para adultos era incrivelmente silenciosa. Foi uma experiência bastante assustadora, já que a secção de adultos era tão silenciosa e eu estava literalmente a quebrar as regras. Eu retirava rapidamente em alguns livros de Chiung Yao da prateleira e saía dali assim que possível. Conforme me fui tornando gradualmente mais ousada, comecei a explorar aquelas estantes. Autores japoneses famosos como Kawabata Yasunari, Haruki Murakami, Kenzaburo Oe e Natsume Soseki começaram a impressionar-me e mais tarde tornaram-se referências para a minha lista de leituras.

 

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Uma biblioteca é um lugar onde as pessoas podem escapar de seus problemas diários e desfrutar de livros. Quando cheguei ao Japão pela primeira vez, eu não falava japonês. Mas tive a sorte de ter encontros incríveis com bibliotecas japonesas. A biblioteca da Universidade de Arte e Design de Quioto era a minha favorita quando estava a estudar naquela cidade. Escolhi estudar no Instituto de Cultura e Língua de Quioto porque podia usar as instalações da universidade enquanto estudante de uma escola de línguas. A biblioteca da universidade tem recursos abundantes para artes e fotografia. Foi ali que li muitos portfolios excelentes de Hiroshi Sugimoto e Daido Moriyama e livros sobre arquitectura de Nakamura Yoshifumi e Terunobu Fujimori.

 

Depois de me formar, mudei-me primeiro para Takatsuki, em Osaka, e depois voltei ao distrito de Nakagyo, em Quioto. Havia sempre uma biblioteca a curta distância da minha casa. A biblioteca em Takatsuki era clara e limpa. Havia mesas na biblioteca nas quais os visitantes podiam ler ou trabalhar nos seus computadores portáteis. Comecei também uma nova rotina nessa biblioteca. Comecei a escrever artigos lá, usando a biblioteca como um escritório partilhado. Mas a biblioteca pública central perto da minha casa em Quioto não tinha essa mesma função, pois apenas permitia que os visitantes usassem as mesas para leitura. Além disso, havia sempre um cheiro a suor durante o Verão. Provavelmente porque o prédio já era velho e o sistema de ventilação estava ultrapassado. Por esse motivo, ali eu também me apressava a deixar a biblioteca depois requisitar os meus livros.

 

Quioto está cheia de arquitectura incrível. Talvez aquela cidade nunca pudesse entender por que uma cidade em Kyushu colocaria todos os seus esforços numa biblioteca. Há vários anos, depois de visitar o festival de cerâmica em Karatsu, na prefeitura de Saga, fiz um desvio e fui a Takeo. Tal como eu, a maioria dos turistas que vão a Takeo fazem-no pela biblioteca da cidade.

 

A biblioteca da cidade de Takeo foi construída em 2000. Quando Keisuke Hiwatashi se tornou perfeito da cidade, a biblioteca ainda era muito recente. O novo prefeito da cidade pensou em renovar a biblioteca. Keisuke Hiwatashi encontrou vários problemas. Por exemplo, a biblioteca não tinha fundos suficientes do governo da cidade e, portanto, não tinha uma oferta diversificada de revistas nem pessoal suficiente. Em 2012, ele lançou oficialmente um plano de renovação de biblioteca em parceria com o Culture Convenience Club do Tsutaya Books Group. De acordo com o plano de renovação, a biblioteca iria atribuir um espaço à Tsutaya Books para a venda de revistas e livros. Em troca, a Tsutaya Books seria responsável pela gestão da biblioteca e pela aquisição de novos livros e revistas, de modo a proporcionar aos residentes mais opções de leitura. Na biblioteca, há um Starbucks e um espaço de leitura pública aberto a todos.

 

Confiar a administração de um edifício público a uma empresa privada é bastante controverso. No segundo andar da biblioteca da cidade de Takeo, há agora paredes de livros feitas de dezenas de milhares de obras do inventário da biblioteca, que oferecem um prazer visual deslumbrante. Em apenas um ano, a biblioteca atraiu mais de um milhão de visitantes para Takeo, uma cidade muito pequena numa zona rural. O número de visitantes aumentou em 360%, trazendo receitas adicionais para a cidade de Takeo. No entanto, as receitas não são, na verdade, o objectivo final do plano de Keisuke Hiwatashi para a renovação da biblioteca.

 

“As bibliotecas públicas hoje em dia são apenas bibliotecas geridas pelo governo. Não são realmente públicas”, diz Keisuke Hiwatashi. “Elas não são interessantes porque são administradas pelo governo.” Ele acredita que as bibliotecas públicas estão a ser geridas apenas de acordo com as directrizes do governo, o que não é suficiente. Hiwatashi acredita que a propriedade pública das bibliotecas estatais deve servir os cidadãos, mesmo que os visitantes possam não ir até lá para ler.

 

A Biblioteca Municipal de Takeo apresenta outra função das bibliotecas. Não só oferece ao público a oportunidade de descobrir livros interessantes, mas também serve como um espaço público para os moradores da cidade relaxarem. A biblioteca da cidade de Gifu, chamada Nossa Floresta (みなの森), deu às bibliotecas missões mais amplas. Mas vou deixá-la para outra oportunidade.