Lam Sio Man

Nascida em Macau, atualmente a viver em Nova Iorque. Dedica-se a exposições independentes, à escrita e ao trabalho em educação artística. Em 2019, foi curadora da Exposição Internacional La Biennale Di Veneza, inserida nos Eventos Colaterais de Macau, China. Trabalhou no Departamento de Assuntos Culturais da cidade de Nova Iorque, no Museu dos Chineses na América e no Instituto Cultural do Governo da RAEM. É licenciada pela Universidade de Pequim em Língua Chinesa e Artes, e mestre em Administração de Artes pela Universidade de Nova Iorque.

O “Black Mountain College” do Largo de Santo Agostinho de Macau—
Memória privada, literatura artística e cenas da arte moderna e contemporânea (2)

45a edição | 08 2021

Black Mountain College (1933-1957), uma escola que colocou o ensino das artes no centro da sua formação, foi uma instituição lendária dos Estados Unidos da América. Nessa escola gratuita, não havia cursos obrigatórios nem exames, os professores e alunos elaboraram em conjunto os programas educacionais, todavia. O tempo de graduação dava-se de acordo com o estudante. No entanto, os professores e os alunos não deixavam de conviver para criar programas de estudo, cuidar da cozinha ou da fazenda, bem como fazer diferentes experiências artísticas, educacionais e de vida. Com apenas 24 anos de história, a escola formou uma série de artistas, músicos e dançarinos de grande influência no século XX, entre os quais se destacam Robert Rauschenberg, John Milton Cage Jr. e Merce Cunningham, o que fez com que a escola fosse muito falada entre o público em geral. 


Na verdade, houve também, na história de Macau, um instituto experimentalista. Mesmo abrindo apenas cursos nocturnos, a instituição contou com os mestres das academias europeias de artes e com artistas ou profissionais locais ou das regiões vizinhas, como Hong Kong e o Interior da China. Entre os estudantes, estavam tanto jovens como trabalhadores. Os professores e estudantes tanto aprendiam em sala de aula como faziam criações e experiências juntos. A academia funcionou durante somente 4 anos, mas teve uma influência tão profunda que muitos dos nomes da indústria artística de Macau nos 20 a 30 anos seguintes estavam ligados a essa escola. 


Trata-se da Academia de Artes Visuais de Macau (1989-1994), antecessora da actual Escola Superior de Artes do Instituto Politécnico de Macau e também a primeira escola de artes moderna de Macau. Fundada pelo antigo Instituto Cultural de Macau, a instituição situava-se no nº 2 da Calçada do Gamboa, um edifício de 4 andares de estilo português. O primeiro reitor foi Nuno Barreto (1941-2009), artista e pedagogo do Porto, Portugal.


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Objectos promocionais de cursos da Academia de Artes Visuais de Macau em 1989 


No seu artigo sobre o ensino, o reitor não achava que eram obrigatórios um diploma ou um certificado de habilitações para os artistas criativos, mas sim que o instituto devia servir mais como uma plataforma de aprendizagem e de diálogo, fornecendo aos alunos um estabelecimento, instalações e encorajamento. Dedicou-se a fazer do instituto não apenas um espaço onde se ensinavam as técnicas pragmáticas mas também um lugar onde se convergiam as ondas de criação artística e se comunicavam as diferentes culturas e tradições. Foi essa missão que permitiu à academia concentrar em si e formar uma grande quantidade de talentos da indústria de arte em poucos anos.


Nuno Barreto faleceu em 2009 e a herança artística e pedagógica em Macau que deixou apenas pode ser recolhida e ordenada pelos devidos interessados mas ainda conseguimos ver, nas suas pinturas, a sua dedicação a Macau. 


Outra personagem importante da academia foi o vice-reitor de então, o artista Mio Pang Fei, cuja obra Quinze Anos da Arte Moderna de Macau, por limite de espaço, apenas conseguiu listar, de forma resumida, algumas pessoas e alguns eventos. As outras histórias das experiências artísticas e dos laços emocionais dentro e fora da sala de aula só foram reveladas e conhecidas pelo público quando os seus estudantes escreveram artigos para o recordar após a sua morte no ano passado.


Em relação às experiências artísticas, diz-se que, nessa altura, decorriam, na academia, de vez em quando, artes performativas de vanguarda. Por exemplo, Kwok Mang Ho, conhecido como o “Rei do Sapo” de Hong Kong, fez várias performances, tais como beber tinta, rasgar papéis, vomitar e fazer pulos de sapo em todos os cantos, tornando a academia numa “estação de lixo”. Atualmente, uma cena destas não seria nunca vista em nenhuma instituição de Macau. Mas foram essas prácticas irregulares que acrescentaram novas energias à indústria artística de Macau.


Hoje em dia, não faltam em Macau instituições de ensino de artes que dão aos artistas um diploma, mas há indícios de burocracia e industrialização no sistema da educação de artes. Seria mais digno para os responsáveis pelas políticas de ensino de artes, reitores das instituições e profissionais desta área ponderarem como voltar mais ao cerne da educação artística.


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Fotografia dos docentes e estudantes, tirada na sala de pintura ocidental do 4º andar da Academia. (fotografia cedida por Ng Fong Chao, estudante da Academia)


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Fotografia dos docentes depois da sua admissão no IPM em 1994 (fotografia cedida por Ng Fong Chao)


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Labirinto Junto ao Estuário (traduzido pela autora), obra de Nuno Barreto. Fonte: www.poetanarquista.blogspot.com