Yap Seow Choong

Yap é um aficionado do design, das viagens e de tudo o que é belo na vida. Escreve para várias publicações sobre viagens e design e tem vários livros publicados, dos quais se destacam Wander Bhutan e Myanmar Odyssey. Antigo editor da Lonely Planet China, Yap é agora o principal responsável por todos os conteúdos da Youpu Apps, uma empresa de aplicações sediada em Pequim.


Uma galeria de arte não convencional

19a edição | 02 2017

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Se Hai Zi tivesse vivido em Hobart, na Austrália, ter-lhe-ia sido difícil escrever poesia assim: “A partir de amanhã, importar-me-ei com comida e vegetais./ Vivendo numa casa virada para o mar,/ onde as flores desabrocham no clima quente.” Em Hobart, todas as casas estão viradas para o mar, e as pessoas praticamente não têm de preocupar-se com o abastecimento de comida e vegetais, uma vez que é improvável que o nível de conforto e lazer daquele lugar inspire o saudosismo inocente mas intenso deste poema. Não há necessidade de começar “a partir de amanhã”, quando Hobart é bela desde o princípio.


Com as suas discretas atracções e museus na baixa, Hobart não é necessariamente uma cidade amistosa para os turistas. As muitas casas construídas pelos britânicos durante o período colonial também não são notáveis em termos de escala ou riqueza de detalhes. No entanto, trata-se de um óptimo lugar para viver, e os residentes parecem bastante satisfeitos com o que a cidade tem para oferecer. Caso contrário não haveria uma gama tão vasta de plantas que enchem os seus jardins e florescem na beleza da Primavera.


Aqueles que já visitaram Hobart, dizem que a Galeria de Arte Mona é um destino imperdível. Nos últimos anos a modesta cidade de Hobart tem atraído a atenção de viajantes devido a esta galeria. Fundada pelo abastado empresário David Walsh, trata-se da maior galeria de arte privada da Austrália, e tem apresentado várias exposições individuais. Devido à sua enorme popularidade, a galeria decidiu recentemente começar a cobrar pela entrada nas exposições.


A galeria tem uma arquitectura marcante e, particularmente, um formato fascinante. A parte da frente da galeria está decorada com uma série de instalações de grande escala. O que é mais intrigante é a existência de um campo de ténis à entrada, um design adoptado para agradar a David Walsh, seu fundador e grande apreciador de ténis. Quanta indulgência.


Entrar na galeria é como atravessar um túnel profundo. Localizada 17 metros abaixo do nível do solo, os visitantes dão por si a subir da zona mais profunda para o nível do solo, onde está a exit. A galeria manteve as texturas ásperas das paredes de pedra, e tem um design que não contempla janelas e em que o interior se mantém escuro e misterioso. Isto não só torna mais dramática toda a experiência de visita à galeria, como também condiz com uma galeria que apresenta tantas obras controversas e escandalosas.


Muitas das 400 obras da galeria são propriedade de Walsh. Uma gama ecléctica, estas obras vão desde relíquias históricas a objectos contemporâneos, sendo que uma das peças mais curiosas é a “máquina de estrume”, concebida pelo mestre belga Wim Delvoye. A máquina produz estrume diariamente e convida os visitantes a assistir ao processo de produção. O produto é depois embalado num saco de vácuo selado e vendido como uma obra artística, uma crítica à ideia dos actos comerciais numa sociedade capitalista orientada para os produtos. Além destes objectos intrigantes, há também peças mais tradicionais, como múmias do Egipto e artesanato africano. Algumas das obras mais clássicas e contemporâneas são expostas lado a lado, uma vez que todas retêm um apelo estético aprovado pelo fundador. O facto de estes objectos terem chamado a atenção do seu mestre, ajuda a justificar a sua presença neste espaço, e faz com que seja desnecessário separá-los por categorias.


A galeria apresenta uma disposição aleatória, em que não são visíveis quaisquer secções temáticas ou legendas. Em vez disso, a informação sobre cada peça está disponível no dispositivo semelhante ao iPod que guia o visitante pelo espaço. Se um visitante encontra um quadro de que gosta, pode usar esse aparelho para consultar toda a informação sobre aquela peça e o respectivo artista. O visitante pode também partilhar as suas impressões sobre as peças, deixando uma mensagem no dispositivo, que indicará se “gostou” ou “não gostou”, e que pode partilhar nas redes sociais. Depois da visita, é possível guardar uma cópia da informação sobre a exposicao, via email. Todo o processo interactivo pretende fazer com que o uso das redes sociais possa fazer parte da experiência de visitar a galeria. É como se andar pela galeria fosse semelhante a andar às compras, momento em que somos guiados pelos nossos instintos e preferências, e cujo prazer que se obtém não depende de percursos fixos ou itinerários de visita.


Um facto notável sobre esta galeria não convencional é que Walsh é um profissional dos jogos de fortuna e azar que encontrou uma fórmula que calcula a probabilidade de ganhar e perder uma aposta. Posteriormente, Walsh investiu os lucros do jogo na sua colecção privada de arte, o que prova que é um homem de negócios com visão. O feito da galeria Mona reside no modo como conseguiu revolucionar a experiência de visitar uma galeria de arte, tornando-a muito mais imaginativa. Tal como o seu proprietário explicou certa vez: “Isto é uma Disneylândia subversiva e para adultos. A criatividade é sempre subversiva, uma vez que trata-se de revelar algo novo através de actos sem precedentes”.