Lam Sio Man

Nascida em Macau, atualmente a viver em Nova Iorque. Dedica-se a exposições independentes, à escrita e ao trabalho em educação artística. Em 2019, foi curadora da Exposição Internacional La Biennale Di Veneza, inserida nos Eventos Colaterais de Macau, China. Trabalhou no Departamento de Assuntos Culturais da cidade de Nova Iorque, no Museu dos Chineses na América e no Instituto Cultural do Governo da RAEM. É licenciada pela Universidade de Pequim em Língua Chinesa e Artes, e mestre em Administração de Artes pela Universidade de Nova Iorque.

Criatividade na documentação histórica: observando duas exposições documentais

37a edição | 02 2020

Dez anos de sono


No final do ano passado fiz a curadoria de uma exposição para artistas em residência em Macau, no Armazém do Boi. Tive a sorte de descobrir que a exposição documental “We・Art Space” estava a decorrer naquele espaço de dois andares. A exposição mostrava documentos do Armazém do Boi entre 2001 e 2010, que foi a minha porta de entrada no passado do Armazém do Boi.


O Armazém do Boi é o espaço experimental mais conhecido para a arte contemporânea em Macau. É por isso que a exposição documental “We・Art Space” é mais ou menos uma exposição documental da arte contemporânea de Macau. No entanto, o curador parecia querer que o público escrevesse os registos históricos por conta própria, pois a exposição não contava muitas histórias grandiosas, mas mostrava principalmente folhetos promocionais, publicações e documentos vídeo do passado. Ao andar por entre estes documentos históricos, quase que podíamos ouvi-los contar as histórias, mergulhar na história. Talvez esteja na hora de a arte contemporânea de Macau começar a contar a sua história?


Duas exposições documentais, duas formas de documentação contemporânea


2019 é provavelmente um ano memorável para a comunidade cultural de Macau, que valerá a pena voltar a observar no futuro. Além da exposição documental no Armazém do Boi, houve também ⌘O — A Exposição dos Documentos dos Anos 90 de Teatro de Macau, com curadoria do Instituto de Cultura Teatral de Macau, que mostrou o desenvolvimento da cena teatral de Macau na década de 1990, através de documentos históricos relevantes e eventos históricos. A primeira exposição reconstituiu o passado da cena de arte contemporânea de Macau, enquanto a segunda documentou a história do sector do teatro contemporâneo de Macau. 


A exposição documental do Instituto de Cultura Teatral de Macau é, de certa forma, crítica. Não só passa pela história dos teatros de Macau, mas também reflecte a participação do público na criação de arte através de documentos históricos. De facto, a maioria da bibliografia e publicações documentais sobre Macau foram escritas por estudiosos de outros lugares. O curador da exposição documental sobre os teatros de Macau destaca claramente que há uma necessidade urgente de a indústria do teatro se documentar e reflectir. De facto, o Instituto de Cultura Teatral de Macau já estava a promover recensões e estudos locais sobre teatro quando foi criado, há mais de dez anos. O instituto defende que “recensões e críticas são cruciais durante os tempos de ouro e a capacidade de documentar traz poder”. A ênfase nos estudos documentais e académicos permitiu que a indústria local de teatro tivesse a sua história, atribuindo maior significado a todo o trabalho contemporâneo criado em Macau. Acredito que é aqui que reside a criatividade da documentação histórica. O documentário não é apenas sobre o passado.


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Em comparação, a comunidade de arte contemporânea de Macau carece de desenvolvimento documental desde a sua base. Raramente há muita discussão ou um registo profundo depois de cada exposição. Independentemente da escala de uma exposição, só conseguimos ver o nome da mesma numa breve menção de jornal. Faltam recensões profissionais de arte e outras informações relevantes sobre as exposições, já para não falar da documentação da história da arte contemporânea de Macau. Tomemos a exposição documental no Armazém do Boi como exemplo. A exposição passava mais por exibir documentos aos visitantes do que mostrar a história por trás deles. Não era uma obra documental clara. Talvez isto deixe mais espaço para a documentação da história da arte contemporânea de Macau. Mas também precisamos considerar se isto significa que os artistas locais continuarão a negligenciar a importância de documentar.


De momentos da história a uma exposição de arte


Nos últimos anos, Macau alcançou excelentes progressos na arte contemporânea. Jovens talentos estão a começar a ver a arte como uma carreira viável. Os artistas locais estão a ter uma interacção mais activa com os sectores público e privado. Alguns artistas já alcançaram sucesso comercial. Mas, no geral, a arte contemporânea de Macau carece de reconhecimento no cenário regional e internacional. Vários artistas relativamente mais experientes também acham difícil conseguir ir mais longe. Isto pode ser atribuído à falta de crítica de arte contemporânea e de biografia em Macau. Tal como o curador Mok Sio Chong disse certa vez numa entrevista: “Se não fizermos bons documentários sobre nós mesmos e confiarmos apenas nos outros para uma recolha aleatória de informações, penso que a situação não será muito positiva”.


A longo prazo, os talentos profissionais do sector da arte contemporânea em Macau podem aprender com a indústria do teatro e gradualmente ganhar a capacidade de documentar e reflectir a partir da base. Isto pode ajudar a impulsionar o desenvolvimento de um mecanismo de crítica e documentação e a formar críticos e comentadores de arte profissionais em Macau. Somente assim a criação e exposição de arte contemporânea em Macau podem progredir e construir uma cena artística com profundidade, baseada na história.