Animações de Macau chegam ao grande ecrã

06 2019 | Issue 33a edição
Texto/Lai Chou In

Ao fazer animações, mesmo o movimento mais simples, como a personagem a acenar com a mão por um segundo, requer muito trabalho. Geralmente, são precisos mais de 20 frames estáticos para expressar esse movimento simples. Não há dúvida de que os animadores precisam de colocar esforços incomensuráveis em cada um desses frames para produzir recursos visuais de qualidade. Recentemente, cinco animações locais subsidiadas pelo Programa de Subsídios à Produção de Curtas Metragens de Animação Originais começaram a ser exibidas em várias regiões. Esta é uma grande oportunidade para o público ver filmes de qualidade de animadores locais emergentes e também uma excelente oportunidade para mostrar as possibilidades que a indústria de animação em Macau possui.


Memórias de um Farol em Macau


Lançado em 2016 pelo Instituto Cultural do Governo da RAEM, o Programa de Subsídios à Produção de Curtas Metragens de Animação Originais visa promover o desenvolvimento da indústria de animação em Macau e cultivar criadores, produtores e dinamizadores de animação emergentes. Após a fase de selecção inicial e a segunda fase de selecção, o júri do programa acabou por seleccionar cinco dos 22 projectos a concurso. As animações seleccionadas terminaram recentemente a sua produção e estão a ser exibidas em várias cidades e feiras de animação este ano – por exemplo, no “Moving Image Programme: Independent Yours”, em Hong Kong, no mês de Abril; e na “Exposição de Multimédia, Animação e Banda desenhada de CMM”, em Macau, no mês de Maio. Entre eles, o filme do animador local Jay Lei, The Lighthouse, foi seleccionado pelo MONSTRA - Festival de Animação de Lisboa e pelo Animfest de Atenas, entre outros.


Em The Lighthouse, a personagem principal Luke sobe ao topo de um farol abandonado e tenta reiniciar a maquinaria e iluminar as suas memórias antigas. Esta é na verdade a história pessoal do próprio Lei. “Quando era ainda criança, olhava para o Farol da Guia do meu quarto. A luz do farol atravessava a nossa janela e projectava-se na parede”, diz Lei. “Após anos de desenvolvimento urbano, os novos edifícios perto do farol bloquearam a maior parte da área. Mas lembro-me sempre de como era ver aquele farol. Espero preservar esta grande memória ao contar histórias.”


Á espera de uma oportunidade


Embora a duração total do filme seja de apenas sete minutos e meio, foram no entanto necessários grandes esforços para reconstruir a memória de infância de Lei. De acordo com o realizador, o argumento foi alterado oito vezes desde que apresentou a proposta original no final de 2016, seguindo os conselhos do júri do programa. Apenas no início de 2018 ele começou finalmente a fazer a animação. A produção levou mais nove meses a terminar. O filme de animação foi criado com imagens pintadas à mão, contando a história de Lei através de cores quentes e gizes de água. “Pintei mais de dez imagens apenas para o fundo. Foi um grande desafio para mim”, diz Lei. Formado com um mestrado em Animação na Holanda, Lei tem feito trabalhos comerciais relacionados com animação e grafismo depois de regressar a Macau. “Estes projectos em que trabalhei servem basicamente os clientes. Eu quero sempre fazer o meu próprio conteúdo. O programa de subsídios deu-me essa possibilidade”, refere Lei.


Um sonho tornado realidade


Outra beneficiária do programa de subsídios, Zue Ku, descreve a sua experiência como um sonho tornado realidade. Ku formou-se em Animação e Design quando estudava em Taiwan. Depois de regressar a Macau, trabalhou como designer gráfica e não teve oportunidade de aprender directamente como funciona a indústria de animação em Macau. “Sempre tive o sonho de fazer animações desde que era pequena. Então, quando fiquei a saber do programa de subsídios, decidi que deveria tentar ou, caso contrário, poderia não ter a oportunidade de fazê-lo no futuro”, diz Ku. Assim como outros projectos de animação seleccionados pelo programa de subsídios, Ku precisou de quase dois anos para planear e produzir a sua animação de cinco minutos, Starry Sky. Starry Sky é também uma animação pintada à mão, com elementos de contos de fadas. Narra a amizade entre um menino socialmente desajeitado e um peixe. “Hoje em dia há muitas animações focadas no tema da protecção ambiental. Mas eu quero concentrar-me no modo como pensamos e sentimos. Não quero tornar a animação excessivamente complicada. É por isso que quero contar a história da perspectiva de uma criança”, explica Ku.


Tempo e talentos limitados


Tanto Lei quanto Ku tinham um emprego a tempo inteiro quando estavam a fazer as suas animações no ano passado. Só podiam trabalhar nas animações durante o seu tempo livre. “Basicamente, eu pensava na animação a toda a hora. Quando não estava ocupada com meu trabalho, pensava sobre a produção e as melhorias que poderia fazer para aperfeiçoá-la”, diz Ku. Além do tempo limitado, Lei e Ku também descobriram que a falta de talentos é outro grande desafio. Embora a dupla tenha trabalhado em vários papéis, como os de realizador e argumentista, mesmo assim foi impossível concluírem sozinhos o projecto de criação da animação. “Então, encontrei dois amigos para fazer a animação de personagens”, lembra Lei. “Mas não há muitos talentos profissionais em Macau. Demorei bastante tempo a encontrar um segundo animador que pintasse à mão.”


Fazer uso de recursos limitados para dar asas à criatividade


O programa de subsídios deu a cada projecto de filme de animação um total de MOP 240.000. Além disso, o júri do programa, composto por especialistas do interior da China, Hong Kong e Taiwan, partilhou a sua experiência com as equipas dos projectos de animação e deu conselhos sobre a produção. Toe Yuen, realizador e argumentista de animações de Hong Kong, foi um dos membros do júri. Yuen destaca que estes projectos de filmes de animação testam as capacidades dos produtores para traduzir a criatividade em conteúdo, gerir e coordenar projectos. “A produção independente de filmes é mais do que apenas fazer um bom filme. Exige que os produtores saibam como gerir todo o processo de produção com um orçamento limitado”, explica Yuen. “É uma arte muitas vezes negligenciada. É muito intuitivo pensar que o realizador só precisa de ter boas ideias.”


Na perspectiva de Yuen, a qualidade das cinco animações atingiu uma fasquia-padrão e apresenta bom conteúdo. Algumas das animações que vão participar em festivais de animação no exterior também têm capacidade para competir com filmes de talentos de todo o mundo. O Programa de Subsídios à Produção de Curtas Metragens de Animação Originais aprendeu com as experiências das regiões vizinhas e está mais maturado e detalhado do que os de Hong Kong. “O programa de subsídios de Macau teve uma segunda fase de selecção. Os candidatos admitidos à segunda fase de selecção tiveram de criar alguns dos conteúdos propostos que permitiram ao júri fazer uma avaliação mais abrangente. Isso garantiu a qualidade dos projectos de animação seleccionados”, diz.

Expandir a rede de contactos e criar uma comunidade de apoio


Quando falamos de Toe Yuen, muitas pessoas podem não perceber imediatamente de quem se trata. Mas os filmes de animação da sua autoria, por exemplo My Life as McDull e McDull, Prince de la Bun, são as principais animações que Hong Kong produziu nos últimos anos. Yuen acredita que o sucesso da série McDull foi também parcialmente resultado de alguma sorte e das oportunidades que teve. Mas o mais importante é que a série McDull já havia chegado ao mercado em formato manga quase dez anos antes de os filmes surgirem. Dito isso, o desenvolvimento da indústria de manga é a pedra angular da indústria de animação. Dado o facto de a indústria de animação em Macau ainda se encontrar na sua fase inicial de desenvolvimento e de faltar investimento e grandes empresas de produção, Yuen acredita que os talentos profissionais que trabalham nesta área devem trabalhar em estreita colaboração e estabelecer uma comunidade solidária. “Precisamos de saber em que é que os outros são bons”, diz Yuen. “Assim, quando houver um projecto que exija uma equipa, saberemos a quem recorrer. Podemos ajudar-nos mutuamente.”

O programa de subsídios foi uma grande oportunidade para Lei e Ku expandirem a sua rede de contactos no sector. “Originalmente, eu só queria terminar o meu projecto, fazer o upload do trabalho final nas plataformas online e arrumar o assunto. Mas depois de participar em diferentes mostras de filmes e entrar em contacto com muitas pessoas da indústria, percebi que poderia haver mais do que isso”, diz Ku. “O projecto foi muito além do meu plano original e, durante este processo, conheci muitos produtores de animação. Sem este programa de subsídios, não teria a oportunidade de saber que há um grande número de pessoas a fazer coisas semelhantes. Nunca saberia que o círculo dos profissionais de animação não é assim tão pequeno”, acrescenta Lei.


Melhorar as capacidades profissionais


Ku está há meses ocupada com o trabalho de produção e promoção. Ela está a planear fazer uma pausa após a projecção do filme e, depois, melhorar as suas capacidades profissionais em animação. Lei, por outro lado, deixou o seu emprego e tornou-se freelancer na indústria de animação. Ele espera abrir o seu próprio estúdio no futuro, quando chegar a hora. “Em comparação com as regiões vizinhas, a indústria de animação em Macau ainda tem um longo caminho a percorrer”, conclui Lei. “Mas aqui em Macau temos vários talentos profissionais com grande potencial que estão dispostos a comprometer-se com a indústria de animação. O desenvolvimento futuro da animação em Macau depende desta comunidade.”