Foco na modelagem e no apoio a designers emergentes: uma entrevista com a estilista Kitty Ng

04 2020 | 38a edição
Texto/Por Ariel Law

Sem a modelagem, mesmo o design de moda mais bonito não teria capacidade de se tornar real. Contudo, a modelagem não é uma tarefa fácil de executar em Macau. Há dois factores a ter em conta. Por um lado, como não há muitas encomendas para confecção de roupa na cidade, poucas são as fábricas dispostas a aceitar os escassos pedidos provenientes de Macau. Por outro lado, muitos alfaiates qualificados já se aposentaram. Percebendo essa necessidade, a estilista local Kitty Ng decidiu lançar a LA MODE DÉSIR—LMD Oficina de vestuário em 2017. “Actualmente, os nossos formandos são principalmente jovens estilistas de Macau. Eles sabem como fazer modelagem, mas não possuem necessariamente as competências para o fazer bem”, diz Ng. “Sem uma boa modelagem, pode-se perder a oportunidade de ganhar um prémio numa competição de moda ou perder pedidos dos clientes. É por isso que ela é tão importante. Trata-se do primeiro passo para transformar uma criação num produto.”

 

A paixão por ajudar designers emergentes

 

Ng trabalha em design de moda há vários anos. É uma designer criativa com excelentes competências de modelagem e técnicas de alfaiataria. Começou cedo a acumular prática na confecção de roupas. Ao trabalhar numa fábrica, fez desde trabalhos básicos como costurar ou coser missangas em bolsas e até bordados com pérolas. Aos 15 anos, iniciou-se na modelagem. Quando tinha 18, foi promovida a directora do departamento de fabrico de roupa da fábrica. Ng também possui formação académica em design de moda, tendo inclusivamente aprendido técnicas de alfaiataria 3D com especialistas da marca de luxo francesa CHANEL. Em 2004, criou a sua própria marca de alta-costura, La Mode Désir. A marca representou Macau em vários desfiles de moda nas diferentes regiões do Estreito. De 1985 a 2015, Ng trabalhou como docente no Centro de Apoio ao Desenvolvimento Industrial, no Centro de Produtividade e Transferência de Tecnologia de Macau e no Departamento de Design de Moda do Instituto Politécnico de Macau.

 

A criatividade, as qualificações e a experiência de Ng permitiram que investisse na sua marca sem ter de se preocupar em desenvolver, paralelamente, outros negócios. Além de criar novos designs de moda, ela também se dedica a incentivar jovens talentos locais. O Workshop de Modelagem LMD foi criado em 2017 para ajudar os designers emergentes locais na modelagem. Ng revelou ter lançado o workshop movida pela sua paixão pela área em que trabalha e pelo desejo de impulsionar outros criadores valorosos. “Dou aulas há muito tempo e formei alguns jovens talentos. Portanto, tenho incentivos naturais para ajudar os novos designers a ganhar competências na área”, afirma Ng. “E como o governo criou o Fundo das Indústrias Culturais, obtive meios para arrancar com o Workshop de Modelagem LMD.”

 

Modelagem tornada possível para qualquer peça

 

O workshop de modelagem é designado LMD em referência a La Mode Désir, transportando assim a abreviatura da marca. Os alunos do workshop são sobretudo jovens designers de Macau, mas alguns são oriundos de Hong Kong, do interior da China e do sudeste da Ásia, entre outras proveniências. De roupas e acessórios a itens da moda, qualquer coisa que possa ser vestida pode beneficiar dos serviços da LMD. “Se alguém nos pedir uma peça de roupa com luzes, tentaremos encontrar forma de colocar luzes LED na peça, de modo a alcançar o efeito visual que o cliente pretende”, exemplifica Ng, explicando que o preço da modelagem de uma peça varia em função do seu tamanho, dos materiais nela empregues e do prazo de entrega da mesma, entre outros aspectos. “Contudo, dado o subsídio do Fundo das Indústrias Culturais, foi possível oferecer um desconto de 30% ou superior aos designers locais.”

 

Ng destaca que é muito conveniente para os designers locais dirigirem-se à La Mode Désir, uma vez que esta se situa no centro da cidade e abre das 12 às 21 horas. “No interior da China, os alfaiates estão fora do trabalho às cinco da tarde. É impossível encontrar alguém após o horário de fecho do comércio”, explica Ng, dizendo que, enquanto designer, ela sabe do que os designers precisam. Como tal, pensou que podia facultar conselhos profissionais na área. “O primeiro passo é fazer modelagem numa peça de amostra com o cliente ao meu lado. Depois, mostrar-lhe como fazer modelagem de roupas passo-a-passo. É o que há de especial no meu serviço.”

 

De acordo com Ng, a alta-costura é muito diferente da modelagem, já que a primeira implica criar um design próprio, enquanto a segunda trata sobretudo de transformar em realidade os conceitos e projectos de outras pessoas. O facto de os jovens designers serem geralmente mais criativos também permite que Ng aprenda muito ao criar modelos para os seus formandos. “Eu sei fazer roupas, pelo que tendo a ser mais conservadora, não desenhando peças que não posso concretizar. Mesmo que pudesse transformar alguns projectos em realidade, podia desistir deles face ao grau de dificuldade e ao custo elevado”, reconhece Ng. “Portanto, as minhas criações tendem a seguir direcções seguras, uma vez que preciso de ter a certeza de que lhes posso dar forma sem colocar demasiada pressão sobre mim mesma. Mas os jovens designers, muitas vezes, não percebem os riscos decorrentes das decisões que tomam... E é por isso que eles irão levar a sua criatividade mais longe. Eu acho isso bom, pois o design de moda é essencialmente sobre criatividade. Moda significa que temos de estar à frente do nosso tempo. Eu aprendi muito com jovens designers ao fazer o workshop.”

 

Ajudando os talentos locais em design de moda

 

O workshop promovido pela LMD deixou, entretanto, de recorrer aos subsídios disponibilizados pelo Fundo das Indústrias Culturais, mas a estilista continua a  locais que nele se inscrevam. “O desconto não me faz perder dinheiro. Apenas significa que não estou a ganhá-lo. Por isso, é algo que pretendo manter a longo prazo”, declara, assinalando ainda que o Programa de Subsídios à Criação de Amostras de Design de Moda, lançado pelo Instituto Cultural, tem providenciado um grande apoio à indústria da moda local. Ng detectou vários designers com grande potencial que frequentemente entravam na segunda ronda do programa de subsídios. Assim, sugeriu ao governo a criação de dois programas de financiamento distintos: um, concentrado em ajudar designers emergentes e em oferecer-lhes mais oportunidades de entrar na indústria; o outro, dedicado a ajudar os designers já com certa experiência no seu meio a ir mais longe.

 

“Como eles já possuíam uma experiência relevante, podiam entrar na segunda ronda do programa por anos consecutivos sem fazer progressos assinaláveis”, realça Ng. “Por isso, pareceu-me que podíamos conceber um novo programa de subsídios, que visasse tanto designers com experiência como aqueles que haviam sido subsidiados anteriormente. Na minha opinião, isso ajuda-os a ir mais longe na moda e, posteriormente, a impulsionar todo o sector!”

 

La Mode DésirG/F, Av. do Conselheiro Ferreira de Almeida, No. 2-2A, Macaulmd@lamodedesir.com.mo