Preservar a tradição do incenso de Macau; lançar conjuntos de objectos rituais na moda
VengLei Laboratory: a inovação é a melhor forma de preservação e transmissão de tradição

07 2021 | 45a edição
Texto/Sara Lo

Em 1942, um Macaense do seu nome Chan Lai abriu, na Rua da Praia do Manduco, a Papelaria Veng Lei, onde se vendiam lingotes de ouro, velas e paus de incenso, produtos utilizados na veneração de divindades. Em 2021, o seu neto, Wong Keng Si, fundou o VengLei Laboratory na Rua das Estalagens, com o objectivo de preservar a marca e a tradição do incenso de forma inovadora e de estabelecer laços intemporais entre o avô e o neto. Nesta reportagem, os fundadores do VengLei Laboratory, Wong Keng Si e Kim Chen, vão contar a história da sua marca. 


Nasceu do afecto por velharias a ideia de fazer renascer a loja do avô 


A marca de Wong Keng Si tem origem nos “tesouros da casa”. Como tanto os pais de Wong como ele próprio são os filhos mais novos, quando os parentes emigravam ou faleciam, eram enviadas para a casa de Wong todas as velharias, que, com o passar do tempo, atingiram uma grande quantidade. As velharias incluem diferentes tipos de objectos rituais, brochuras comerciais e o carimbo da Papelaria Veng Lei ao longo das décadas.


Wong, antigo profissional do sector do cinema, tem um imenso afecto por velharias e gosta de arrumar os “tesouros” nos tempos livres. Foi nesse processo que nasceu, gradualmente, a ideia de fazer renascer a marca da Papelaria Veng Lei. Porquê “renascer”? Porque a loja tinha fechado nos anos 80 do século passado. Por necessidade de construção de uma estrada pelo governo, o estabelecimento foi obrigado a mudar de sede. Aliás, nesse período em que a indústria manufactureira se desenvolveu, os novos preferiram trabalhar nas fábricas do que continuar a dedicar-se ao negócio de família pouco lucrativo e bastante cansativo. Por isso, a marca encerrou temporariamente.


Há dois anos, Wong deu o primeiro passo para fazer renascer a marca: aprender como fabricar incenso. Segundo ele, o incenso é um elemento indispensável na cultura ritual, e o seu fabrico constituía uma das três principais indústrias tradicionais manufactureiras de Macau, pois os consumidores locais estão familiarizados com ele. Além disso, desde a antiguidade até agora, a utilização de incenso tem sido um símbolo de bom gosto e de estatuto social. A indústria do incenso nos países vizinhos, o Japão e a Índia, é tão desenvolvida que os produtos se exportam até para a Europa e para aos Estados Unidos da América, o que ilustra bem que o incenso é um produto de alto valor comercial.


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Wong Keng Si sempre teve o hábito de queimar incenso e começou a aprender a produzi-lo há dois anos     Foto cedida por Cora Si 


Influenciada por Wong, a sua namorada, Kim Chen, também começou a aprender a fabricar incenso. Com experiência de cozedura e uma excelente capacidade de compreensão, Chen, actual Directora de Criatividade do VengLei Laboratory, foi a principal responsável pela criação das várias fragrâncias dos incensos. De acordo com Chen, os processos de fabricação de incenso incluem seleccionar os materiais, moê-los, peneirá-los, misturá-los, acrescentar água, batê-los, separá-los e modelá-los, o que demora cerca de uma a três horas. Além disso, é preciso mais de três dias para depois secar. O fabrico de incenso tem algo em comum com a cozedura, mas é mais difícil, sobretudo no controlo da percentagem dos materiais, da temperatura e da humidade, o que exige milhares de exercícios para dominar todo o processo. 


Desenvolver 16 fragâncias de Macau a fim de expressar a nostalgia pelo incenso


Antes da inauguração da loja, o casal já desenvolvera quatro séries de incenso: “Estrada Velha”, “Caminho Selvagem”, “Oásis” e “Algoritmo”, num total de 16 fragâncias, em que “Estrada Velha” foi adaptada de maneira antiga enquanto “Caminho Selvagem” e “Oásis” foram desenvolvidas na base de flores e ervas. No que toca a “Algoritmo”, trata-se do cheiro singular de Macau na observação desta pequena cidade pela taiwanesa Chen .


Por exemplo, na série “Algoritmo”, a fragância “Paraíso de Gato” foi inspirada nos gatos vadios de Macau e inclui aroma de erva-de-gato para corresponder ao seu nome. Já o nome “Glauconita” tem origem no mineral com o mesmo nome existente na Praia de Hác Sá, e inclui sal marinho para acrescentar elementos do mar. Chen espera que sempre que os consumidores, sobretudo os turistas, queimem incenso, possam recordar a sua estadia em Macau.


Para promover a cultura do incenso, a loja realiza, de vez em quando, oficinas relacionadas com o tema, tais como de produção de saquinho de incenso, saqueta com perfume e incenso manufacturado. Wong acrescenta que o resultado das oficinas é melhor do que a expectativa. A faixa etária dos participantes ia de poucos a dezenas de anos e enquanto uns desfrutavam simplesmente do processo de manufactura outros pretendiam expressar a sua nostalgia através do incenso feito com as próprias mãos. 


Mesmo assim, a marca não tem planos de fazer mais oficinas, uma vez que a taxa de compra dos participantes é relativamente baixa. A industrialização é, ela sim, o alvo da marca. Só elevar as vendas pode garantir a operação contínua da loja, por isso, o foco futuro é como tornar os participantes das oficinas em compradores dos produtos. 


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A produção de incenso é muito afectada pela temperatura e pela humidade, pelo que a taxa de perdas é mais elevada no verão.     Foto cedida por Cora Si 


Lançamento, durante o ano, dos conjuntos de adoração de divindade “Adoração de Guanyin” e “À procura do Amor” 


Além dos produtos de incenso, o papel usado nas cerimónias rituais é outro dos produtos principais da marca. Para quebrar o estereótipo de que os produtos de papel de culto são “superstições feudais”, a marca partiu da perspectiva de revigorar a cultura local de adoração dos deuses, planeando lançar dois conjuntos de adoração de divindade, nomeadamente, “Adoração de Guanyin” e “À procura do Amor”. Segundo Wong, a criação de conjuntos de adoração tem em conta a procura do mercado e pode satisfazer as necessidades de diferentes consumidores, uma vez que os jovens., por um lado, procuram, geralmente, uma boa relação romântica, enquanto, pelo outro lado, o deus Guanyin em Cantão tem toda uma outra variedade de funções como a procura de riqueza, filhos e saúde.


O primeiro conjunto, “Adoração de Guanyin”, engloba todos os produtos de papel necessários para a adoração do deus, incluindo os estilos comuns, bem como os raros e os modernos. Wong revela que o design do conjunto se baseia nos artigos antigos deste negócio ancestral, com a esperança de restaurar o mais possível os papéis tradicionais necessários para a adoração do deus. Os novos estilos são caracterizados pelo uso de papel rígido e por métodos de dobragem, em vez do antigo procedimento de colagem e do uso de palha de bambu. Quanto aos desenhos decorativos no papel, foi introduzido um gosto estético moderno, fazendo com que as ofertas de papel pareçam mais modernas e bonitas.


A herança do património não exige, nem é necessário, copiar a 100% as práticas tradicionais, mas sim inovar com base no respeito dos princípios fundamentais da tradição, dado que só a inovação pode tornar a cultura tradicional aceitável para o mercado moderno, e só se for aceite pelo mercado moderno é que a cultura tradicional terá a possibilidade de ser transmitida para futuras gerações, pelo que a inovação é, sublinha o dono da papelaria, a melhor forma de continuação da tradição.


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Foi introduzido no conjunto “Adoração de Guanyin” um gosto estético moderno, que está mais na moda e é bonito.     Foto cedida por Cora Si 


A localização é perfeita, mas uma inundação foi um problema fatal


A localização da loja é crucial para o negócio. Wong e Chen pensaram em abrir a loja no Bairro de Ferreira de Almeida ou no de São Lázaro, mas após cuidada ponderação, decidiram, afinal, instalar-se na Rua das Estalagens. Afirmam que o papel é uma indústria tradicional que combina bem com a atmosfera nostálgica do antigo bairro da Rua das Estalagens. Em segundo lugar, o Templo do Bazar está localizado a poucos passos de distância, o que é favorável às vendas. Além disso, o edifício onde se encontra a loja era a famosa “Aves Estimação Va Yun”, uma construção de referência no bairro. Por fim, existem muitas lojas com o nome de “Veng” ou “Veng Lei” na vizinhança do local actual, pelo que o sexto sentido lhes disse que este era o “Local Escolhido”.


Embora a localização seja perfeita, há um calcanhar de Aquiles—as inundações. Tendo isso em vista, aplicaram ao máximo a sua experiência na produção de filmes na decoração da loja, utilizando mobiliário amovível e móvel que poderia ser retirado “em quatro horas, se necessário”, diz Wong. Antes da abertura, pensavam estar bem preparados, mas a tempestade de 1 de Junho, que quebrou um recorde de 69 anos de precipitação num único dia, renovou a sua percepção dos problemas de inundações dessa zona. 


A loja não escapou ao azar de ser inundada porque não foram instaladas a tempo as barreiras contra inundaçõe , culminando numa grande pilha de restos de insectos dentro da loja. Wong e Chen têm, ainda, um medo grande quando se recordam desse dia, dizendo que não conseguem controlar o clima e que só podem aprender com a experiência e preparar-se bem e com antecedência. Ao mesmo tempo, brincam que se tiverem outra inundação grave ou forem afectados pelo tufão Hato, terão se calhar de encontrar uma outra saída. 


Felizmente, a inundação não apagou o fogo do incenso nos seus corações. Wong acredita que Macau é uma cidade histórica onde as culturas oriental e ocidental se cruzam, mas durante muito tempo, no passado, o foco da publicidade foi a cultura ocidental, enquanto a igualmente maravilhosa cultura chinesa parece ter enfraquecido. Acrescenta que só com mais pessoas dedicadas à transmissão da cultura folclórica local é que se poderá apresentar melhor o quadro completo da convivência harmoniosa das culturas chinesa e ocidental nesta pequena cidade.


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O edifício onde se encontra a loja é a antiga “Aves Estimação Va Yun”, cujos vestígios são ainda preservados na loja.          Foto cedida por Cora Si


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