Como lidar com o trabalho, o espaço e o público é muitas vezes motivo de reflexão tanto para artistas como para gestores artísticos. É preciso tempo para fazer um bom trabalho, mas a disponibilidade limitada de espaços para performances dificulta o crescimento do público. Dada a escassez de território em Hong Kong, nunca é fácil acautelar devidamente estes três aspectos. Com quase 30 anos de experiência em gestão artística, Louis Yu Kwok-Lit acredita que os gestores de qualquer espaço cultural não devem apenas desempenhar o papel de um “senhorio/comprador”, mas ajudar a promover obras experimentais, de modo a melhorar o teatro e a fazer crescer as audiências.
As artes performativas e o espaço já não são uma relação senhorio/comprador
Ex-Director Executivo do Conselho de Desenvolvimento das Artes de Hong Kong e ex-Director Executivo do Centro de Artes de Hong Kong, Louis Yu Kwok Lit é agora o Director Executivo de Artes Performativas da West Kowloon Cultural District Authority (WKCD). Em frente ao estaleiro de West Kowloon, afirma: “Dentro de cinco anos, Hong Kong terá mais 11 novos espaços de actuação. Seis deles são na WKCD, os outros cinco no Centro Cultural de East Kowloon, gerido pelo Departamento de Serviços Culturais e de Lazer. A maioria dos locais são de média ou pequena dimensão, muito adequados a espectáculos que fiquem muito tempo em cena”.
Mas haverá mercado para isso em Hong Kong? Haverá público suficiente para apoiar esses espectáculos? Depende de como os definirmos. “Espectáculos de longa duração não são apenas aqueles que quase nunca saem da Broadway. Existem várias formas de relacionamento entre as artes cénicas e os espaços. Por exemplo, o grupo teatral e o espaço de actuação são inseparáveis na Alemanha, porque o local é geralmente propriedade do grupo. O teatro tem, por norma, mais do que um espectáculo em curso durante o ano. O Royal National Theatre, na Grã-Bretanha, adoptou o mesmo modelo. Cada temporada apresenta uma peça e há temporadas todos os anos.”
Yu acredita que a indústria teatral de Hong Kong tem de desenvolver o seu próprio modelo, que se encaixe no carácter e na realidade locais, incluindo os hábitos dos espectadores.
“Até agora, a relação entre as artes performativas e o espaço tem sido simples. É tudo uma questão de contratação de locais ou aquisição de obras teatrais. É um serviço de arrendamento de curto prazo que envolve um vendedor e um comprador. Quanto aos espectadores, a maioria apenas vê o teatro como uma forma de entretenimento entre muitas opções disponíveis, caso dos filmes e dos concertos. A temporada de teatro não é popular em Hong Kong, porque a maioria dos espectadores só decide o que vai ver com umas semanas de antecedência. Hong Kong tem opções em abundância e toda a gente está ocupada. Existem semelhanças entre Londres e Hong Kong. Mas Londres tem uma longa história de artes performativas, enquanto o teatro com o repertório mais antigo de Hong Kong tem apenas 30 anos. E, por comparação, Hong Kong tem muito menos tempo para construir audiências e sistemas teatrais relevantes. O teatro é parte da educação nacional na Grã-Bretanha. A literatura é uma disciplina obrigatória na escola. As obras de Shakespeare e as séries com Sherlock Holmes não são raras na TV e no cinema. O teatro e a literatura tornaram-se elementos centrais de programas de entretenimento e culturais na Grã-Bretanha. A cultura de Hong Kong é diferente de qualquer outra, pelo que é difícil fazer referência a modelos estrangeiros. No entanto, há algo que é universal: todas as audiências adoram excelentes obras.”
Distinguir um laboratório do palco
Muitos artistas e gestores artísticos acreditam que a escassez de locais é um dos motivos que impedem o público de crescer. No entanto, Yu não concorda totalmente com isso.
“A questão fundamental que tem de ser respondida é como fazer um bom espectáculo e conseguir mantê-lo. Enquanto responsáveis por espaços, ou gestores de um grupo teatral, temos de entender o que é um excelente trabalho, de modo a preparar o público para o apreciar. Assim, essas obras podem ficar em cena por mais tempo. Para o gestor de um espaço, não ter um gosto exigente é destrutivo. Se apoiarmos alguns trabalhos abaixo do padrão, só porque queremos apoiar o teatro, isso nada trará de bom nem para o artista, nem para o público”.
Então, o que é considerado um trabalho de boa qualidade? Segundo Yu: “Tem de ser atraente para ambos os gostos, o popular e o refinado”. Ou seja, tem de ser sedutor para académicos, críticos e público em geral. No entanto, o trabalho de alta qualidade nem sempre está garantido. Se encontrarmos um, temos de lhe dar a hipótese de continuar em exibição. “My Grandmother’s Funeral” é uma excelente peça. Tanto a crítica como o público que nada sabe de teatro apreciaram o espectáculo e retiraram algo dele. É considerado um exemplo de sucesso de longo prazo. Está há sete anos em cartaz, de cada vez faz oito a dez apresentações. Vai a caminho das 100 exibições. Outro exemplo é 29 + 1. Também já com uma longa carreira, tem inspirado imensas pessoas, além de ter uma adaptação ao cinema. Um gestor de espaços que se depare com um trabalho excelente como estes tem de pensar em como fazê-lo crescer.”
Incentivar o crescimento é encorajar novas peças. Por outras palavras, experimentar é necessário. Mas Yu também assinala que isto tem de ser tratado com cuidado.
“Experimentar é necessário. Pode levar ao sucesso ou ao fracasso. Um trabalho experimental não é o mesmo que um trabalho que está pronto para se apresentar ao público. É necessário distingui-los claramente. Antes de os espectadores chegarem ao teatro, têm de saber se vão assistir a um trabalho experimental ou a um desempenho teatral completo. Muitos gestores teatrais misturam as duas coisas – vêem uma experiência como um ‘produto acabado’. O público pode sentir-se enganado e nunca mais voltar ao teatro.”
Os locais de pequena e média dimensão que estão a ser construídos em Hong Kong são, na realidade, uma resposta que visa facilitar experiências na indústria teatral.
“Uma das tarefas que a WKCD fará é encomendar novas peças. Proporcionaremos locais para que os artistas possam refinar as suas experiências e transformá-las em espectáculos públicos. Este é o conceito que precisa de ser fortalecido, pois parece que as pessoas não costumam ter isso em mente. Na maioria das vezes, as pessoas têm um ardente desejo de participar numa performance. Por exemplo, se um local tiver duas semanas livres para daí a seis meses, terão dois meses, ou mesmo menos, para o surgimento do primeiro rascunho do argumento. Enquanto isso, a equipa de marketing necessita do título, de fotos publicitárias e de slogans para fazer os cartazes promocionais. Mas o artista só tem o primeiro rascunho na mão e ainda não tem a certeza se é uma comédia ou uma tragédia. O guião não está finalizado e os actores ainda estão a ensaiar. Isso vai fazer com que a estreia pareça um ensaio e o público descubra que o que está a ver não corresponde ao indicado nos materiais promocionais. Os espectadores vão sentir-se enganados e não voltarão ao teatro. Acabamos a pagar o preço de não termos tratado uma experiência enquanto tal.”
“Em vez disso, teremos um desempenho de melhor qualidade se passarmos esses seis meses com ensaios à porta fechada, envolvendo apenas o dramaturgo, o encenador e os actores. É preciso passar primeiro algum tempo no ‘laboratório’. Usar esses seis meses para aperfeiçoar o texto e apresentar a peça no ano seguinte. Naturalmente, ninguém pode garantir que seja um êxito. Mas, se se investir mais tempo e mão-de-obra nas fases iniciais, é mais provável que o trabalho resultante seja de qualidade superior e possa atrair audiências para o teatro. A WKCD vai financiar directamente as actividades da equipa criativa principal nas fases iniciais. Isso permitirá ao dramaturgo, ao encenador e aos actores fazerem experiências de tentativa-erro.”