Rai Mutsu

Poeta, romancista e colunista de Macau. Os seus trabalhos publicados incluem Passagem de Ano no Largo de São Domingos, uma colecção de contos, Roda Gigante e Um Mundo Ficcional, uma colecção de poesia e prosa; e uma série de vídeos promocionais sobre a literatura de Macau, publicada em conjunto com o poeta Cheang Ga Aya.


Como profissionais conceituados se beneficiam mutuamente

11a edição | 11 2015

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Se no cinema estivesse a passar um filme espanhol de Pedro Almodóvar, realizador consagrado artístico e comercialmente, tenho a certeza que atrairia os jovens entusiastas. Apesar de um enredo brilhante, eu não teria assistido a Relatos Selvagens (2014) se Almodóvar não fosse o produtor do filme.


Em Macau, a série Macau Stories parece ter alcançado uma reputação semelhante, principalmente após o lançamento do aclamado Macau Stories 3. Acredito que, neste momento, a população aguarda as futuras histórias com grande expectativa. Com a participação de realizadores famosos e com boas histórias, é importante manter a elevada qualidade destas séries. A fama pode ser alcançada de forma rápida, mas também pode desaparecer com a mesma velocidade. Se não se conservar a qualidade, tal como acontece com os filmes de baixa qualidade de um certo país que vocês conhecem, então há pouco que possamos fazer para ajudar.


Já as adaptações de literatura ao cinema são, na realidade, truques interactivos para promover um filme e permitem ao público ficar a conhecer a história original. É uma táctica comum utilizada há muito tempo pela indústria do cinema para beneficiar ambas as partes. Adaptar best-sellers ao cinema é a nova moda em Hollywood, porque geralmente o público tende a assumir que a adaptação será boa. Depois do filme se tornar num sucesso de bilheteiras, a editora vai preparar uma nova edição da história original, escrevendo na capa do livro que este é “agora um filme de grande sucesso”. O mesmo se passa com os escritores premiados com o Nobel da Literatura, que começam a vender mais após receberem o galardão.


Recentemente, a exibição do microfilme When Felicity Calls, uma adaptação de um dos meus contos, atraiu mais de 100 pessoas. Com o objectivo de promover a literatura de Macau, o filme foi escrito e realizado por Emily Chan Nga Lei, uma das cineastas mais emblemáticas deste Verão na cidade. O texto original conta a história de um jovem escritor que, por amor, participa num prémio literário. Escritores de diferentes gerações de Macau entraram no filme, e alguns trabalhos literários também foram mencionados. Além disso, a banda sonora é um produto do grupo de música independente de Macau aRiejohn e as letras foram inspiradas em Cheang Ga Aya, um poeta de Macau, e nos meus textos. Chantelle Cheang, talentosa designer de moda a viver em Macau, e Lin Ge, ilustrador local, foram os responsáveis pelo design artístico e pela concepção do cartaz do filme, respectivamente. Além de se ter juntado a estes grandes profissionais para constituir uma boa equipa, a realizadora também deixou uma marca.


Na realidade, esta abordagem não é nova. Quando Alfred Hitchcock fez O Desconhecido do Norte-Expresso (1951), a autora da história original, Patricia Highsmith, era ainda uma novata. Com receio que o filme não vendesse bem, Hitchcock envolveu no processo de escrita do argumento o consagrado romancista Raymond Chandler. Infelizmente, Hitchcock e Chandler desentenderam-se durante a produção e foi o célebre argumentista Ben Hecht que ocupou o seu lugar. Hecht também receava que o trabalho da então jovem escritora não fosse apreciado pelo público e, por isso, foi pedido a um dos seus assistentes que escrevesse o guião. O filme foi um grande sucesso e Chandler permaneceu como sendo um dos argumentistas. Lamentavelmente, o filme arruinou a relação entre Hitchcock e Chandler mas, apesar disso, a autora Patricia Highsmith e o argumentista Czenzi Ormonde acabaram por ser beneficiados com a venda de muitos mais livros e o acesso a mais oportunidades.


(Série “Quando a literatura se encontra com o cinema; quando o cinema se encontra com a literatura” – parte 2)