Yap Seow Choong

Yap é um aficionado do design, das viagens e de tudo o que é belo na vida. Escreve para várias publicações sobre viagens e design e tem vários livros publicados, dos quais se destacam Wander Bhutan e Myanmar Odyssey. Antigo editor da Lonely Planet China, Yap é agora o principal responsável por todos os conteúdos da Youpu Apps, uma empresa de aplicações sediada em Pequim.


Felicidade finlandesa

38a edição | 04 2020

Conheci o meu amigo finlandês S em Xangai. S não fala muito, parece ter um pouco de medo do desconforto social. Depois, li uma história de banda desenhada chamada Pesadelos Finlandeses: Um Guia Irreverente para os Momentos Estranhos da Vida, que mostra aos leitores, através de desenhos divertidos, muitos cenários diferentes que provocam ansiedade social aos finlandeses. Um exemplo na história de banda desenhada mostra como uma pessoa finlandesa acha que autocarro já está cheio se todas as filas estiverem ocupadas por um passageiro.

 

A personagem finlandesa no livro de banda desenhada é como o meu amigo S, que é peculiar e parece indiferente. Mas isso não significa necessariamente que S não esteja a sentir-se feliz. Tendemos a supor que pessoas felizes farão todo o barulho que conseguem e festejarão como os latino-americanos num carnaval sem parar. Na nossa percepção, a felicidade está associada ao riso. Mas a Finlândia é um país que aprecia o silêncio. Este país escandinavo lidera o Relatório Mundial da Felicidade há vários anos como o país mais feliz do mundo. Ao visitar a Finlândia, a impressão que a maioria das pessoas terá é que se trata de um lugar muito sossegado. Talvez o silêncio seja o meio de comunicação preferido do país.

 

Se olharmos para diferentes tipos de índices de países, provavelmente notaremos que a Finlândia se destaca na educação, bem-estar social, saúde, etc., o que a torna verdadeiramente num modelo entre as nações. Na Finlândia, o imposto sobre os rendimentos é incrivelmente alto. Mas isso também significa que a riqueza geral da sociedade pode ser igualmente distribuída, permitindo que o governo faça uso dos impostos para melhorar a qualidade de vida no país. Ao comemorar o centésimo aniversário da sua independência, a Finlândia deu a si própria um presente de aniversário especial: uma biblioteca. Isto mostra verdadeiramente o quanto os finlandeses valorizam o conhecimento. Talvez ter conhecimento e a liberdade de buscar conhecimento sejam a sua fonte de felicidade. A biblioteca é muito mais do que um espaço que abriga livros. Foi projectada como um espaço vivo de encontro da cidade, incentivando as pessoas a fazer mais do que ler livros na biblioteca. Decorrem diferentes workshops na biblioteca. Os residentes locais podem usar máquinas de costura, impressoras3D e até máquinas de corte a laser através das oficinas disponíveis na biblioteca. Além de requisitar livros, os residentes locais também podem requisitar uma variedade de materiais de entretenimento da biblioteca, incluindo jogos de tabuleiro, iPads, auscultadores e muito mais.

 

A Finlândia é famosa pela sua educação. O livro Finland Unveiled conta como a aprendizagem para crianças na Finlândia pode ser incrivelmente divertida, ao mesmo tempo que oferece às crianças a oportunidade de expandir as suas perspectivas internacionais. Por exemplo, uma escola finlandesa pode utilizar a bandeira nacional para ensinar proporção numa aula de matemática. Isto permite que as crianças também aprendam geografia enquanto aprendem matemática. A educação diversificada da Finlândia talvez também ensine o povo finlandês a ser inclusivo. O Relatório Mundial da Felicidade das Nações Unidas também leva em consideração a felicidade dos imigrantes. Se até os estrangeiros se sentirem felizes numa sociedade específica, então os habitantes locais definitivamente amarão a sua vida nesse lugar. O conhecimento vem das nossas experiências de vida. A fronteira entre a aprendizagem e diferentes disciplinas foi eliminada, inspirando os finlandeses a pensar de forma livre. Esta talvez seja a razão pela qual a Finlândia, que tem apenas 5,5 milhões de pessoas, seja um centro robusto de tecnologia e design. Marcas internacionais famosas como Nokia, Marimekko e Iittala foram todas criadas na Finlândia.


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A felicidade da Finlândia é até considerada o soft power do país. O departamento de turismo local lançou um programa gratuito—Rent a Finn, para que os turistas conheçam melhor a felicidade da Finlândia por meio da interacção com os habitantes locais. “A felicidade do povo finlandês vem da sua estreita relação com a natureza”, diz um guia turístico da Rent a Finn. “Sempre que tenho perguntas para as quais não consigo encontrar respostas, recorro à natureza para obter essas respostas.” A capital da Finlândia, Helsínquia, é na verdade uma pequena cidade rodeada pela natureza. É possível escapar da vida agitada da cidade com uma viagem de 30 minutos de autocarro ou ferry.

 

Se desejar experimentar o modo finlandês de felicidade, pode procurar a palavra finlandesa kalsarikännit. Muitas discussões podem andar à volta desta palavra. Algumas pessoas até escreveram livros que falam especificamente sobre kalsarikännit. A palavra pode parecer vulgar a princípio, pois pode traduzir-se literalmente como “beber de roupa interior”. Na verdade, significa “tempo para mim” para os finlandeses, que é aquilo com que mais se importam. Beber de roupa interior significa relaxar no ambiente mais confortável. O governo local até criou emojis para o kalsarikännit. Diz-se que a Finlândia é o primeiro país a produzir emojis específicos para o seu país, inspirados na identidade e cultura nacionais.

 

Acostumámo-nos a estar rodeados de pessoas e a olhar para o nosso telefone o tempo todo. Estamos a ter cada vez menos tempo de qualidade para nós mesmos. É bastante comum dependermos nos outros para nos trazerem felicidade. A nossa felicidade é estabelecida na expectativa dos outros, que pode mudar drasticamente como as nuvens no céu, transformando o tempo solarengo numa chuvada. O kalsarikännit do povo finlandês lembra-nos que devemos tentar ter algum tempo para nós e estar sozinhos. Então, a interferência ao nosso redor desaparecerá gradualmente. Se uma pessoa pode encontrar a felicidade quando está sozinha, essa felicidade não lhe pode ser facilmente tirada.

 

Quando o jornalista finlandês Miska Rantanen escreveu sobre o kalsarikännit no livro, escreveu que “o kalsarikännit quer que as pessoas encarem o seu verdadeiro eu com total honestidade". Isto é semelhante a viajar sozinho. Quando se viaja sozinho, pode perder-se o divertimento de ter um monte de gente por perto, mas também se consegue uma noção sóbria de si mesmo. Esta é uma lição obrigatória para todos na vida.