Un Sio San

Un obteve a dupla licenciatura em Língua Chinesa e Arte (produção de cinema e televisão) da Universidade de Pequim e o duplo mestrado em Estudos da Ásia Oriental e Estudos da Ásia-Pacífico da Universidade de Toronto nas áreas de investigação em literatura e cinema. Ganhou o prémio de Henry Luce Foundation Chinese Poetry & Translation e foi poeta residente no Estúdio Criativo de Vermont nos EUA. Foi convidada a marcar presença em vários festivais internacionais de poesia tal como o festival realizado em Portugal e trabalhou como letrista da primeira opera interior original de Macau “Um Sonho Perfumado”. Publicou algumas colecções de poemas nos dois lados do estreito e tem-se envolvido no meio académico e em publicação por muito tempo, além de escrever colunas para meios de comunicação em Taiwan, Hong Kong e Macau.


Eu tenho uma história para contar. Você tem uma editora?

47a edição | 02 2022

Quando se fala em editoras (labels), a primeira coisa que nos vem à cabeça costuma ser a música. No caso de editoras conceituadas como a DG, especializada em música clássica, e a Blue Note Records, especializada em jazz, o seu mero nome evoca imediatamente um género específico de música na mente dos consumidores. A uma editora subjaz uma imagem de marca, bem como um trabalho de categorização, industrialização e comercialização, o qual facilita a identificação dos respectivos produtos na era da segmentação de mercado, contribuindo igualmente para o desenvolvimento de uma imagem de alta qualidade.


À medida que a publicação online se foi tornando mais fácil, as editoras independentes começaram a proliferar nos meios do rap chinês e o conceito de editora alcançou uma grande popularidade, passando a ser igualmente usado por outras indústrias culturais e criativas. As “editoras de histórias” são um perfeito exemplo disso.


Um dia, fui convidada para participar na Semana de Curtas-Metragens HiShorts! de Xiamen, e aproveitei para espreitar a Convenção de Histórias, um novo projecto com foco na partilha de escrita de não-ficção. A Convenção de Histórias abandonou os modelos convencionais de capital de risco ou de apresentação de propostas (pitching), convidando nove editoras de histórias bem conhecidas no Interior da China para participar, incluindo a “Guyu” da Tencent, “Pessoas” do jornal digital The Paper e “No Mundo” da Phoenix, entre outras submarcas dedicadas à escrita de não-ficção; vários novos média emergentes como “Myrrh Garden” e “Magic Universe”; e ainda outras plataformas documentais e podcasts inspirados na vida de pessoas comuns, tais como “Truman Story” e “Story FM”.


Num momento em que os meios de comunicação tradicionais estão em declínio e os novos média em ascensão, cada vez mais editoras de conteúdos estão a seguir o caminho das histórias reais adaptadas, sendo as obras de cinema e televisão adaptadas a partir de histórias reais muito bem recebidas pelo mercado. A Convenção de Histórias HiShorts! visa estabelecer uma ligação entre histórias e argumentistas, explorar novas possibilidades de adaptação de eventos reais para cinema e televisão e seleccionar “as histórias mais adequadas à adaptação cinematográfica e televisiva”, bem como “as histórias mais adequadas à filmagem de documentários”. Embora esta Convenção de Histórias se assemelhe mais a uma apresentação promocional das editoras para atrair investidores, a aura das editoras acaba por ofuscar as próprias histórias individuais. No entanto, esta não deixa de ser uma experiência inovadora.


Se compararmos a PI (Propriedade Intelectual) centrada em conteúdos a um esquadrão de guerrilha tentando a sorte por todo o lado, as “editoras de histórias” são uma legião com um claro objectivo: cultivar guerreiros versáteis com personalidades fortes para manter a formação do pelotão.


Uma editora de histórias que defenda cegamente os seus padrões estéticos e valores fundamentais não acabará por se tornar um nicho? Na era da explosão de informação, o que mais faz falta não é um arquivo de histórias totalmente abrangente, mas sim um impulso bem direccionado e uma boa reputação como marca genuína. Para cultivar uma comunidade fãs incondicionais e conseguir o seu apoio eterno, é preciso saber o que se quer fazer, mas também o que não se pode fazer, segundo o modelo, por exemplo, da PIXAR e do Studio Ghibli, na indústria de animação.


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Nos últimos anos, muitas empresas especializadas em propriedade intelectual no domínio literário têm vindo a emergir em Hong Kong e Taiwan, com a missão de ligar os lados da procura e da oferta de criações literárias, sem impor quaisquer restrições a nível do estilo e da forma, abrangendo todo o tipo de livros, desde romances cor-de-rosa, à literatura tanbi, à Canja de Galinha Para a Alma e às histórias de crime. As compras por rede permitem, sem dúvida, atrair rapidamente leitores com diferentes preferências, mas a heterogeneidade leva facilmente à dispersão dos interesses, dificultando a fidelização dos leitores.


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Por mais conceituada que seja a PI, esta pode não ter capacidade para promover todo o tipo de produtos periféricos. Os fãs leais de Harry Potter, tal como eu, não têm o menor interesse no jogo de telemóvel “Harry Potter: Despertar a Magia”. No entanto, uma boa editora de histórias promove a confiança e a curiosidade dos fãs, levando-os a gostar de tudo o que tenha a ver com ela. Eu, por exemplo, adoro ver talk-shows, e como sigo as protagonistas femininas da Xiaoguo Culture, também não me esqueço de assistir às actuações dos protagonistas masculinos mais populares. Após a Netflix assinar contrato com Dave Chappelle e Russell Howard, os seus talk-shows evoluíram e transformaram-se também numa editora de histórias inovadora e cheia de ideias bombásticas, pelo que mal posso esperar para ver os seus talk-shows de estilo nórdico.


Pode-se dizer que o sucesso de uma editora e o salto para a fama de uma única PI são interdependentes. O entrave ao desenvolvimento da PI prende-se com a constante transformação e consumo dos mesmos conteúdos, o que facilmente leva ao cansaço em relação aos mesmos. Para que a sua PI vá longe, as editoras, como promotoras da monetização de conteúdos, devem tornar-se produtoras, em vez de consumidoras.


O modus operandi de uma PI literária assemelha-se a uma tentativa penosa de um homem de meia-idade parolo para meter conversa: “Eu tenho uma história para contar. Você tem álcool?”, pelo que os leitores acabam, inevitavelmente, por encontrar alguns mentirosos pelo caminho que lhes farão desperdiçar tempo. Pelo contrário, o marketing das editoras de histórias é mais comparável ao das boy bands, as quais parecem todas iguais e, no entanto, são todas diferentes. Existem inúmeros príncipes encantados à espera de ser descobertos: “Quer ouvir histórias de amor? Aqui poderá encontrá-las.”