Alvis Sio

Alvis Sio nasceu em Macau nos anos 1990. Trabalha no sector dos média e é autora da obra The Good Old days of Colonial Hong Kong and Macao.


Quando ser gratuito já não é a solução – sobre escrever para uma revista literária (2)

11a edição | 11 2015

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No último texto referi que o modo de pensar dos editores de revistas literárias e dos apaixonados por livros não é uma mera “conta de somar” – envolve uma grande dose de análise ponderada e de cálculo. Desta vez, vamos falar sobre a variante mais interessante: os leitores.


O que é interessante nos leitores é que eles conseguem sempre chocar-nos com todo o tipo de questões e sugestões surpreendentes. Por exemplo, podem deixar um comentário a pedir que entrevistemos um determinado escritor, ou perguntar onde se vende um certo livro, ou mesmo saber mais sobre um qualquer endereço de um restaurante mencionado pelo entrevistado no artigo. Estas “perguntas estranhas” revelam inquestionavelmente que os leitores dão muita importância ao conteúdo e reflectem sobre o mesmo. Mas também é o reflexo de uma mentalidade colectiva, comum aos leitores de Hong Kong e Macau.


“A informação é pormenorizada e o design das páginas é forte. Pode dizer-se que os editores são mesmo muito trabalhadores!”


Uma das minhas fiéis leitoras disse-me isto. Talvez não saiba que esta nota informal me deixou a pensar durante muito tempo. Foi sobretudo a palavra “trabalhadores” que levei a peito. A minha conclusão é que ela estava a tentar dizer que “há textos a mais!”


Não pretendo rebater este comentário ao mencioná-lo novamente. Acredito apenas que esta leitora não é a única a pensar assim. E digo isto porque os posts são escritos de forma muito rápida e, por isso, os hábitos de leitura são influenciados: artigos curtos, infografias que simplificam informações complicadas, e o impacto visual causado por boas ilustrações reduziram há muito a nossa capacidade para aceitar artigos longos. A forte interactividade no mundo virtual permite aos leitores darem uma opinião enquanto lêem, e fazerem parte do grupo que altera ou lidera a direcção da discussão. Comparativamente, ler no papel é, sem dúvida, um acto mais solitário e um processo mais demorado. Além disso, as revistas sobre livros estão restringidas a temáticas e o efeito das ilustrações e das obras de arte é limitado. É fácil fazer com que os leitores sintam o desequilíbrio entre as imagens e o texto, e que acabem por ter uma abordagem “mundana”.


“Não tenho tempo para ir à livraria comprar a revista todos os meses. Pode enviar-me por correio? Eu pago o envio.”


Também aparecem mensagens semelhantes através de telefonemas ou do Facebook quase todos os meses – bastante em linha com a ideologia generalizada em Hong Kong: “tempo > dinheiro”. Mas de acordo com a situação actual, existem três revistas que tratam o tema da leitura, incluindo a publicação para a qual trabalho. Coincidentemente, todas as três são patrocinadas por uma determinada empresa imobiliária cotada na bolsa de valores, e as três são distribuídas em centros comerciais dessa empresa, em livrarias convencionais, livrarias mais recônditas, e diferentes estabelecimentos de ensino, desde universidades a escolas secundárias e primárias. É fácil ter acesso a um livro, mas actualmente as pessoas queixam-se do incómodo que é ir buscar um livro à loja de conveniência do fundo da rua – preferem que seja entregue directamente em casa. O impacto de ser “gratuito” é provavelmente menor do que o de ser “conveniente”. Para fazer com que as pessoas nesta cidade paguem por uma revista literária, o caminho ainda é mais sinuoso e longo. Perante este problema, preparar um conteúdo de qualidade é um requisito básico; atrair a atenção através de um design “perspicaz” que conte histórias, e trabalhar temas mais importantes para a vida do público, é aquilo que temos de procurar fazer.


No entanto, exactamente porque a nossa paciência para ler artigos longos está a diminuir – e nós damos cada vez mais importância ao tempo – estou mais convencida que uma cidade saudável deve ter uma (ou mais) revistas literárias que permitam às pessoas encontrar um equilíbrio entre textos fragmentados e artigos longos em papel, e que possam arranjar algum tempo no meio desta vida agitada. Só assim poderemos ir desenvolvendo, passo a passo, o ritmo e o sentimento de ter um livro na mão para o ler e divulgar a leitura.


Desta forma, além de promover a leitura, poderá uma revista literária desempenhar outras funções numa cidade? Falaremos disso da próxima vez.