Rachel Mok

Natural de Hong Kong, Rachel apaixonou-se pelos Tat Ming Pair e pelo Britpop durante a escola secundária e, desde essa altura, desenvolveu um interesse profundo pela cultura pop. Depois de concluir os estudos na Escola de Jornalismo da Universidade Baptista, começou a escrever para várias publicações em inglês e chinês de Hong Kong. Rachel é actualmente editora executiva da plataforma de música online Bitetone e directora de eventos da Cuetone. Adora viajar, batatas fritas picantes e cor de laranja. Odeia esperar pelo autocarro.


Festivais de música: mais do que simplesmente música

10a edição | 10 2015

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Há uns anos vivi durante algum tempo em Pequim e fui ao Strawberry Music Festival. Estava deitada numa encosta com vista para o palco com um amigo e comecei a hesitar: vim para ver o meu grupo de música favorito, mas comecei a beber, a falar descontraidamente com o meu amigo e apenas a ouvir a música ao longe, mas estava satisfeita. Estaria eu a pôr a carroça à frente dos bois? Depois, não muito longe dali, vi uma família estrangeira. As crianças brincavam na relva, saltavam e corriam de um lado para o outro ao som da música. Creio que esta família nem percebeu o que é que a banda Hedgehog estava a cantar, mas parecia estar a divertir-se. Mais tarde comecei a pensar que, além da música, existem provavelmente muitas outras coisas valiosas num festival.


Nos últimos dois anos, parece que Hong Kong absorveu o ambiente dos festivais de música e estes começaram a multiplicar-se. Entre os festivais de maior êxito estão incluídos o célebre Clockenflap, no final do ano, o Calling Music Festival, com bandas de Taiwan, o Heartdown Festival, que reúne grupos de música heavy, o Outlook Festival, com música bass, o Endless Summer International Reggae Ska Festival e o OpenSesame!2015, virados para a música independente, o Grasscamp and the Silvermine Bay Music Festival, entre outros. Tivemos ainda o Lion Rock Festival, o BLOHK Party, etc. Maratonas de espectáculos em centros comerciais também se identificam como “festivais de música”; actuações de três ou quatro grupos ao ar livre são anunciadas como sendo festivais de música; e existe, além disso, o evento oficial Hong Kong Asian-Pop Music Festival, que celebra a paz. De repente, os festivais tornaram-se na mais popular actividade musical.


As pessoas podem pensar que o mais importante num festival musical é o espectáculo. Eu, pelo contrário, penso que é o “carácter”. Por exemplo, ao contrário do Glastonbury Festival no Reino Unido e nos Estados Unidos da América, que esgotam num instante, todos os anos quando o Clockenflap se está a aproximar muitos espectadores não sabem se devem comprar os bilhetes antecipadamente ou aguardar até serem anunciados os cabeças de cartaz, para decidirem qual o dia em que vão assistir ao espectáculo. O Airwaves da Islândia ou o Tomorrowland da Bélgica estão direccionados para um nicho de mercado e, por essa razão, desenvolveram um carácter distinto. Estes nomes representam por si só uma boa escolha musical, um ambiente divertido e interactivo e, mais importante, um festival de “grande unidade”, em oposição à simples existência de música.


São necessárias certamente várias décadas para temperar o carácter e a reputação de um festival de música. Além de espectáculos versáteis de música ao vivo, o espírito destes eventos também é muito importante. Assim como o Woodstock promoveu o espírito da paz e do amor perante uma comunidade internacional instável, acreditamos que a música e as criações artísticas carregam valores espirituais. Não me parece que a música tenha de estar ligada à sociedade e à política (o que tem acontecido de forma exagerada em Hong Kong), mas a verdade é que o objectivo de um festival de música visionário passa por promover valores universais, sensibilizar o público para diferentes questões, permitir que este reflicta e, por fim, trazer alterações à sociedade. Equipamentos que incluam outras instalações de apoio, como serviço de comidas e bebidas, pontos de venda e exposições também ajudam a estruturar um festival de música de sucesso. Apenas festivais com propriedades distintas conseguem angariar apoio de diferentes grupos e alimentar uma cultura.


Neste contexto, existem imensos músicos e organizadores com determinação em Hong Kong. À excepção dos problemas de terrenos e limitações de espaços para os eventos, penso que neste momento a tarefa mais premente passa por cultivar um público. A maior dificuldade é fazer com que a geração mais jovem se comprometa e procure activamente opções musicais e culturais diferentes das convencionais. Por exemplo, o evento Freespace Happening, organizado recentemente no distrito cultural de West Kowloon, foi determinante para atrair jovens através da sua programação, ajudando várias pessoas que nunca tinham estado ligadas a bandas ou a subculturas a dar um primeiro passo. A manutenção do seu interesse pela cultura do espectáculo vai ser um desafio para os organizadores. Talvez ainda seja necessário percorrer um longo caminho para que Hong Kong seja responsável por um festival de música que represente a cidade e a sua cultura, mas eu acredito que esse dia chegará num futuro próximo.