Agnes Lam

Professora Associada da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Macau. Poetisa e Comentadora de Actualidade Informativa.


Criatividade e conteúdo continuam a ser decisivos

1a edição | 01 2015

Numa das cadeiras da universidade, os estudantes recorrem sempre a exemplos da vida quotidiana para sustentar teorias. Há alguns anos, constatei que as personagens e os diálogos de programas de televisão eram bastante úteis para isto, especialmente dos programas do canal TVB, de Hong Kong, e em particular as frases mais marcantes, que os alunos reconheciam de imediato.


Nos últimos anos, no entanto, houve uma mudança drástica. Não importa quão a par estou dos novos programas da TVB, porque no máximo apenas metade da turma os viu, e esta percentagem continua a cair ano após ano. É muito difícil encontrar um programa de televisão que tenha sido visto pela maioria dos estudantes. No ano passado, decidi perguntar aos alunos o que andavam a ver. Muitos deles responderam que andavam “a ver as montras” em sites como o Taobao. A maior parte passou a ver apenas programas coreanos, como telenovelas, videoclips, concertos e toda uma variedade de conteúdos com celebridades.


A cultura coreana é muito popular. Mas como chegamos até aqui?


Tudo começou nos anos 1990, quando o governo coreano começou a dar apoio financeiro muito significativo à indústria cinematográfica do país. Foi particularmente importante a criação e o papel do Conselho Cinematográfico Coreano (KOFIC) para a comercialização e industrialização do cinema. Entre as principais funções do KOFIC estão a gerir de forma efectiva a distribuição de apoios à produção cinematográfica; estimular novos talentos através de acções de formação; explorar novos mercados; e apoiar indústrias paralelas, como os sectores da animação e da projecção cinematográfica – foi criado um fundo para apoiar e ajudar a expandir a projecção de filmes no país.


Muitas pessoas acreditam que o sucesso da indústria de cinema na Coreia se deve ao dinheiro. Na verdade, o capital é apenas uma pequena, e quase derradeira, parcela da estratégia global. O sucesso da indústria cinematográfica coreana é o resultado de décadas de desenvolvimento, que permitiu aos filmes coreanos representarem hoje mais de metade do mercado doméstico no que toca a receitas de bilheteira; e fez com que a cultura coreana se tornasse dominante em toda a Ásia.


Antes da existência do KOFIC, o governo criou em 1973 o seu predecessor, naquele que é visto como um dos momentos mais importantes no desenvolvimento do cinema coreano. Nessa altura, mesmo com financiamento, o sucesso da indústria cinematográfica estava em causa devido à instabilidade política no país – incluindo várias restrições à produção de conteúdos criativos. A protecção da propriedade intelectual também era um problema. Por estes motivos, mesmo com uma organização que apoiava a indústria, a década de 1970 foi na realidade um período de atraso do cinema coreano, durante o qual se verificou um decréscimo do número de filmes exportados pela Coreia.


Os desenvolvimentos registados nos anos 1980 preparam o terreno para a prosperidade da indústria cinematográfica na década seguinte. Várias leis foram alteradas, com destaque para a liberalização da produção e importação de filmes. A legislação restringia até então a importação de filmes, para proteger o mercado doméstico, mas em 1988 o cenário alterou-se e o público coreano passou a ter acesso a muito mais obras, alargando horizontes e estimulando a criatividade. Os resultados desta política podem ser apreciados nas produções coreanas que surgiram nos anos 1990, revelando uma enorme diversidade. Em 2001, o filme coreano My Sassy Girlfriend bateu mesmo o blockbuster de Hollywood Pearl Harbour como grande êxito de bilheteira. Este filme – uma abordagem desempoeirada ao género da comédia romântica – representou o começo da idade de ouro do cinema coreano.


Claro que o financiamento e o mercado são importantes para a indústria cinematográfica, mas sem se encorajarem os talentos locais, sem liberdade e criatividade, não existiriam filmes como My Sassy Girl na Coreia. Sem aprender estas lições, a ideia de uma indústria televisiva competitiva em Macau não passará de uma ilusão.