Rai Mutsu

Poeta, romancista e colunista de Macau. Os seus trabalhos publicados incluem Passagem de Ano no Largo de São Domingos, uma colecção de contos, Roda Gigante e Um Mundo Ficcional, uma colecção de poesia e prosa; e uma série de vídeos promocionais sobre a literatura de Macau, publicada em conjunto com o poeta Cheang Ga Aya.


Deixem os artistas concentrarem-se na escrita

3a edição | 03 2015

As pessoas conhecem-me pelo que escrevo. Mas, se quisesse viver desta actividade, teria de “vender” os meus trabalhos a “clientes” por um preço absoluto. Se o objectivo fosse criar maior valor monetário, então teria de ir além da escrita para fazer com que os meus trabalhos fossem mais conhecidos.


Transformar arte em dinheiro é a essência das indústrias culturais e criativas. Tem de se ter primeiro uma boa ideia para depois transformá-la num produto comercial. Alguns destes produtos são tangíveis, como é o caso das obras de arte. Mas como transformamos produtos intangíveis em dinheiro? É necessário imenso tempo para escrever um romance ou uma obra literária. Mesmo que os livros sejam publicados, isso não quer dizer que seja possível a sua industrialização. Mesmo noutros países, são poucos os escritores que conseguem ganhar a vida com a literatura. A verdade é que, ironicamente, os escritores são essenciais para as indústrias criativas: os filmes precisam de argumentos e os meios de comunicação social de conteúdos. Geralmente, uma pessoa tem de confiar no destino para que os bons trabalhos acabem nas mãos dos bons produtores. A industrialização é a ponte que liga estas duas partes, permitindo aos  escritores focarem-se na escrita e aos produtores estarem livres de assumir responsabilidades desnecessárias.


Na realidade, as indústrias culturais e criativas precisam de agentes e coordenadores que transformem as ideias criativas em actividades lucrativas para os artistas. Algumas  produções recentes de cinema em Macau têm tido bons resultados no que diz respeito a este aspecto, talvez porque os produtores estejam de uma maneira ou de outra destinados a fazer este trabalho. Intermediários e coordenadores fazem o trabalho de marketing em troca de uma remuneração. Numa indústria saudável, é impossível que todos trabalhem como voluntários. Ter uma ideia clara sobre a remuneração é o pilar da industrialização.


Os intermediários procuram negócios. As relações que mantêm e a capacidade de negociar são elementos-chave para garantir acordos. Artistas de diferentes áreas devem trabalhar com estes intermediários para estabelecer o preço a pagar pelas suas obras.


A criação de uma história deve implicar várias oportunidades – os escritores são pagos, os intermediários ganham comissões, os produtores procuram investidores, realizadores, actores, músicos, operadores, agentes de publicidade e designers de produto. Forma-se uma cadeia que, para funcionar sem problemas, deve contar com o amadurecimento das indústrias criativas: é necessário um planeamento e um orçamento completo – e deve ser determinada a altura ideal para o lançamento. Um pintor deve pensar como é que o seu quadro se pode tornar num produto comercial, mesmo que esta seja a responsabilidade de quem o comercializa.


O elemento fundamental das indústrias culturais e criativas passa por dar espaço aos artistas para se concentrarem nas suas obras. Sem bons trabalhos, a premissa anterior não passa de conversa fiada. É igualmente importante criar uma plataforma e um ambiente adequado para os artistas, clientes e mercado. Sem esta plataforma, não haverá sequer trabalho criativo.


Tenho boas perspectivas em relação à industrialização do sector cultural e criativo. O primeiro passo é fazer passar a ideia de que a cultura tem algum valor e apresentar os melhores produtos de Macau ao público e potenciais clientes. Acredito que a revista que estão a ler neste momento está a fazer precisamente isso.