Yap Seow Choong

Yap é um aficionado do design, das viagens e de tudo o que é belo na vida. Escreve para várias publicações sobre viagens e design e tem vários livros publicados, dos quais se destacam Wander Bhutan e Myanmar Odyssey. Antigo editor da Lonely Planet China, Yap é agora o principal responsável por todos os conteúdos da Youpu Apps, uma empresa de aplicações sediada em Pequim.


Porque não?

34a edição | 08 2019

Com uma pequena população de apenas 300.000 habitantes, a Islândia é famosa por ter pessoas e anedotas estranhas. Mesmo agora, não consigo pronunciar o nome da sua capital correctamente.

Os topónimos aqui são frequentemente compostos de um grupo de letras do alfabeto que parecem aleatórias e impronunciáveis. O vulcão Eyjafjallajökull, cuja erupção em 2010 paralisou toda a rede de aviação europeia, costuma ocupar as primeiras páginas dos jornais. Talvez apenas os islandeses possam pronunciar o seu nome com precisão. Existe até uma página no Facebook dedicada a coligir anedotas islandesas. Devido ao ambiente geográfico formado por dois aspectos naturais de dois extremos opostos - gelo e fogo -, esta combinação dotou a Islândia de uma paisagem natural em estado de fluxo. As maravilhas naturais da Islândia lembram constantemente os islandeses de como o universo funciona: não há padrões e leis estanques no universo e permanecer único é o caminho a ser seguido.

A pequena mas delicada Reykjavik é o lugar onde os sonhadores e poetas vivem. Conheço um designer que está a escrever uma antologia de poesia como se escrever poesia fosse tão fácil como executar rotinas diárias do género de lavar o rosto, escovar os dentes e preparar refeições. Reykjavik é densamente povoada por escritores, pois um em cada dez islandeses publicou um livro. Há um provérbio na Islândia: “Toda a gente tem um livro no estômago”. Não admira que a UNESCO tenha reconhecido Reykjavik como Cidade da Literatura. Na literatura islandesa tradicional, tramas inconcebíveis como espíritos malignos e mitos são comuns. Os islandeses acreditam que existem inúmeros elfos a viver entre eles. É assim que eles explicam as magníficas maravilhas geológicas, vendo-as como obras de criaturas mágicas.


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Reykjavik parece ser uma cidade para jovens. Todas as sexta-feiras à noite, a música energética das discotecas invade a cidade. Numa cidade como Reykjavik, que mais se pode fazer além de se embriagar? No famoso clube Nasa toca-se música louca, como um vulcão em erupção violenta, mostrando ao mundo a sua incrível energia. Os islandeses têm contribuído muito para as histórias do círculo musical internacional. As obras da artista Björk parecem não ter qualquer limitação de estilo, já que ela usa alguns instrumentos inventados por si para criar um estilo de música que soa muito como “barulho” para muitas pessoas. Num concerto em Pequim, ela mostrou até uma bandeira que dizia “Libertar o Tibete” depois de cantar sua música “Declare Independence”. Björk tem a coragem de desafiar o governo chinês, passando das marcas e ignorando o chamado maior mercado de música do mundo. O que é realmente fomenta estes caracteres independentes numa cidade tão brilhante e única? Talvez a nossa normalidade não seja do tipo da dos islandeses. Esta nação também é bastante estranha quando se trata da sua gastronomia. Um exemplo que podemos encontrar na sua culinária tradicional é a carne de tubarão podre que cheira a hidróxido de amónio.

O lugar mais entediante do mundo é onde manter-se normal é uma virtude, não havendo espaço para explorar. Quando as pessoas partilham ideias e criatividade semelhantes, os chamados comportamentos estranhos tornam-se normais. Ter uma comunidade assim capacita-os a permanecerem estranhos e únicos. No bairro mais movimentado do centro, há o Museu Falológico Islandês. O dono do museu, Sigurður Hjartarson, era um professor do ensino básico cuja predilecção era coleccionar pénis de animais mamíferos. Levou mais de 40 anos a coleccionar mais de 300 falos para preparar o museu para receber visitas do público. “Coleccionar falos, assim como coleccionar qualquer outro objecto, encontramos sempre algo novo, algo melhor e algo maior”, diz Hjartarson. Neste espirituoso museu, podemos encontrar pénis de um metro de comprimento de todos os tipos de baleias. Hjartarson faleceu há algum tempo e doou o seu próprio genital para apreciação pública. A colecção do museu ficou finalmente concluída. Se lhe perguntasse por que tinha esta predilecção, ele provavelmente diria: “Alguém tem de fazê-lo”. Parece que ele considerou dar ao mundo um museu de falologia como uma das suas missões de vida. A certa altura, alguém tentou comprar o museu a um preço muito alto e mudá-lo para o Reino Unido. Ele rejeitou a oferta, pois acreditava que este museu só poderia estar na Islândia.

“Porque não?” Esta é a melhor defesa dos islandeses para explicar as suas criações peculiares e únicas. Somente pessoas que têm este espírito de “porque não” podem tornar o mundo mais interessante.