Ruby Chen

Vencedora do Prémio Literário de Taipé, Prémio Literário China Times, Prémio Literário Lin Rong San e Prémio Literário Liang Shih-chiu. Ruby gosta de poesia e ensaios, de fotografia e desenho; adora descobrir o velho e o novo, o humor requintado e a verdade no absurdo; espera poder desempenhar um papel num dos filmes de Lou Ye e escrever letras para músicos que admira.

Fazer um pedido cósmico

8a edição | 08 2015

Desde que o acesso à internet se tornou numa parte indispensável da vida moderna, o mundo virtual transformou-se literalmente no maior “poço de desejos” que a história alguma vez conheceu. Se alguém quiser “fazer um pedido ao universo” (um mantra que se tornou popular com o bestseller O Segredo, um guia para o crescimento espiritual), talvez a forma mais rápida de o concretizar seja no mundo virtual.


Já todos ouvimos contar histórias de pessoas que não vêem o seu talento reconhecido e vivem afundadas num mar de miséria ao não conhecerem mais nada além da rejeição – é o caso de John Kennedy Toole que, ao longo da vida, recebeu negas atrás de negas das editoras. Sem conseguir que pelo menos um dos seus livros fosse publicado, Toole perdeu a vida para a depressão e não teve oportunidade de ver o seu livro Uma Confraria de Tolos (A Confederacy of Dunces) ganhar o Prémio Pulitzer. O romance tornou-se num bestseller popular e numa obra de culto.


Se hoje Toole fosse um internauta, o seu destino poderia ser rescrito. Bastava sentar-se ao computador e publicar o seu trabalho na livraria digital da Amazon, tal como fez Hugh Howey com Wool – o autor foi responsável por publicar o seu próprio livro. Publicado em formato digital, Wool teve tanto sucesso de vendas que despertou a atenção das editoras tradicionais que quiseram fazer negócio com Howey.


Claro que os casos frustrados de talentos não reconhecidos não vão desaparecer da noite para o dia. Mas pelo menos a internet veio abrir uma janela de oportunidades àqueles que querem ser artistas. Em vez de esperar que a sorte venha bater à porta, estas pessoas podem tomar a iniciativa para alcançarem o que querem. As plataformas de crowdfunding, os blogues e os websites de partilha de conteúdo ajudam a manter um alto grau de independência, e os artistas podem evitar o filtro de chefias superiores, chegar directamente ao público ou clientes e avaliar a sua popularidade com base no número de “likes” recebido e no volume de livros vendidos.


A Threadless, fundada em 2000 nos Estados Unidos, foi uma das primeiras empresas de comércio electrónico a enriquecer com o crowdfunding. O seu modelo de funcionamento é essencialmente o seguinte: os utilizadores podem submeter a qualquer altura na internet o design de t-shirts e os membros do Threadless vão analisar e dar a opinião sobre o que gostam e o que não gostam. A Threadless selecciona semanalmente os designs que obtiveram mais pontos ou foram mais controversos e colocam-nos à venda, partilhando os lucros com os designers. Embora a produção de cada peça seja limitada, é possível fazer a reimpressão de produtos esgotados caso um número significativo de pessoas estejam interessadas.


Ao usar estes websites como plataforma de marketing, os designers podem mostrar em primeira mão as suas ideias criativas e os clientes encarregam-se do processo de tomada de decisão. Quão na moda está o estar na moda? No admirável novo mundo da internet, questões como esta já não são definidas por um pequeno grupo de pessoas.


Lojas digitais como a Threadless, que estão a fazer furor, encontraram designers colaboradores entre o comum dos mortais. A Society6 apresenta produtos de decoração de interiores desenhados por internautas, incluindo tapetes, almofadas e cortinas para a casa de banho. Da perspectiva dos consumidores, estas obras de arte podem ser amadoras, mas são apresentadas como objectos relativamente raros e mais personalizados, o que faz com que vestir a mesma roupa que outra pessoa seja bastante improvável. Além disso, estes não são como os produtos de grandes marcas fabricados em série, que tendem a ser superficiais e não dão ao consumidor uma sensação de participação.


O final da Primavera de 2015 assistiu à oferta pública inicial do Etsy, o maior website do mundo de comércio electrónico P2P (peer-to-peer) de objectos feitos à mão ou produtos vintage (têm de ter pelo menos 20 anos). A Etsy precisou de apenas dez anos para transformar uma startup numa empresa de capital aberto utilizada por compradores e vendedores de todo o mundo. O Etsy não deve a sua popularidade apenas a um motor de busca altamente personalizado e às funcionalidades em permanente inovação, mas talvez também à singular estratégia comercial, que procura a satisfação das novas expectativas da era pós-industrial – os padrões de produção e consumo são impulsionados por um profundo sentido de humanidade e participação.


O individualismo pode ter os seus limites, mas nós testemunhámos no século XXI como a internet pode efectivamente adaptar-se à ideologia de uma pessoa e dar vida a um movimento social radical e massivo, e a um fenómeno cultural de raiz. Esta é uma força que tem de ser considerada.