Yap Seow Choong

Yap é um aficionado do design, das viagens e de tudo o que é belo na vida. Escreve para várias publicações sobre viagens e design e tem vários livros publicados, dos quais se destacam Wander Bhutan e Myanmar Odyssey. Antigo editor da Lonely Planet China, Yap é agora o principal responsável por todos os conteúdos da Youpu Apps, uma empresa de aplicações sediada em Pequim.


Amesterdão

24a edição | 12 2017

Amesterdão é o tipo de cidade de que gosto: delicada e particular. Damos alguns passos e avistamos logo os canais. As pessoas percorrem devagar de bicicleta pelas ruas estreitas. É possível ir de bicicleta para o trabalho ou tratar de assuntos, o que é um sinal da tolerância desta cidade. Na Primavera, quando as flores desabrocham, os locais costumam juntar-se em pequenos grupos. Quando saem de barco, tocam música, fazem churrascos, bebem e divertem-se entre eles, mergulha-se toda a cidade num ambiente de total alegria. Banhados por cristalinos raios de sol de Primavera, a água dos canais reflecte as casas antigas de três, quatro andares que os ladeiam. Estas casas elegantes e escondidas possuem um ar de conto de fadas. Os impostos destas casas eram determinados com base na dimensão da fachada, pelo que as mesmas se construíram curtas e em profundidade. 


Para a minha viagem em Amesterdão, país que celebra o design e a beleza, escolhi deliberadamente ficar uma noite no Hans Brinker Budget Hostel, com vista a experimentar de que modo o auto-proclamado pior hostel do mundo seria o pior. Esta forma de pensar lembra alguém que ama um filme péssimo apenas para ver quão mau o mesmo é. Nós valorizamos a beleza, mas muitas vezes esquecemos que é só através da existência da feiúra que lhe damos valor. Apenas com a vizinhança desordenada, a arrumação é que se destaca e o ambiente é que se torna mais rico e diversificado. 


O hostel situa-se numa rua estilosa com canais. As velhas casas à beira dos canais exibem decorações lindíssimas que ecoam nos corações de quem passa. Na recepção, exibe-se um texto fascinante que define o estilo juvenil do albergue: "Obsessivos compulsivos, tenham cuidado: ao tornarem o mundo demasiado limpo, estão a pôr em risco o vosso sistema imunitário. Temos de estar em contacto com a sujidade para aumentarmos a resistência natural às bactérias. Por este motivo, o Hans Brinker Budget Hostel orgulha-se de ser sujo e de ter uma enorme variedade de bactérias. Uma única noite garantirá um fortalecimento natural do seu sistema imunitário. Visite antes que seja tarde de mais". 


Na verdade, o hall do hostel estava bastante limpo, e o serviço de recepção era diligente. No momento do check-in, pediram-me desculpa com um sorriso, pois "o nosso wi-fi não funciona". Mas não tens como te zangar. Desde cedo que sabia que este seria o pior hostel do mundo, não haveria razão para o serviço ser normal. Eu sabia que não era propositado, tinha tido azar e nada mais. 


As críticas no website de reservas variam entre o muito satisfeito e o insatisfeitíssimo. No entanto, no caso das críticas excessivamente duras, o administrador da página também pode decidir ignorá-las, dizendo já tinha avisado de início. No site oficial do hostel há uma mensagem semelhante: "Aos viajantes que pernoitem no Hans Brinker Budget Hostel: venham pelo vosso próprio risco. O nosso hotel não se responsabilizará por intoxicações alimentares, colapsos mentais, doenças terminais, intoxicação por radiação ou quaisquer outras doenças prevalecentes no século XVIII, como a peste negra". 


Do balcão da recepção aos corredores dos quartos, estão afixados cartazes com avisos igualmente criativos que se desenvolvem em torno do tema "Somos o pior hostel do mundo". Tanto os textos como as imagens têm muitas piadas que nos fazem morrer a rir: A mesma pessoa, antes da chegada, parece radiante e, após sair do quarto, tem um aspecto lastimável; um cartaz que revela pulgas, com o texto: "Melhore o seu sistema imunitário!"; um homem nu usa as cortinas do quarto para secar o corpo (implicando que o hotel não fornece nem uma toalha), com o slogan "Acidentalmente ecológico (Accidentally Eco-Friendly)". 


Tendo já pernoitado em muitos hostels de qualidade, mas em que as fotografias e a experiência pessoal divergiam grandemente, ao ponto de me sentir enganado, devo dizer que este não é tão mau quanto proclama. Na verdade, o seu tom auto-depreciativo acabou por ser bem-sucedido, pois diversos meios de comunicação deram-lhe uma cobertura mediática positiva. 


Para uma pessoa criativa tentar vender um produto medíocre é um desafio enorme. Os fundadores deste hostel abandonaram o tipo de publicidade tradicional que encontra cegamente os atributos e pontos fortes do objecto, recorrendo ao pensamento inverso, no sentido de permitir que mais pessoas o vejam e relembrem. Este estilo de marketing criativo atrai um grande interesse por parte dos clientes e tem um grande efeito ao nível de divulgação. Este método anti-publicitário não só reduz psicologicamente as expectativas dos clientes, como também recebe elogios sinceros de muitos deles: “Na verdade, não é um hostel assim tão mau.” Como resultado, é dito que as 130 camas no estabelecimento estão frequentemente lotadas.