Cheong Sio Pang

Cheong vive em Pequim, trabalha em investigação académica e gosta de escutar música clássica. As suas publicações incluem An Oral History of the Concert Band in Macao. Ele é também o autor de Macau 2014 – Livro Musical do Ano e Macau 2015 – Livro Musical do Ano. Cheong adora aprender.


Um Momento Tocante

20a edição | 04 2017

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Pianista solo Alice Sara Ott  Foto cedida por Orquestra de Macau


Recentemente, participei no espectáculo Encontro de Piano: Encontro com Alice apresentado pela Orquestra de Macau, e estou esmagado pelas visões humanísticas do desempenho, que vão muito além da criação artística. Não tenho um contacto pessoal com Ung Vai Meng, ex-presidente do Instituto Cultural, mas sem dúvida que ele causou uma forte impressão enquanto ilustre encarregado dos assuntos culturais. Afinal, é bastante raro um funcionário governamental ver a sua falta ser tão sentida pela comunidade quando deixa o cargo. No fim do concerto, Lü Jia, o maestro, agradeceu a Ung. Como artista, Ung empenhou-se muito na promoção da cultura em Macau e ganhou amplo respeito pelo seu trabalho entre os profissionais das artes. Lü expressou a sua gratidão através de Kinderszenen de Schumann que, por coincidência, foi também a peça escolhida por Vladimir Horowitz em Hamburgo em 1987. A única diferença é que esta performance com cordas deu uma interpretação mais sentimental à peça musical e invocou um poderoso sentido de nostalgia.


Este concerto em Macau apresentou três obras-primas menos conhecidas de Schumann: Genoveva, Abertura; Concerto para Piano em Lá menor, Opus 54 e Sinfonia Nº 2 em Dó maior, Opus 61. Schumann é mais célebre pelas suas obras para voz. Surpreendentemente, verifica-se que a sua Abertura para a ópera se tornou muito mais apelativa do que o musical em si. O Sinfonia N° 2 em Dó maior, um dos quartetos sinfónicos que criou já doente. Piano Concerto in A Minor, Opus 54, foi tocado nesse dia por Alice Sara Ott, pianista solo, é o único concerto para piano de Schumann. No entanto, com vista a editar as composições, foi obrigado a acrescentar mais dois actos ao Concerto para Piano em Lá menor original, de modo a satisfazer as exigências de publicação. Na verdade, ele nunca alcançou as inovações que esperava na sua jornada criativa, mas a sua predisposição para experimentar é admirável.


Tornada pública a sua relação com Clara, Schumann passou por um período de realização pessoal quando a sua obra-prima foi revelada, em 1845. A composição em três andamentos segue um formato tradicional, com uma abertura mais dramática e arrebatadora, mostrando a interacção entre o piano e o clarinete, suave e gentil, como sussurros trocados por amantes. Na segunda parte, o eco entre o piano e a orquestra assemelha-se à canção de um pastor. Pelo meio, a ênfase no elemento de corda parece encarnar uma resposta ao piano.


A composição de Schumann revela a sua paixão pelo clarinete, cujo som mediado pelo instrumento de madeira evoca o calor dos sentimentos humanos. A intensa terceira parte da peça está repleta de energia e variações musicais, levando toda a performance a uma conclusão clássica. Comparada à expressividade mais étnica de Tchaikovsky, a música de Schumann não é ensombrada pelo sofrimento ou pela dor. Em vez disso, evoca sentimentos genuínos. Ao contrário de Beethoven, a música de Schumann é muito mais subjugada e subtil. Entendendo isto, não é difícil apreciar o forte apelo das suas obras para voz.


No final da peça sinfónica, Lü homenageou Ung. É uma honra para um funcionário governamental que se aposenta receber um tão afirmativo aplauso em várias ocasiões. Este respeito conquistado vem da reverência e paixão de Ung pelas artes. Embora Lü e Ung sejam incapazes de comunicar fluentemente entre si devido à barreira linguística (dado o menos-do-que-proficiente mandarim de Ung), testemunhar as suas lágrimas foi um momento revelador. Na verdade, a arte transcende a linguagem de muitas formas. É uma verdadeira alegria ver um artista retomar o seu caminho criativo, e estou ansioso por apreciar a produção criativa de Ung como pintor.