Reinventando o seu próprio céu numa moldura—
Entrevistas com Mulheres Criadoras e Trabalhadoras Locais de Artes

03 2021 | 43a edição
Texto/Sara Lo

A utilização de “mulheres” como tema de discussão não é novidade hoje em dia, mas ainda há sempre espaço para progressos em termos da igualdade de género. Em todo o mundo, mesmo que não haja discriminação ou injustiça gritante, existe uma grande hipótese de que as palavras e as acções possam revelar acidentalmente ideologias profundamente enraizadas. O último caso mais mediático e discutido é o do antigo presidente do Comité Olímpico de Tóquio, que acabou por cair em desgraça e demitir-se devido aos seus comentários desrespeitosos para com as mulheres.


Desde o estabelecimento do Dia Internacional da Mulher há mais de um século, os movimentos e as iniciativas para a promoção da igualdade de género e do empoderamento das mulheres têm surgido em todo o mundo, e o verdadeiro progresso no pensamento deve vir do respeito e da apreciação por cada indivíduo, em vez de preconceitos e estereótipos baseados no género. Nesta edição de “Destaque”, entrevistámos três mulheres, que são, respectivamente, uma criadora, uma artista e uma empreendedora com personalidades e especialidades diferentes, trabalhando arduamente nos seus próprios campos com os seus temperamentos únicos. Na véspera de mais um Dia da Mulher, vamos dar uma vista de olhos a estes rostos bonitos e confiantes.


Fannie Leong : A criação artística não tem a ver com o género, mas com o cuidado pessoal e a perspicácia

Ao chegar ao estúdio de gravura ao lado do Museu de Arte de Macau, Leong Fei In (Fannie), uma mulher magra e gentil, está a operar habilmente a máquina pesada de fazer gravuras. Ela conhece o layout do estúdio como a palma da sua mão, e é fácil imaginar a quantidade de esforços e de tempo que nele foi investida. O seu primeiro encontro com a gravura começou na faculdade, e mais tarde estudou formalmente com James Wong Cheng Pou no Museu de Arte, tornando-se a sua assistente e entrando gradualmente na indústria expositiva. Actualmente, Fannie tem múltiplos papéis, não só como criadora de arte, mas também como curadora, editora de revistas, instrutora de cursos de arte e estudante. Trabalha como freelancer há mais de dez anos, aparecendo principalmente como coordenadora e curadora nos primeiros tempos da sua carreira profissional. Durante esse período, ajudou frequentemente outros. Mas mais tarde começou a pensar em fazer a sua própria criação.


O trabalho de Fannie inclui não só pinturas físicas, mas também arte conceptual. Depois de completar o seu Mestrado em Arte do Livro (book art) pela Camberwell College of Art em Londres, a sua primeira exposição em Macau, The Weight of Context (2018), utilizou os jornais como meio principal de comunicação para apresentar o seu pensamento sobre a sociedade e cultura actuais; a exposição Cordon off Area (2020), que teve lugar em 798 Art Zone em Pequim em Setembro do ano passado, expressou a sua reflexão sobre o território enquanto vagueava pelas ruas tranquilas de Macau durante a pandemia. Este tipo de “arte conceptual”, que não se limita a um meio de comunicação específico, mas sendo predominantemente conceptual em vez de visual, não pode ser alheio aos seus estudos em arte do livro. Embora a arte do livro se designe por “livro”, a imaginação derivada do “livro” é muito extensa. “Quando exploramos o que é que um livro pode significar, ao se tratar como um meio de comunicação no contexto da arte contemporânea, os conteúdos apresentados pelas obras artísticas relativos a essa questão quase não são o que geralmente definimos como livros. Penso que a arte do livro pode significar o que aprendi no passado, incluindo a literatura e a gravura.”, diz Fannie. A liberdade, a tolerância e a abertura da arte do livro são-lhe especialmente queridas.


Após a graduação, Fannie sabia que queria criar as suas próprias obras. Em vez de passar tempo a ajudar outros a completar as suas obras, pensou em regressar a Macau onde os seus problemas de vida seriam mais fáceis de resolver. Por um lado, podia empenhar-se no trabalho criativo e, por outro lado, era também uma forma de acumular energia para a criação de obras de arte, a fim de conseguir, de futuro, mais oportunidades fora de Macau. Quando se trata do espaço de desenvolvimento em Macau, refere: “Macau é muito pequeno e existe um número reduzido de artistas, por isso é difícil criar uma atmosfera onde o desenvolvimento artístico seja visível para o público.” Então, a industrialização das artes visuais é uma saída viável? A sua resposta é: “Penso que a arte e a indústria são duas coisas diferentes. Podem ajudar-se/completar-se mutuamente, mas não se podem substituir, pois a arte e as indústrias criativas são duas ideias distintas”.


O efeito de rotulagem como “artista/curadora mulher”


Ao ser rotulada como “artista feminina”, Fannie admite que não gosta do rótulo. “Não me rotularia como artista feminina porque é inapropriado, é como colocar as mulheres em oposição aos homens, e isso não é verdade.” Acredita que os temas do trabalho de artistas masculinos e femininos podem sobrepor-se, mas o foco é diferente, e isto está mais directamente relacionado com os interesses dos próprios artistas do que com o género. “Se as artistas femininas estão a fazer os trabalhos com os temas mais relacionados com mãe/filhos, há também trabalhos delas com os temas de pais e filhos, que descrevem as fases da vida, mas não a questão do género, porque os trabalhos dos artistas são criados a partir da sua própria vida.”, salienta. Tendo participado na “Mulheres Artistas - 2ª Bienal Internacional de Macau”, espera também utilizar este rótulo para tocar em temas relacionados com as mulheres, tais como o que as cuidadoras enfrentam na pandemia, ou os problemas reais enfrentados pelas mulheres idosas, em vez de apenas utilizar esta plataforma para mostrar os seus trabalhos.


Admite que, como artista, é por vezes impotente, pelo que espera que o seu outro papel como “curadora” ajude a mudar a percepção estereotipada de arte e a trazer vários assuntos sociais aos olhos do público. “Um curador está mais próximo da sociedade, funcionando como uma ponte entre o público e a arte e tentando tornar a arte mais relevante para a sociedade.” Como tirar o máximo partido dos muitos papéis enquanto artista? A solução não tem nada a ver com o género, tem sim a ver com a sociedade, e com a maneira como os seus pensamentos serão apresentados através de acções e trabalhos.