Ser Criativo no sopé das Ruínas de São Paulo

01 2015 | 1a edição
Texto/Allison Chan

Os Directores Criativos da MO-Design, Chao Sio Leong e Hong Chong Ip, ambos licenciados pelo Instituto Politécnico de Macau, foram, durante vários anos, funcionários públicos, antes de terem a ideia luminosa de criar uma marca própria, a MO-Design. Neste primeiro número da C2publicamos a conversa entre o nosso Editor-Chefe, Lei Chin Pang, e os dois directores criativos.


L: Lei Chin Pang

H: Hong Chong Ip

C: Chao Sio Leong


L: Contem-me resumidamente a história da criação da MO-Design?


H: A MO-Design (MOD) foi criada em 2009 e instalou-se na Casa Amarela, onde o governo nos cedeu um espaço por um décimo do preço do mercado de arrendamento. Estivemos nesse espaço durante dois anos, desde 2012. Quando o nosso contabilista fez o balanço das nossas finanças para um negócio de dois anos, sabíamos que íamos ter um défice no segundo ano. Então, deveríamos continuar ou desistir de tudo? Decidimos continuar, visto ser uma oportunidade para promover o design e a criatividade dos produtos locais. O design de produto em Macau, nessa altura, estava ainda numa fase de arranque. A nossa ideia para a MOD é comercializar produtos de Macau e produtos não locais, em partes iguais, e ter a nossa oferta dividida em três categorias: produtos da MOD, marcas locais e marcas estrangeiras. Os produtos estão agrupados em prateleiras, não de acordo com o local de origem, mas misturados com produtos de outras regiões para incentivar a entrada de produtos locais no mercado.


L: Bom, normalmente quando fazemos compras, por exemplo numa livraria, os livros de viagens de escritores locais não estão na prateleira relativa a viagens. Em vez disso, ficam expostos na área das publicações de Macau, e esse rótulo “especial” realmente faz mossa.


C: Temos dados que comprovam este ponto. A Casa Amarela é o antigo Pavilhão Criativo de Macau, dirigido por instituições sem fins lucrativos e financiado pelo governo, com volumes de vendas mensais na ordem das MOP80.000,00. Após a MOD se instalar no local, o volume de negócios, em apenas seis meses, teve um aumento de seis vezes em relação ao do Pavilhão Criativo de Macau. Mesmo que o nosso objectivo fossem apenas os produtos de Macau, o nosso volume de negócios excedia ainda assim o dos nossos antecessores em duas a três vezes. Alguns fornecedores locais, com quem trabalhamos, disseram-nos que mais de 60 por cento das suas vendas totais foram feitas por nós. Juntos, a MOD e outros fornecedores disponibilizaram mais de 40 artigos culturais e criativos para venda. Penso que somos o espaço onde se concentram e disponibilizam mais artigos culturais e criativos de Macau. No espaço de um ano e meio, lançámos mais de uma dúzia de produtos, aqui e no estrangeiro. Em regra, as vendas de um produto duplicam nas duas semanas seguintes ao seu lançamento. Os dois primeiros anos são a fase de arranque. No terceiro ano, quando descobrimos o caminho a percorrer e nos preparávamos para seguir a pleno vapor, fomos obrigados a fechar. O encerramento da loja foi um duro golpe. Tivemos de ser fortes, despedir membros da nossa equipa e suspender o negócio.


L: Apesar de já terem completado um contrato de dois anos, pensavam continuar com este negócio?


C: Apostámos quase tudo neste negócio. Embora tivéssemos a confiança necessária para continuar a operar, fomos forçados a parar.


L: Ao todo, quantos funcionários tinham ao vosso serviço?


H: Entre o design e as vendas, mais de 30 pessoas.


L: E o fluxo de pessoas?


C: Para ir ao encontro das necessidades dos nossos clientes no que respeita ao serviço de ‘carimbos’, temos mais de 200 carimbos diferentes gravados com festividades de Macau e números. Os nossos clientes compram postais e cadernos onde gravam os seus carimbos favoritos. Uma vez, um cliente ficou duas horas a carimbar todas as páginas dos seus cadernos, uma a uma. Os carimbos tornaram-se na assinatura da MOD. Depois de os clientes carimbarem os seus cadernos e fazerem as suas próprias criações artísticas, tiravam fotos w partilhavam-na nas redes sociais ou blogues, o que representava uma promoção efectiva da nossa loja. Para aumentar o fluxo de clientes, aumentámos o número de projectos. Nas horas de ponta, o nosso ar condicionado não chegava para tanta gente.


L: Têm números no que respeita a clientes? Digamos, a percentagem de visitantes locais e de turistas?


C: Sim, temos. A MOD situava-se ao fundo das Ruínas de São Paulo e cerca de 60 a 70 por cento dos nossos clientes eram turistas; a maioria deles eram do Interior da China, seguindo-se Hong Kong, Coreia e Singapura. À noite, quando o número de turistas diminuía, era a hora de aparecerem os visitantes locais, depois do trabalho. Então, prolongámos o horário uma a duas hora para atrair mais compradores locais. Também usámos as redes sociais para fortalecer a nossa promoção e na esperança de que o público saiba mais sobre a indústria criativa e o design da nossa cidade.


H: Este tipo de promoção é muito eficaz junto dos estudantes. Eles são os nossos clientes favoritos. Embora não gastem muito, são as sementes da criatividade. Podem juntar-se a nós no futuro.


C: O mais importante é que sintam que pertencem a este lugar. E que saibam que Macau pode ter design de qualidade.


L: Cerca de 60 a 70 por cento dos vossos clientes são turistas, e a maioria deles do Interior da China. Isso poderá afectar a tendência do vosso design?


C: Sim, com certeza. Lançámos o produto MO:FEST, dirigido a turistas. Também criámos dez diferentes produtos que assinalam as festividades de Macau, e que podem promover e ajudar a compreender melhor a cidade.


L: Pensamos sempre que os visitantes de Macau são jogadores sem grande substância. É verdade que apenas os turistas de qualidade se interessam por produtos criativos?


C: Na verdade, somos muito encorajados por eles. Por exemplo, os ímanes MO:FEST custam MOP58 cada, enquanto que outros ímanes, em outras lojas, custam apenas MOP10. Os turistas estão dispostos a pagar mais para comprar produtos de alta qualidade. Não são tão maus como pensamos.


H: O preço dos produtos não pode ser demasiado elevado. Para os turistas, em geral, 80 por cento dos itens comprados custam umas quantas dezenas ou centenas patacas, e muito poucos comprariam produtos cujo valor ultrapassasse as mil patacas. A tecnologia melhora a qualidade dos produtos, mas não os torna mais populares. Por isso, primeiro definimos a nossa gama de preços e só depois desenhamos os nossos produtos.


L: Qual a relação entre a indústria criativa e o turismo, neste momento? Visto que muitas lembranças de Macau são ainda artigos de baixa qualidade, acha que o desenvolvimento da indústria criativa pode ser apoiado pela força da indústria turística?


H: Os turistas sabem muito bem se os produtos são fracos ou se valem o dinheiro. Acredito que no futuro a MOD terá a maioria de seus trabalhos ligados ao turismo, incluindo o modo de usar o design para expressar as culturas ocidental e oriental que se fundem em Macau, e de tornar isso comercializável.


L: Os retalhistas precisam de ter uma loja, e sabemos que é muito difícil ter um ponto em Macau. Que saída vão encontrar?


H: A política do governo pode ser usada como apoio. Isto se o governo constatar que há pessoas que têm experiência e estiver disposto a encontrar uma solução; e se notar que há nesta indústria quem esteja disposto a usar seus próprios fundos para começar e que já viu frutos do seu investimento. Será que o governo não deveria dar mais apoio ao nível da promoção?


L: Usando a mesma abordagem da Casa Amarela?


H: Bom, a Casa Amarela é muito difícil, já que não é propriedade pública. O inquilino e o governo não têm poder de decisão. Acho que o governo pode apoiar no que toca às rendas, por exemplo com subsídios de arrendamento.


C: Em termos de empréstimos bancários, temos dificuldade em garanti-los também. As indústrias culturais e criativas são algo de novo e os bancos, em geral, não têm dados suficientes para apoiar este tipo de negócio. Neste sentido, os bancos são bastante conservadores.


H: Se o governo pudesse ser o fiador e dissesse a todos “esta indústria é apoiada por nós (o governo)!”, então os bancos poderiam estar disponíveis para emprestar dinheiro às indústrias culturais e criativas. Neste caso, os bancos praticamente diriam: “Se o governo vos apoia, nós apoiamos também!”


C: Não estamos a pedir que o governo nos empreste dinheiro, mas esperamos que o governo possa ficar como fiador.


H: Desde que abrimos a empresa, corremos riscos operacionais por conta própria e estamos dispostos a contribuir e a usar os nossos cérebros. Não deveria o governo dar apoio através das suas políticas?


L: Se quisermos entrar nas indústrias culturais e criativas, é muito difícil alugar um espaço para venda de produtos?


C: Sim, é difícil. Em termos operacionais, as rendas são tão elevadas que apenas as marcas internacionais podem entrar no mercado. Quem tiver coragem para começar um negócio, será desencorajado quando descobrir que as rendas são tão altas. Se queremos incentivar o desenvolvimento das indústrias criativas, não pedimos ao governo que nos dê apoio financeiro a longo prazo. Em vez disso, esperamos que a barreira de entrada no mercado possa ser um pouco inferior, para permitir a entrada daqueles que estão interessados. Se mais pessoas puderem entrar no mercado, a indústria desenvolver-se-á e o mercado será mais maduro.