Festival Literário de Macau: viagem pela Rota das Letras

05 2015 | 5a edição
Texto/C Wong

Numa cidade onde o chinês é a língua mais falada e escrita, muitos poderão ter estranhado que fosse o Ponto Final, um dos principais jornais de Macau em língua portuguesa, a ter a iniciativa de organizar o Festival Literário de Macau. O sub-director do evento, Hélder Beja, recorda: “Olhando para trás, quando em 2011 eu e o Ricardo Pinto falámos pela primeira vez sobre a organização de um festival deste género, a nossa ideia era chamar a atenção para o facto de não haver um único festival na China, Portugal ou Brasil que pudesse servir de espaço de partilha entre aqueles que escrevem em português e chinês.”


Macau, uma cidade singular, unida pelas culturas chinesa e portuguesa, acolheu pela primeira vez, em 2012, o festival literário. “À excepção das obras de escritores locais, tem havido em anos recentes uma falta de interesse por parte de escritores de outras paragens em utilizar Macau como cenário para a sua escrita. Esperamos que este festival possa despertar o interesse por Macau não apenas como um destino turístico, mas como um lugar de cultura e de narrativa entre os escritores, e que possa estimular o aparecimento pelo mundo fora de mais literatura sobre esta cidade”, realça ainda o sub-director.


O festival oferece um programa de actividades para todos os gostos: além de seminários, exposições e sessões de leitura de poesia, são organizados eventos que vão ao encontro de um público mais alargado, como concertos, exposições de artes visuais e sessões de cinema e teatro. Esta estratégia permite à literatura tornar-se numa forma de arte mais agradável e acessível, e promove também um ambiente mais descontraído para a troca de experiências e a discussão literária. Uma dos escritores do Interior da China presente no evento deste ano, Yan Ge, realçou o acolhimento do Festival Literário de Macau, a agradável experiência de participar num encontro onde concertos de música rock e eventos literários acontecem paralelamente, e a excelente oportunidade de encontrar pela primeira vez escritores portugueses.


O festival literário, que já vai na quarta edição, alcançou um sucesso sem precedentes em diversas áreas, constata Hélder Beja. “Tivemos oportunidade de colaborar com escolas e autores de literatura infantil para levar os livros às salas de aulas e fazer com que os mais novos participassem nas nossas actividades. Este ano também contámos com um forte apoio dos meios de comunicação social, por exemplo em Hong Kong, onde fizeram uma cobertura alargada dos nossos eventos. E, por último, a possibilidade de utilizar o Edifício do Antigo Tribunal como base principal do festival fez com que o evento continuasse a ganhar maior visibilidade e se tornasse mais acessível ao público do que em edições anteriores.”


Sendo Macau mais conhecida pelo desenvolvimento das indústrias do jogo e do turismo do que pela literatura, o festival Rota das Letras tem recebido menos atenção do governo do que outras festividades direccionadas para os turistas. “Há muitos outros eventos organizados ou financiados pelo governo que recebem um nível de apoio financeiro muito mais elevado, mesmo quando o seu impacto na sociedade ou legado que deixam é provavelmente menos significativo”, defende Hélder Beja.


Em 2012, o financiamento da primeira edição do Festival Literário de Macau chegou sobretudo do sector privado através do jornal Ponto Final, contando com uma ajuda de apenas 300 mil patacas do governo de Macau. No ano seguinte, o Instituto Cultural de Macau entrou como co-organizador e o financiamento público aumentou. Já este ano, o festival literário recebeu apoio do Instituto Cultural e da Fundação Macau, bem como da Secretaria para os Assuntos Sociais e Cultura e da Direcção dos Serviços de Turismo de Macau, totalizando 1,45 milhões de patacas. Com o apoio do sector privado, o orçamento global rondou os 2,7 milhões de patacas. Hhões  Beja reconhece que, com um apoio financeiro mais generoso, a organização terr melhores possibilidades de equilibrar as contas deste ano.


A edição de 2015 juntou em Macau nomes fortes da literatura e do cinema, incluindo Wang Anyi, Ann Hui, Wong Bik Wan e Murong Xuecun, bem como Ondjaki, Francisco José Viegas, Maria do Rosário Pedreira e João Botelho, do lado lusófono. No entanto, o programa detalhado do festival só foi divulgado muito em cima da hora. Hélder Beja explica: “O festival é organizado por uma equipa muito pequena, com a maioria dos colaboradores a trabalhar a tempo parcial. Nem sempre é fácil mobilizar recursos humanos para apoiar a crescente dimensão do festival. Além disso, como preparamos todo o material de promoção em três línguas (chinês, português e inglês), e como o programa tem vindo a crescer, a carga de trabalho tem vindo a aumentar significativamente”. Para o próximo ano, acrescenta o sub-director, a programação e o nome dos participantes serão divulgados logo no início de Fevereiro, de modo a captar mais público em Março.


Quem consulta a lista dos participantes do festival, apercebe-se do reduzido número de convidados locais. Agnes Lam, escritora de Macau, realça: “A organização tem sempre mostrado interesse na participação de escritores locais, mas devido ao calendário apertado e ao facto de a maioria dos escritores de Macau não escrever a tempo inteiro, é bastante difícil que estes se juntem ao evento com tão pouca antecedência. Outro obstáculo diz respeito à dificuldade de comunicação entre os autores de língua chinesa e de língua portuguesa. Antes de se encontrarem, estes dois grupos de escritores precisariam de mais tempo para ler as obras uns dos outros. A maioria dos escritores de fora nem sequer conhece a nossa literatura, principalmente por não falarem chinês e pela falta da tradução de obras locais. Estes problemas dificultam verdadeiramente o intercâmbio profícuo de ideias.”


Apesar dos contratempos, o festival tem tido um papel importante na defesa do princípio “escrever Macau”. Além de incentivar autores de ambas as línguas a escrever sobre a cidade, o festival Rota das Letras tem trabalhado no sentido de promover a literatura local. Este ano, a organização apoiou a tradução e publicação da consagrada obra O Assassino de Joe Tang em três línguas—inglês, português e chinês simplificado—e também preparou a compilação e publicação de Regra de Três, terceiro tomo da antologia que reúne contos e poemas sobre Macau, da autoria de escritores locais e do exterior.


A antologia, impressa e distribuída em Macau, também ficará disponível em versão e-book, para que um maior número de leitores no exterior tenha a oportunidade de aprender mais sobre a literatura de Macau.