SiSi Chang

Escritora freelancer. Mestre em Artes pela Universidade Nacional de Arte de Taipé, Instituto Superior de Estudos Teatrais. Chang olha para a viagem como uma disciplina e, cada vez que se encontra num sítio desconhecido, aprende a olhar para as coisas de uma perspectiva diferente. Amazing Australia, An In-Depth Guide to Angkor e Lonely Planet IN Series: Taiwan são alguns dos trabalhos publicados pela autora.

A criatividade mede-se apenas pelas vendas e pelo marketing?

8a edição | 08 2015

Durante um certo tempo, em Taiwan, qualquer coisa que estivesse relacionada com a educação cultural acabava por se tornar sempre numa espécie de “actividade”. Nas escolas, os professores e os estudantes estavam demasiado ocupados para cumprir as metas estabelecidas pelo Ministério da Educação. Na teoria, estas eram metas contempladas em políticas oficiais, que estavam relacionadas com a conduta, o talento artístico ou algo do género, mas que no fundo não passavam de simples actividades sem interesse. Com falta de recursos e de tempo, a forma mais fácil de cumprir estes objectivos era a organização de actividades como o “plano quadrienal para a criação de x, y ou z” ou “projectos de e-learning”. Depois de receberem estas instruções, os professores ficavam sobrecarregados, literalmente com uma pilha de trabalho – preparavam as campanhas de promoção, faziam a inscrição dos estudantes, tiravam as suas fotografias e preparavam relatórios.


O mesmo acontece com os assistentes sociais. Há simplesmente demasiados casos para tratar e poucas pessoas para o fazer. O simples cumprimento de responsabilidades básicas já é extremamente difícil. Mas os assistentes sociais têm de lidar com muitos outros pedidos, sejam encomendas do governo, actividades de responsabilidade social das empresas (CSR na sigla inglesa), conferências de imprensa, identificação de casos de crianças carenciadas e assim por diante – tudo em nome da angariação de fundos. Há uma lista interminável de actividades para organizar, relatórios para escrever, contribuições para angariar e avaliações para fazer.


No sector cultural a situação é mais grave. Os professores sabem que o seu trabalho é ensinar. Os assistentes sociais sabem que o seu papel passa por apoiar e prestar assistência aos mais desfavorecidos. E qual é o trabalho de um profissional da cultura? Durante as dinastias Ming e Qing, quem trabalhava neste sector era geralmente visto de forma negativa, como sendo uma pessoa ociosa que trabalhava para a classe alta, dando apoio à organização de óperas ou de peças de teatro, escrita de literatura e jardinagem. Hoje em dia esta já não é uma ideia realista. A cultura já não é do domínio dos ricos. Pessoas de todas as classes sociais têm os seus próprios valores e cultura. Explorar esses valores e culturas é a base daquilo que hoje conhecemos por indústrias culturais e criativas. Mas este é um processo longo e difícil, que exige coesão social, uma forte auto-identificação e um contexto histórico ideal. E como é que estas pessoas vão angariar dinheiro? Através da organização de actividades.


Todas as propostas têm os mesmos elementos: objectivos, execução, orçamento, previsões. As avaliações são sempre feitas com base nestas estimativas iniciais. Nos meus primeiros anos de experiência profissional na indústria, dei por mim envolvida num destes episódios. Trabalhava com um grupo de teatro infantil. Nessa altura, a utilização do computador ainda não estava generalizada e o acesso à internet era feito apenas por via telefónica. A maioria dos documentos era escrita à mão e depois fotocopiada. Eu podia apresentar um orçamento de 100 mil dólares taiwaneses e apenas duas centenas de pessoas estariam presentes na plateia. Depois de submeter o meu relatório, fui inevitavelmente convocada pelo Ministério da Cultura, que me deu um puxão de orelhas. “Não fez gráficos. Por que razão é que em vez de um diagrama circular fez um gráfico de linhas? Onde estão os dados que dizem respeito à exposição nos meios de comunicação social? Qual é a relação entre a exposição aos média e a resposta do público? Com base no seu relatório, não consigo perceber quais são os benefícios deste projecto. Precisamos disso de forma a podermos proceder a uma avaliação”, diziam.


A solução são os números. Não interessa se a sua criação é brilhante, se tem uma recepção positiva ou se as bases da sua companhia de teatro são sólidas. Tudo isso tem de ser quantificado num conjunto de números apelativos. O trabalho sem fins lucrativos não pode ser calculado em dinheiro, mas tem de se reflectir no “público”. E o que é que uma pessoa pode fazer para se aproximar do mercado de massas? Organizar actividades. Iniciativas silenciosas não produzem benefícios. Tem de haver uma proliferação de eventos. Cerimónias aborígenes transformam-se em carnavais, actuações de teatro em festivais de arte. Locais históricos tornam-se mercados de artesanato, festivais rurais de cultura passam a ser mercados nocturnos. Os trabalhadores culturais são de certa forma profissionais de relações públicas. À primeira vista, todos estes acontecimentos parecem muito animados, mas na realidade falta-lhes uma base artística.